08/01/2018

MANUEL LOFF

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O Pedrógão social

É numa paisagem de devastação social quotidiana que continuam a viver milhões de portugueses.

Entrando no terceiro ano do seu Governo, António Costa garantiu este Natal que “o emprego está no centro da nossa capacidade de conquistar o futuro. Não apenas mais, mas melhor emprego. Essa é a prioridade que definimos para o ano de 2018”. Ele sabe que, no país mais desigual da UE, tem pendente um Pedrógão social que nos incendiou as vidas desde, pelo menos, 2010. É numa paisagem de devastação social quotidiana que continuam a viver milhões de portugueses. As muitas expectativas que esta experiência política trouxe (o primeiro Governo desde 1976 que se compromete a reverter uma tendência permanente de 40 anos de precarização do trabalho) têm produzido mais uma sensação de alívio que uma mudança efetiva. Os escombros continuam à mostra. Na sua mensagem de Natal de há dois anos, Costa reconhecia já que "Portugal apenas poderá preparar-se e vencer os desafios do século XXI com mais crescimento, melhor emprego e maior igualdade." O problema é que continuamos a ficar pelo crescimento de que qualquer liberal falaria, e à espera ficamos de "melhor emprego e maior igualdade".

É o que abundantemente mostra o Observatório das Crises e Alternativas do Centro de Estudos Sociais: "a consolidação da recuperação económica" tem revertido a precarização do trabalho. "O peso dos contratos permanentes nos contratos assinados desde 2013 continua a ser diminuto (cerca de 34% dos novos contratos vigentes em outubro de 2017)", e isto depois de, só nos dois últimos anos do governo Passos (2013-15), terem passado de 71,8% para 68% no setor privado. A crise não destruiu apenas contratos precários; com ela se aproveitou para destruir muito emprego que era estável. Além disso, não só a precariedade não recuou, mas ela "é acompanhada por uma degradação da remuneração média dos novos contratos permanentes (837 euros mensais brutos no final do primeiro semestre de 2017)". Nos contratos não permanentes, "o Salário Mínimo Nacional [apresenta-se] crescentemente como a remuneração de referência" (Retoma económica: o lastro chamado precariedade, Barómetro das Crises, n.º 18, 05.01.2018).

Não é assim que se demonstra da capacidade alguma de "conquistar o futuro" de que fala Costa. E o Governo sabe disto: há meses, Vieira da Silva, que insiste em "não demonizar os contratos de curta duração [de três-seis meses] que, por vezes, são necessários, principalmente numa economia com mais fatores de sazonalidade", reconhecia que "a dimensão em que eles existem em Portugal é claramente excessiva. [Somos] o segundo ou terceiro país da Europa que tem mais contratos deste tipo”. O ministro "não [se esquecia] que ainda estamos longe do emprego que existia antes da sequência de crises que Portugal viveu" (entrevista DN/TSF, 06.08.2017), e é mesmo importante que não o esqueça porque ele governa "o país da União Europeia onde a diferença entre o grupo dos 10% com salários mais elevados e o grupo dos 10% com salários mais baixos é maior, sendo os dos 10% mais elevados cerca de cinco vezes superiores (a média na UE é 3,5 vezes). Se a comparação for feita entre o grupo dos 1% com salários mais elevados e o grupo dos 10% com salários mais baixos, a diferença aumenta já para 12 vezes".

Os anos da crise e da troika (2010-15) vieram agravar tudo: segundo dados da OIT, "a parte dos salários e ordenados no PIB diminuiu de 36,8% para 34,1%, enquanto a parte do Excedente Bruto de Exploração, que reverte para os patrões, subiu de 41,3% para 43%". Como sublinha Eugénio Rosa, a "inversão destas tendências" verificada no primeiro ano de Governo Costa (2016) foi "pequeníssima" (0,1%). É a relação direta entre precariedade e desigualdade e pobreza que faz com que ele nos prometa "não apenas mais, mas melhor emprego". Só falta é que não se esquive a fazer o que o PS continua a recusar ao fim de dois anos no Governo: revogar "a caducidade automática dos Contratos Coletivos do Trabalho", usada pelos patrões para precarizar o que não ainda não é precário, e repor "nas leis do trabalho o princípio do tratamento mais favorável que", antes da troika e desde Marcelo Caetano, antes mesmo do 25 de Abril, "proibia, a nível dos contratos individuais de trabalho, que os patrões pudessem impor aos trabalhadores condições piores do que as constantes da lei do trabalho" (Eugénio Rosa, A repartição do rendimento entre o Trabalho e o Capital agravou-se em Portugal durante a crise, 02.04.2017). Se não o fizer, o Pedrógão social continuará aí.

IN "PÚBLICO"
06/01/18

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