Saúde: a prioridade
das prioridades
Estamos face a um problema estrutural do Estado que não é de
hoje, é necessário acabar com a sub-orçamentação, o que exige que o SNS
seja não uma das, mas a prioridade política do resto da legislatura
1. A história do serviço nacional de saúde já é
longa. Durante vários anos era frequente haver orçamentos retificativos
na saúde. Para passar os orçamentos em época de vacas magras (porque
sempre vivemos em tempos assim embora alguns não o soubessem)
orçamentava-se despesa em medicamentos pela metade e chegados a meio do
ano, como o dinheiro não chegava e era preciso comprar medicamentos, o
governo da altura lá tinha de ir ao parlamento pedir uma autorização e
aprovar um orçamento retificativo agravando o défice.
Depois veio a
empresarialização dos hospitais e a sua saída do perímetro das contas
públicas. A sub-orçamentação continuou, mas deixou de ser evidente pois
deixou de contar para o défice, embora fosse direta para a dívida, e ela
crescia, crescia, por esta e outras razões. Nunca percebi porque
demorou tanto tempo o INE e o Eurostat a perceberem a marosca. Um dia
aterrou o Eurostat em Lisboa e finalmente disse que os Hospitais EPE
teriam de integrar o perímetro das contas públicas.
A
sub-orçamentação essa obviamente continuou, e agora, já com os hospitais
dentro do perímetro orçamental do Estado, voltamos ao ciclo de aumento
de dívidas a fornecedores, comida do capital estatutário dos hospitais e
transferências de capital do Estado para repor o capital. Esta
transferência não aumenta o défice (porque consolida entre entidades
públicas), mas aumenta a dívida se o Estado não reduzir a sua almofada
financeira.
Houve muitos progressos nesta área na última década. O
SNS é provavelmente o sector do Estado em que existem mais indicadores
de desempenho, e existem progressos assinaláveis na gestão de certos
centros hospitalares. Porém, existem sérios problemas noutros e
problemas sistémicos de gestão do SNS (como pagar dívidas de
medicamentos a empresa de factoring, a taxas muito superiores a que se
financia o Estado). A saúde precisa de mais dinheiro e de melhor
gestão.
2. Claro que é sempre possível assacar ao atual governo o problema que referimos atrás como o fez ontem aqui Alexandre Homem Cristo, citando dados de um Relatório do Tribunal de Contas.
Inequivocamente o Relatório, apesar de identificar problemas
contabilísticos, dá uma imagem de um sector que há anos vive
suborçamentado e se se analisar os dados de 2014 a 2016 verificamos que o
problema vem detrás, mas que continua.
O passivo do Ministério da
Saúde aumentou significativamente de 3591 milhões em 2014, para 3975,2
milhões em 2015 e voltou a aumentar para 4074,5 milhões em 2016. O
EBITDA foi negativo nesses três anos, respetivamente em 137, 198 e 288
milhões. E se há boas notícias, a contratação de 1908 novos médicos,
2812 enfermeiros e 252 técnicos de diagnóstico nestes dois anos (2015 a
2017), há claros motivos de preocupação como o investimento realizado
nestes últimos anos que não chega para repor o stock de capital na
saúde.
O ponto essencial a que quero chegar é que estamos perante
um problema estrutural do Estado que não é de agora, e que é necessário
acabar com a sub-orçamentação na saúde o que, num período de limitados
recursos e de esforço de consolidação orçamental que continua, exige que
o SNS seja de facto não uma das, mas a prioridade política desta
segunda metade legislatura e atrever-me-ia a dizer da próxima também.
Prioridade na despesa pública e na melhoria de gestão a todos os níveis,
sem o qual mais dinheiro acaba sendo, em parte, um desperdício.
A
saúde é das áreas mais transversais na sociedade portuguesa, cruza
todas as faixas etárias e todos os estratos sociais. Aquilo que o
governo e os partidos de esquerda têm de acordar é se querem, ou não,
colocar a saúde como prioridade política à frente de revalorizações
salariais ou de pensões. Muitos políticos não gostam de escolher e dizer
que vamos gastar mais na saúde pois é prioritário em detrimento de
continuar a aumentar salários ou pensões. Mas é preciso coragem,
determinação e firmeza para o dizer e fazer.
IN "OBSERVADOR"
27/02/18
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