13/12/2017

DUARTE MARQUES

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Raríssimas: 
separar o trigo do joio

O escândalo que veio a público a propósito da IPSS “Raríssimas” tem permitido a alguns atirar pedras ao sector social e às restantes iniciativas privadas de solidariedade social. O problema não é o trabalho que fazem nem o facto de o Estado financiar parte das suas atividades. O problema está nos abusos de alguns dirigentes, nas megalomanias de outros e na falta de fiscalização que cabe ao Estado fazer. O problema não são as “raríssimas”, mas sim a sua Presidente e os corpos dirigentes que pactuaram por omissão ou por conivência.

Neste caso importa de imediato tomar duas medidas: a) investigar e punir quem prevaricou, seja público ou privado; b) garantir que esta associação mantém a sua importante, e competente atividade, apesar da obscena conduta da sua Presidente, ou seja, que os seus utentes não sejam prejudicados pela má conduta dos dirigentes.

As “Raríssimas” são muito mais do que a sua Presidente e de quem dirigentes que pactuou com isto. As Raríssimas são o seu corpo técnico e o know how adquirido, e raro, que a equipa possuirá, são o apoio aos utentes que ali têm encontrado melhores condições para desenvolverem as suas capacidades e para encontrarem mais soluções, se as houver, para os seus problemas.

Importa mesmo muito manter este legado e continuar a apoiar os seus utentes. Importa investigar e punir quem prevaricou, sejam os dirigentes da organização sejam os decisores públicos que foram negligentes.

Mas neste caso que se torna cada vez mais indignante, importa, todavia, conhecer a conduta dos responsáveis públicos envolvidos nesta história e da teia de compadrios que permitiram que tanta coisa passasse incólume debaixo dos seus olhos. Importa questionar:

A Segurança Social cumpriu o seu papel? Deu dinheiro sem se assegurar que ele era bem gasto? Teve acesso aos Relatórios e Contas desta entidade e não desconfiou de nada? Nunca questionou? Aquela Segurança Social que pune instituições a quem falta meio metro quadrado para albergar mais um utente, não deu por nada?

O que fez o Ministro Vieira da Silva após receber estas denúncias que começaram há vários meses? Arquivou? Pediu às entidades competentes para investigar? Tomou as medidas ao seu alcance para saber a verdade e aferir das boas práticas da administração das “raríssimas”? Ou será que calou, fez orelhas moucas ou tentou ocultar?

E será que os constantes reforços de “verbas” do Fundo de Emergência Social foram obtidos por necessidades objetivas da atividade relacionada com os utentes? ou será que se tratou apenas de “oxigénio financeiro” que alguém “diplomaticamente” mandou injetar para amenizar os problemas da instituição e branquear toda a situação?

Também importa, pois, perceber qual a conduta dos membros e corpos dirigentes desta instituição enquanto desempenharam funções. Ninguém pode fazer tanto disparate sozinho. Louve-se os que tiveram a coragem de denunciar.

Se o que veio a público é verdade, o atual Secretário de Estado da Saúde não terá cometido uma ilegalidade, mas sim uma imoralidade. Aceitar 3 mil euros de avença de uma instituição de caridade que apenas pretende apoiar os mais fracos, mesmo que seja legal, revela falta de carácter. Alguém que chega a Secretário de Estado e tem no seu currículo remunerações em associações sem fins lucrativos, na qual não era nem funcionário nem técnico, e onde os recursos financeiros escasseiam, deve merecer a nossa censura.

Alguns têm uma posição ideológica contra os contractos de parceria/cooperação estabelecidos entre o Estado e o privado, sejam IPSS´s, Misericórdias ou ONG´s. É até legítimo pensar assim, mas são apenas preconceitos ideológicos. Não podemos é permitir que pela conduta de alguns, acredito que a minoria, se ponha em causa um modelo de cooperação que já provou permitir levar apoio e melhores condições de vida a milhares de pessoas, doentes ou utentes, que de outro modo não teriam a sua oportunidade de acesso a um lar, a um centro de reabilitação ou a um hospital. Sim, o Estado não consegue acudir a todos.

O que seria dos milhares de idosos portugueses que têm acesso a um lar da 3ª idade gerido por uma IPSS com contratos com o Estado através da Segurança Social se estes não existissem?

Onde estariam os milhares de crianças e jovens que estão hoje em Centros de Reabilitação e Inserção que têm contratos com o Estado? Provavelmente alguns estariam amarrados em casa ou escondidos da sociedade sem qualquer apoio técnico.

Em que filas de hospital estariam os milhares de portugueses que acedem a cuidados de saúde em Misericórdias?

Em que creches e infantários estariam os milhares de crianças que por todo o país encontraram nas IPSS´s e Misericórdias a oferta que o Estado não teve capacidade para oferecer?

O problema não são os contractos do sector privado com o Estado. O problema é a conduta de algumas pessoas que olham o Estado e a Solidariedade social como meio para se servirem, como promoção pessoal e sem escrúpulos. O problema é a ineficiência e a incapacidade fiscalizadora do Estado. O problema é a complacência de muita gente que se envolve nas instituições, mas que não tem capacidade crítica para ver “o que está à frente dos olhos”.

Casos como o da Raríssimas há e haverá por certo mais, mas não confundamos a árvore com a floresta nem nos demitamos das nossas responsabilidades. Nestes momentos é muito importante separar o trigo do joio e felizmente é o tecido social português e o voluntarismo desinteressado da maioria dos portugueses que nos tem permitido enfrentar as dificuldades e as mais recentes tragédias.

IN "EXPRESSO"
12/12/17

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