O valor da Autoeuropa
A verdade dolorosa é que as fábricas montadoras continuam a ser “tendas beduínas”, sendo a parte menor da cadeia de valor que vai desde a concepção ao fabrico de um modelo.
A vida da Autoeuropa tem-se medido pelos ciclos dos seus modelos.
Quando um se encaminha para o fim, a fábrica luta por um novo modelo
dentro do grupo, sabendo-se que a competição é cada vez mais forte. Faz o
que lhe compete. Quando esses ciclos mudam, os trabalhadores são
chamados a negociar novas condições de trabalho, lutando pelos seus
direitos. Fazem o que lhes compete. A comissão de trabalhadores e ou os
sindicatos tomam o protagonismo público e lançam reivindicações. Fazem o
que lhes compete. É como dizer que isto é da ordem natural das coisas.
Neste enunciado falta o papel do Governo. Faz reuniões de bastidores, procura que os novos modelos tragam mais investimento para a fábrica. Às vezes, tenta intervir na pacificação laboral, com ou sem sucesso. Ainda assim, faz menos do que lhe compete. O que se pode apontar a este executivo não é novo, atravessa governos e ministros PSD e PS. E tanto no sector automóvel como aeronáutico.
Vão-se discutindo ciclos,
faltando discutir o futuro. Diz a experiência de outros países que o
futuro de uma fábrica como a Autoeuropa ou aeronáutica decide-se muito
mais pelas boas âncoras que a liguem ao resto da economia do que pelo
modelo A ou B que vai montar. É sobretudo a oportunidade de captar
trabalho que envolva a engenharia do país que a acolheu, nomeadamente
engenharia de desenvolvimento, e de impulsionar a respectiva indústria a
trabalhar com mais valor acrescentado, gerando mais riqueza.
A verdade dolorosa é que as fábricas montadoras continuam a ser
“tendas beduínas” – mesmo tendo beneficiado de fundos comunitários estes
também terminam –, sendo a parte menor da cadeia de valor que vai desde
a concepção ao fabrico de um modelo.
A Autoeuropa afirmou-se como fábrica de modelos de nicho, dando à
indústria nacional, às universidades e à engenharia uma valiosa e rara
oportunidade de serem envolvidas nos projectos, não apenas com o
fornecimento de mão-de-obra directa ou de componentes e serviços, mas
participando no desenvolvimento dos modelos. A evolução dos níveis de
incorporação nacional nos carros da Autoeuropa, e sobretudo da qualidade
desses níveis – a mão-de-obra directa ou fornecimento de componentes
têm menos valor estrutural do que a engenharia – teve um ponto alto com o
modelo Eos, o “cabrio” que se produziu entre 2006 e 2015, com a
engenharia portuguesa a ter desenvolvido peças do veículo.
Não se
evoluiu muito mais a partir daí. Essa é tarefa que compete aos governos,
não ao investidor, não aos trabalhadores nem aos sindicatos. É política
industrial. Não só é mais difícil ao investidor levantar a tenda e
partir quando tem essa ligação como, quando o faz, fica o que interessa:
universidades mais fortes e uma indústria mais competitiva. E isso é
válido tanto para Autoeuropa como para a Embraer em Évora.
IN "PÚBLICO"
20/12/17
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