Moção de emoções
Na terceira República foram apresentadas
cerca de 29 moções de censura. Uma moção de censura é uma arma
constitucional da oposição. Formalmente, visa derrubar o Governo, apesar
de isso só ter sido conseguido em 1987. Os grupos parlamentares usam as
moções de censura para marcar uma oposição forte a questões que
entendam de relevante interesse nacional, para marcar uma oposição forte
a determinada política. Tudo isto faz parte do jogo. A Constituição
permite o jogo. É por isso normal que seja jogado.
É também
normal que se caracterize cada moção de censura. A moção de censura
apresentada pelo CDS retrata mais o pequeno partido liderado por
Assunção Cristas do que o estado do país em matéria de incêndios.
Assunção
Cristas estabeleceu uma estratégia inteligente no oportunismo. Animada
pelo resultado em Lisboa e pelo desastre em que se encontra o PSD, vendo
na má comunicação de António Costa após o fim de semana fatídico um
modelo por contraste, encarnou a dor nacional.
Para tanto, mudou
de tom de voz. Fala sempre em tom lento e grave, com um evidente e
notável marketing a sustentar a pretensão a líder da oposição, e
transformou a moção de censura num concurso de emoções que quis ver
vencido pelo CDS.
Nas suas intervenções, a promotora da moção de
censura estabeleceu, como boa populista, um nexo de causalidade entre
medidas deste (e só deste Governo) e a morte de mais de cem pessoas.
Fê-lo no tal tom lento e grave, comprometida com a emoção exclusiva, só
dela, apontando o dedo ao primeiro-ministro que não falou – disse,
mentindo – “uma única vez nas vítimas”.
As vítimas. Eis o objeto
da moção de censura. Tal como já tínhamos visto em Nuno Magalhães,
Assunção Cristas tratou de lançar o anátema: quem não vota a favor da
moção de censura não valoriza as mortes. Eis a singularidade desta
iniciativa do CDS: usar a moção de censura para fazer de uma tragédia
humana um trampolim pessoal e partidário.
Acontece que as pessoas mergulhadas num inferno pessoal não são estúpidas.
É
obsceno demais pretender que entre deputadas, deputados e membros do
governo há uns que “sentem” mais do que outros. Os tais do CDS que
venceriam o concurso de emoções. Não vencem.
Não mencionar as vítimas seria terrível.
Fazer
de vítima para conquistar absolvição própria em matéria de
responsabilidades estruturais partilhadas (que fez e que não fez a
ex-ministra Assunção Cristas?) é uma tática que caracteriza o CDS de
Cristas.
O populismo veio para ficar.
Quem não adere à fórmula concentra-se em reparar, construir e reestruturar. Com a certeza da emoção de todos.
* DEPUTADA À ASSEMBLEIA DE REPÚBLICA (PS)
IN "EXPRESSO"
28/10/17
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