O Pedrógão social
É numa paisagem de devastação social quotidiana que continuam a viver milhões de portugueses.
Entrando no terceiro ano do seu Governo,
António Costa garantiu este Natal que “o emprego está no centro da nossa
capacidade de conquistar o futuro. Não apenas mais, mas melhor emprego.
Essa é a prioridade que definimos para o ano de 2018”. Ele sabe que, no
país mais desigual da UE, tem pendente um Pedrógão social que nos
incendiou as vidas desde, pelo menos, 2010. É numa paisagem de
devastação social quotidiana que continuam a viver milhões de
portugueses. As muitas expectativas que esta experiência política trouxe
(o primeiro Governo desde 1976 que se compromete a reverter uma
tendência permanente de 40 anos de precarização do trabalho) têm
produzido mais uma sensação de alívio que uma mudança efetiva. Os
escombros continuam à mostra. Na sua mensagem de Natal de há dois anos,
Costa reconhecia já que "Portugal apenas poderá preparar-se e vencer os
desafios do século XXI com mais crescimento, melhor emprego e maior
igualdade." O problema é que continuamos a ficar pelo crescimento de que
qualquer liberal falaria, e à espera ficamos de "melhor emprego e maior
igualdade".
É o que abundantemente mostra o Observatório das Crises e
Alternativas do Centro de Estudos Sociais: "a consolidação da
recuperação económica" tem revertido a precarização do trabalho. "O peso
dos contratos permanentes nos contratos assinados desde 2013 continua a
ser diminuto (cerca de 34% dos novos contratos vigentes em outubro de
2017)", e isto depois de, só nos dois últimos anos do governo Passos
(2013-15), terem passado de 71,8% para 68% no setor privado. A crise não
destruiu apenas contratos precários; com ela se aproveitou para
destruir muito emprego que era estável. Além disso, não só a
precariedade não recuou, mas ela "é acompanhada por uma degradação da
remuneração média dos novos contratos permanentes (837 euros mensais
brutos no final do primeiro semestre de 2017)". Nos contratos não
permanentes, "o Salário Mínimo Nacional [apresenta-se] crescentemente
como a remuneração de referência" (Retoma económica: o lastro chamado precariedade, Barómetro das Crises, n.º 18, 05.01.2018).
Não
é assim que se demonstra da capacidade alguma de "conquistar o futuro"
de que fala Costa. E o Governo sabe disto: há meses, Vieira da Silva,
que insiste em "não demonizar os contratos de curta duração [de
três-seis meses] que, por vezes, são necessários, principalmente numa
economia com mais fatores de sazonalidade", reconhecia que "a dimensão
em que eles existem em Portugal é claramente excessiva. [Somos] o
segundo ou terceiro país da Europa que tem mais contratos deste tipo”. O
ministro "não [se esquecia] que ainda estamos longe do emprego que
existia antes da sequência de crises que Portugal viveu" (entrevista
DN/TSF, 06.08.2017), e é mesmo importante que não o esqueça porque ele
governa "o país da União Europeia onde a diferença entre o grupo dos 10%
com salários mais elevados e o grupo dos 10% com salários mais baixos é
maior, sendo os dos 10% mais elevados cerca de cinco vezes superiores
(a média na UE é 3,5 vezes). Se a comparação for feita entre o grupo dos
1% com salários mais elevados e o grupo dos 10% com salários mais
baixos, a diferença aumenta já para 12 vezes".
Os anos da crise e da troika (2010-15) vieram agravar tudo:
segundo dados da OIT, "a parte dos salários e ordenados no PIB diminuiu
de 36,8% para 34,1%, enquanto a parte do Excedente Bruto de Exploração,
que reverte para os patrões, subiu de 41,3% para 43%". Como sublinha
Eugénio Rosa, a "inversão destas tendências" verificada no primeiro ano
de Governo Costa (2016) foi "pequeníssima" (0,1%). É a relação direta
entre precariedade e desigualdade e pobreza que faz com que ele nos
prometa "não apenas mais, mas melhor emprego". Só falta é que não se
esquive a fazer o que o PS continua a recusar ao fim de dois anos no
Governo: revogar "a caducidade automática dos Contratos Coletivos do
Trabalho", usada pelos patrões para precarizar o que não ainda não é
precário, e repor "nas leis do trabalho o princípio do tratamento mais
favorável que", antes da troika e desde Marcelo Caetano, antes
mesmo do 25 de Abril, "proibia, a nível dos contratos individuais de
trabalho, que os patrões pudessem impor aos trabalhadores condições
piores do que as constantes da lei do trabalho" (Eugénio Rosa, A repartição do rendimento entre o Trabalho e o Capital agravou-se em Portugal durante a crise, 02.04.2017). Se não o fizer, o Pedrógão social continuará aí.
IN "PÚBLICO"
06/01/18
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