O caso Montepio,
ou como nos querem
fazer de estúpidos
Como é que quase nada se sabe de um negócio como este? Qual é o
interesse (nacional) que o Governo vê nele? Estão a fazer Misericórdia
com quem? A quem vai sair o Euromilhões? Quem vai pagar? Quando?
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Primeiro esclarecimento: já tinha eleito o tema da entrada da
Santa Casa no Montepio como tema para este artigo antes do PSD de Negrão
e Rio o ter levado ontem ao seu primeiro debate com Costa. Como não
gosto de andar (ou de pensarem que ando) a reboque de nada, estive quase
a mudar de assunto. Mas o negócio (ou negociata) é demasiado importante
para lhe passar ao lado. Porque mais do que concordar com as
preocupações manifestadas pela bancada social-democrata, o que me
preocupa mesmo é a falta delas do lado do PS. É a ausência de
explicações claras do Governo e da Santa Casa. É o silêncio ensurdecedor
da esquerda radical (que nem imagino o que estaria a dizer se isto
estivesse a acontecer com Passos em S. Bento).
Segundo
esclarecimento: não sou especialista em banca nem em impostos.
Infelizmente, neste caso não preciso de o ser. Sei por experiência
própria, tal como a maioria dos portugueses, que ambos têm estado
diretamente relacionados pelas piores razões. Poupo-vos os pormenores
dolorosos do quanto custaram aos contribuintes nas suas deduções
fiscais, cortes salariais, taxas e taxinhas. Basta rever os números.
As
três grandes falências bancárias (perdão, os três grande casos de
polícia) dos últimos anos – BPN em 2008, BES em 2014 e Banif em 2015 –
vão custar mais mil milhões de euros em 2018. Continua por saber como
será contabilizada a recapitalização da CGD de 2017. Entre 2008 e 2016,
segundo o Tribunal de Contas, já tínhamos pago 14,6 mil milhões de euros
(1,8 mil milhões só em juros) com o salvamento e ajuda aos bancos. É 8%
do PIB. Quase seis vezes o valor do défice. E a fatura continua longe
de estar saldada.
Ora se além disto, a grande preocupação da
Comissão Europeia em relação à nossa economia é ainda com a banca. Se os
principais alertas do FMI a Portugal são sobre banca. Se as agências de
notação continuam com dúvidas em relação ao rating por causa da banca. Se o Novo Banco pode precisar de mais uma
injeção de capital. Se os bancos andam a subir comissões, a fechar
balcões, a fazer despedimentos e o diabo a sete para se reestruturarem e
voltarem a ser saudáveis. Se há problemas por resolver com os muitos lesados. Se foi preciso criar mecanismos novos, fundos de resolução e ainda se vai apertar mais a regulação.
Então que obsessão é esta da entrada de uma entidade que nada sabe de
banca num banco que, além dos nos últimos tempos parecer um saco de
gatos, tem de separar as áreas da caixa económica e da associação
mutualista por causa dos riscos de exposição? E de quem é essa obsessão?
E porque não aprendemos (ou não queremos aprender) a lição?
Já me
andava a fazer muita confusão que a Santa Casa estivesse a entrar de
forma muito atabalhoada (e estou a ser simpática no termo) no milionário
negócio dos jogos de fortuna e azar (sobre o qual há muito por
explicar). Mas tornar-se banqueira? O que é que isso tem a ver com “a
realização da melhoria do bem-estar das pessoas, prioritariamente dos
mais desprotegidos, abrangendo as prestações de ação social, saúde,
educação e ensino, cultura e promoção da qualidade de vida” de que falam
os estatutos da SCML?
Alguém está a confundir fundos e operações financeiras de risco (é isso
que faz o Montepio) com o “desenvolvimento de iniciativas no âmbito da
economia social”?
Se não estão a confundir, estão a tentar
confundir-nos. Ou o Governo ou a Santa Casa ou o Banco de Portugal ou
todos. Porque dizer que investir no Montepio é como investir em arte,
depois da confusão com os Miró do BPN e a coleção de arte do BES, é uma
anedota. Começar por falar num investimento de 200 milhões por 10% do
banco e a seguir achar que reduzir para 160 milhões por 6% é um desconto,
já é gozar. Querer fazer-nos acreditar que estamos a falar de uma
instituição que vale entre 2 a 2,6 milhões, mais que o BPI e pouco menos
que o BCP, é mais do que atirar areia para os olhos dos ignaros da
economia. É mesmo chamar-nos estúpidos. E achar que somos.
O
negócio deve avançar ainda em março depois da avaliação final do
Haitong. Março começa hoje. Como é que quase nada se sabe de um negócio
como este? Qual é o interesse (nacional) que o Governo vê nele? Estão a
fazer Misericórdia com quem? A quem vai sair o Euromilhões? Quem vai
pagar? E daqui a quantas legislaturas vem a conta?
Só mais duas ou três coisas
- “A verdade é como o azeite, vem sempre ao de cima”. “Mais depressa se apanha um mentiroso que um coxo”. Etc. Etc.. Podia estar aqui linhas e linhas com expressões populares. Iam todas acabar no mesmo: Vieira da Silva mentiu. O apoio à abertura de uma creche aos sábados para os trabalhadores da Autoeuropa é mesmo uma exceção. O DN confirmou que, ao contrário do que o que afirmou o ministro, só uma creche privada recebe uma comparticipação da Segurança Social para abrir todos os dias do ano.
- O Eurobarómetro da Comissão Europeia sobre a perceção de corrupção coloca Portugal ao lado da Roménia. Em 100 empresários, 70 acham que a única forma de ter êxito nos negócios passa por ter boas relações políticas (a média europeia pouco passa dos 40%). É preciso dizer mais alguma coisa?
01/03/18
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