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Uma estranha paixão
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
17/05718
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Uma estranha paixão
Foi preciso um grupo de bárbaros agredir
os jogadores do Sporting, no interior da Academia de Alcochete, para
centrar a atenção na pobreza do mundo da bola em Portugal. Não bastava o
discurso de ódio que os representantes dos clubes destilam no espaço
público; não chegava a perceção de que o futebol, enfim, não é bem o que
se passa dentro das quatro linhas. Não chegava vislumbrar o perigo que
muitos jogos constituem para quem ainda acredita poder assistir, em
família, a uma festa do desporto.
Parecia
imagem pouco forte ver os jogos de futebol serem preparados como uma
batalha, com muitos efetivos policiais plantados, de escudo, viseira e
bastão, como se os estádios não fossem lugar onde se pratica desporto.
Mas um território de violência, onde os espectadores são revistados à
entrada, porque alguns podem levar armas, explosivos, no propósito de
atacar o outro.
Ano após ano, as
autoridades vão tolerando, não raro branqueando, as indecências das
claques. O rasto de destruição atrás de si, em viagens escoltadas por
batalhões policiais, os insultos, a falta de respeito pelo adversário.
Como se o futebol fosse um mundo à parte, e os adeptos e dirigentes uma
casta intocável, diferente de nós, tocada por uma irracionalidade que
dizem ser paixão - "paixão clubística".
Não
há, pois, motivo de espanto perante a vergonha que o país sentiu ao
conhecer os relatos do assalto à Academia de Alcochete, e o presidente
da República deu rosto. "Tive o sentimento de alguém que se sente vexado
pela imagem projetada por Portugal no Mundo. Vexado porque Portugal é
uma potência, nomeadamente no futebol profissional, e vexado pela
gravidade do que aconteceu". Sem dúvida, uma vergonha, independentemente
do impacto na imagem internacional, a poucos dias do início do Mundial
da Rússia. Vergonha, antes de tudo, pelo que se está a passar cá dentro.
Como
de costume, as medidas chegaram de forma reativa e devagar. Após a
patética conferência de imprensa conjunta dos secretários de Estado do
Desporto e da Administração Interna, que nada acrescentou, foram as
palavras do presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, de repúdio
pela banalização do crime, a imprimir urgência de atuar. E a resposta
aí está. O primeiro-ministro, António Costa, anuncia a criação da
Autoridade Nacional para a Violência no Desporto. Veremos se a tempo de
apagar as chamas ateadas no mundo do futebol, alimentadas por um culto
quase fascista a alguns dos presidentes dos clubes.
* EDITORA-EXECUTIVA-ADJUNTA
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17/05718
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