A normalização do saque
Ainda
este mês foi anunciado que o Estado pretende reconduzir Miguel
Frasquilho como administrador da TAP, ignorando as alegadas
irregularidades que vieram a lume.
Quase
quatro anos decorridos desde a derrocada do maior banco português, o
BES, cujos profundos abalos foram sentidos no sistema bancário, na
bolsa, na economia e nos corredores de poder político, sabemos hoje da
dimensão de alguns dos crimes financeiros perpetrados, que deixaram
inúmeros cidadãos lesados.
Sabemos de gestores e altos
funcionários do BES que detinham posições-chave na instituição e que
auferiam remunerações e prémios de valores anormalmente elevados,
através de uma sociedade offshore desconhecida pelo Banco de
Portugal que ficou conhecida como o “saco azul” do GES. Mas chegámos a
2018 e importa analisar o que ainda não sabemos.
Ainda
sob investigação do MP, está uma lista com mais de uma centena de nomes
que auferiam remunerações pela porta do cavalo e sem contratos de
prestação de serviços. Qual era a natureza do trabalho desses avençados?
Um dos nomes, o de Miguel Frasquilho, surgiu recentemente noticiado nos
media como tendo auferido prémios através do saco azul do GES.
Frasquilho detinha, para além da posição como alto quadro do BES,
posições-chave políticas que nos fazem interrogar, com toda a
legitimidade, sobre a possibilidade de abuso de informação privilegiada.
Muito
poucos dos nomes dessa lista vieram a público, mas o caso recente de
Miguel Frasquilho revela sinais alarmantes. O facto de ter solicitado as
transferências do estrangeiro através de familiares poderia ser indício
de fraude fiscal, mas Frasquilho alega “acertos de contas entre
familiares”. O gestor foi rápido a clarificar que os rendimentos
auferidos pelo saco azul terão sido declarados na totalidade e
disponibilizou-se para ser investigado pela Autoridade Tributária.
E
porque, aparentemente, teve a postura correta, a sua reputação
mantém-se intacta. Ainda este mês foi anunciado que o Estado pretende
reconduzir Miguel Frasquilho como administrador da TAP, ignorando as
alegadas irregularidades que vieram a lume, lançando às urtigas o
estatuto de idoneidade, requisito essencial para qualquer administrador
de topo.
Questões que podiam ser colocadas e não foram: enquanto
alto quadro do BES, Miguel Frasquilho estava, ou não, ciente de que o
banco poderia incentivar, com essas remunerações não registadas,
práticas de fuga ao fisco entre os seus gestores e dirigentes? Porque
não as denunciou?
Quatro anos depois, Ricardo Salgado está preso,
não numa cela mas numa redoma de ilusão de inocência criada pelo
próprio. E ninguém está interessado em desfazer essa ilusão. Pior ainda,
tal como as reações benévolas ao caso Frasquilho evidenciam, está em
curso uma tentativa de normalização e banalização das relações de
avençados com o saco azul do GES. Cabe-nos a todos estar muito atentos e
não permitir nunca nenhuma ‘normalização’ após o escândalo do BES.
* EDITORA
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
26/01/18
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