31/01/2018

SAFAA DIB

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A normalização do saque

Ainda este mês foi anunciado que o Estado pretende reconduzir Miguel Frasquilho como administrador da TAP, ignorando as alegadas irregularidades que vieram a lume.

Quase quatro anos decorridos desde a derrocada do maior banco português, o BES, cujos profundos abalos foram sentidos no sistema bancário, na bolsa, na economia e nos corredores de poder político, sabemos hoje da dimensão de alguns dos crimes financeiros perpetrados, que deixaram inúmeros cidadãos lesados.

Sabemos de gestores e altos funcionários do BES que detinham posições-chave na instituição e que auferiam remunerações e prémios de valores anormalmente elevados, através de uma sociedade offshore desconhecida pelo Banco de Portugal que ficou conhecida como o “saco azul” do GES. Mas chegámos a 2018 e importa analisar o que ainda não sabemos.

Ainda sob investigação do MP, está uma lista com mais de uma centena de nomes que auferiam remunerações pela porta do cavalo e sem contratos de prestação de serviços. Qual era a natureza do trabalho desses avençados? Um dos nomes, o de Miguel Frasquilho, surgiu recentemente noticiado nos media como tendo auferido prémios através do saco azul do GES. Frasquilho detinha, para além da posição como alto quadro do BES, posições-chave políticas que nos fazem interrogar, com toda a legitimidade, sobre a possibilidade de abuso de informação privilegiada.

Muito poucos dos nomes dessa lista vieram a público, mas o caso recente de Miguel Frasquilho revela sinais alarmantes. O facto de ter solicitado as transferências do estrangeiro através de familiares poderia ser indício de fraude fiscal, mas Frasquilho alega “acertos de contas entre familiares”. O gestor foi rápido a clarificar que os rendimentos auferidos pelo saco azul terão sido declarados na totalidade e disponibilizou-se para ser investigado pela Autoridade Tributária.

E porque, aparentemente, teve a postura correta, a sua reputação mantém-se intacta. Ainda este mês foi anunciado que o Estado pretende reconduzir Miguel Frasquilho como administrador da TAP, ignorando as alegadas irregularidades que vieram a lume, lançando às urtigas o estatuto de idoneidade, requisito essencial para qualquer administrador de topo.

Questões que podiam ser colocadas e não foram: enquanto alto quadro do BES, Miguel Frasquilho estava, ou não, ciente de que o banco poderia incentivar, com essas remunerações não registadas, práticas de fuga ao fisco entre os seus gestores e dirigentes? Porque não as denunciou?

Quatro anos depois, Ricardo Salgado está preso, não numa cela mas numa redoma de ilusão de inocência criada pelo próprio. E ninguém está interessado em desfazer essa ilusão. Pior ainda, tal como as reações benévolas ao caso Frasquilho evidenciam, está em curso uma tentativa de normalização e banalização das relações de avençados com o saco azul do GES. Cabe-nos a todos estar muito atentos e não permitir nunca nenhuma ‘normalização’ após o escândalo do BES.

 * EDITORA

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
26/01/18


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