Bom senso,
esse bem tão escasso
Nem todas as crises políticas se resolveriam com bom-senso, é certo. Mas muitas poderiam ser evitadas... se o mundo fosse dos sensatos.
Com tantas qualidades humanas a serem sobrevalorizadas, é pena que o
bom-senso não esteja entre elas. Na vida, como na política há um sem
número de problemas que seriam evitados se o bom-senso prevalecesse. E
nos últimos tempos há exemplos de sobra.
O par de bofetadas que João Soares prometeu a dois colunistas do PÚBLICO nunca teria resultado em remodelação se o ex-ministro tivesse tido a sensatez de responder e mostrar o seu desagrado sem excessos linguísticos tão gráficos, como dizem os ingleses.
A polémica da concertação social que mais parecia “uma Feira de Gado”,
nas palavras de Augusto Santos Silva, podia não ter passado de uma
conversa privada não fosse dar-se o caso de ter sido proferida num
jantar em que estavam também jornalistas e captada pelo microfone de uma
câmara de televisão. E, neste caso, a falta de bom-senso não foi
exclusiva de uma das partes.
A demissão de Constança Urbano de Sousa não teria sido forçada pelo Presidente da República
se o primeiro-ministro não tivesse privilegiado a sua teimosia em
detrimento da sensatez, qualidade que, afinal, parece não ter abandonado
a ex-ministra.
Outro caso em que a ponderação faltou a António Costa foi o da conferência de imprensa na sede da Autoridade Nacional da Protecção Civil,
na madrugada dos incêndios que deflagraram a 15 de Outubro. O
primeiro-ministro não disse só que situações como aquela voltariam
“seguramente” a repetir-se, como ainda respondeu a uma jornalista que o
questionou sobre “um pacote florestal apressado” com a frase: “Minha
senhora, não me faça rir a esta hora”. Nada sensato, mesmo de madrugada.
Mais exemplos? A interrupção dos velórios por ordem do Ministério Público para levar os corpos de duas das vítimas da legionella
para serem autopsiados. Não teria havido forma de as autoridades
comunicarem umas com as outras, antes de se chegar à fase do funeral, e
assim evitarem o incómodo causado às famílias?
Ou as declarações do ministro da Defesa Nacional sobre o assalto em Tancos que, ao DN e à TSF,
disse: “No limite, pode não ter havido furto nenhum”. Disse-o mesmo
depois de o Presidente da República ter classificado o acontecimento
como grave e de ter dito que “tem de se apurar tudo, de alto a baixo,
até ao fim, doa a quem doer”. Mandaria o bom-senso que o ministro
falasse sobre o assunto para dizer coisas pertinentes, para dar
respostas em vez de deixar perguntas.
Na mesma lógica chega-se ao polémico jantar no Panteão Nacional
que arrastou para o meio de uma tempestade um evento visto como uma
espécie de Primavera no Outono: a Web Summit. Foi António Costa que
trouxe a questão para a arena política ao dizer que a lei é da autoria
do anterior governo. Até aí, era uma polémica a crescer nas redes
sociais. Como virá a perceber-se, a realização de jantares e festas no
monumento onde estão os restos mortais dos heróis portugueses não
aconteceu só no tempo de vida de um governo.
Faz lembrar a
história de um milionário que, de visita a Lisboa, passou pelo Mosteiro
dos Jerónimos e perguntou quanto custava. Há coisas que não se compram
com um cheque. Manda o bom-senso.
O problema da sensatez e da
ponderação é que ninguém segue os sensatos. Não são líderes
entusiasmantes, não movem massas. O povo clama por bom-senso, mas a
verdade é que um político é penalizado quando se excede na prudência. O
risco, a aventura e o arrojo são sobrevalorizados. A sensatez é
confundida com fraqueza, com vulnerabilidade até.
Nem todas as
crises políticas se resolveriam com bom-senso, é certo. Mas muitas
poderiam ser evitadas... se o mundo fosse dos sensatos.
IN "PÚBLICO"
13/11/17
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