Uma campanha que
não leva a lado nenhum
Será que o PSD tem mesmo os militantes que diz que tem, ou a sangria dos últimos anos tornou-o um partido muito mais pequeno do que os falaciosos números oficiais? Será que um elemento importante não seria conhecer, nos últimos 20 anos, o movimento real de entradas e saídas de militantes?
Como se os problemas do PSD não fossem bastantes, a actual campanha
eleitoral não defronta nenhum deles a sério. Porque é que sabendo todos
os militantes, a começar pelos candidatos, dos graves problemas
políticos que tem o partido nenhum fala deles preferindo formulações
vagas e juras de continuidade não se sabe bem a quê? A resposta e
simples: é que a doença ainda é maior do que se podia pensar. E o
possível debate faz-se no meio dos rodriguinhos e dos salamaleques com
que em Portugal se discute qualquer coisa, com as maiores baias
possíveis, e com uma enorme discrepância entre o que se diz em público e
o que se faz na intriga. Esta distância entre o discurso oficial e a
intriga, com prevalência desta, não revela apenas uma hipocrisia
institucionalizada, mas também que os mecanismos do poder interior
dependem muito mais da "contagem de espingardas" do que do
esclarecimento e do convencimento.
Quando
no PSD se precisa urgentemente de levar a sério a discussão sobre o que
se passou nos últimos anos, quer do "ajustamento", quer do pós
-geringonça, tudo se refugia em innuendos, sugestões, quando não
omissões e mesmo mentiras. Parece que a principal obsessão é parecerem
puros e inocentes, como se fosse um crime discordar do curso do partido
que o levou à actual situação, a começar pelo abandono da referência
social-democrática genética, o namoro com o neoliberalismo e a direita, o
crescente caciquismo interior e o seu correlativo carreirismo. Ou nada
disto aconteceu? Vá, convençam-me de que nada disto aconteceu.
Será que o PSD ainda é um partido com o tamanho do passado?
Será que não merece reflexão como um partido como o PSD foi deixado de
herança a esta campanha eleitoral com cerca de 10% dos militantes a
pagarem as quotas, pelos vistos sem qualquer alarme prévio? Será que se
cumprem com rigor as normas que impedem os pagamentos colectivos de
quotas, herança aliás de Rui Rio com a oposição de todo o aparelho, para
impedir o caciquismo e a corrupção do voto? Será que o PSD tem mesmo os
militantes que diz que tem, ou a sangria dos últimos anos tornou -o um
partido muito mais pequeno do que os falaciosos números oficiais? Será
que um elemento importante não seria conhecer, nos últimos 20 anos, o
movimento real de entradas e saídas de militantes? Que partido vai
decidir nestas eleições internas, a meia dúzia de militantes que fazem
parte das estruturas, dos lugares a que o partido ainda tem acesso, seja
de deputados, seja de autarcas, seja nas estruturas do Estado, ou os
militantes que se tem afastado e quando muito mantêm o vínculo do voto?
Na verdade, sempre se podia aprender com o PS no confronto Seguro-Costa e
se não querem que o exemplo seja o do PS com os partidos europeus, em
França, por exemplo, que tem aberto as votações internas aos
simpatizantes não filiados, logo menos atreitos a terem o seu voto, com
um grande sucesso de participação. Num confronto eleitoral que foi
esticado até aos limites do tempo para favorecer Santana Lopes, não
seria possível introduzir uma alteração estatutária com um sistema
aberto de votações a simpatizantes inscritos, para alargar os cadernos
eleitorais de modo a minimizar o controlo aparelhístico? Poder,
podia-se, mas pelos vistos ninguém o quer.
Falar para dentro e falar para fora
Um
bom exemplo das enormes contradições em que ambas as candidaturas caem é
afirmarem ao mesmo tempo que a campanha é para os militantes e é para
dentro, e depois dizerem que o objectivo é encontrarem o melhor
candidato a primeiro -ministro. Ora que eu saiba não é falando para
dentro, para os poucos militantes que ainda são activos, que se percebe
qual é o melhor candidato para ganhar eleições e governar o País. É
exactamente ao contrário. As melhores campanhas internas, como a
paradigmática entre Barroso e Nogueira, foram aquelas que mobilizaram a
opinião pública exterior ao PSD. É o efeito da mobilização de fora, o
reconhecimento em vários sectores da sociedade de que um candidato é
mais capaz do que o outro, que funciona depois por osmose para dentro,
mobilizando os militantes. Num partido político tudo que é só para
dentro de um modo geral é mau. Convém lembrar o congresso albanês que
escolheu Santana Lopes antes das eleições legislativas de 2005, para
depois este ter dado ao PS a sua primeira maioria absoluta.
Sem discutirem o papel do partido no "ajustamento" não vão a lado nenhum
Refugiam-se
os dois candidatos numa diferença entre o Passos Coelho antes das
eleições de 2016, altamente louvável, e depois na oposição, altamente
critícável, o que é uma dicotomia falaciosa. Justiça lhe seja feita, o
Passos Coelho do pior das ideias do "ajustamento" é exactamente o mesmo
do Diabo que devia aparecer há uns meses e não apareceu. Do ponto de
vista político, Passos nunca abandonou os parâmetros da política de
austeridade, nunca defendeu (a não ser nalgumas proclamações eleitorais
em 2015), uma política de recuperação de rendimentos, nunca abandonou a
ideia de que era preciso ir mais longe nos cortes na segurança social e
nas pensões, e exprimiu sempre uma dúvida coerente, embora muitas vezes
contra os factos, de que seria possível uma política alternativa à do
PSD mais a troika. Não há ruptura nenhuma se tudo isto ficar na
ambiguidade.
IN "SÁBADO"
26/11/17
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