25/11/2017

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ESTA SEMANA NA 
"VISÃO"
"Quem quer regular acordos parentais está sempre
 sujeito às interpretações dos magistrados. 
É um totoloto"
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Leia ou releia a entrevista a Sofia Marinho, socióloga e investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Uniram-se, tiveram um filho. Desde a separação, a criança passa uma semana com cada um. Contudo, a residência alternada não está prevista na lei – apesar de 47,5% dos portugueses preferir este modelo ao da criança ficar a viver numa só casa (inquérito Family and Changing Gender Roles, divulgado há três anos), apesar de a maioria dos divórcios ser por mútuo consentimento e apesar de vários estudos demonstrarem a relação positiva entre este modelo e o bem-estar infantil. Razões que levaram sociólogos, juristas e psicólogos nacionais e estrangeiros a abordar o tema em livro. Uma família parental, duas casas (Ed. Sílabo, 266 págs., €17,60), pretende abrir o debate à sociedade civil e “tornar a residência alternada a regra em vez da exceção”. Sofia Marinho, coordenadora científica e primeira autora da obra, defende “políticas públicas dirigidas às famílias pós-divórcio ou pós--separação alinhadas com as que existem para casais com filhos, que desde 2009 investem na igualdade entre homens e mulheres, enquanto pais, e na conciliação entre trabalho e família”. Com a intenção de tornar a presunção jurídica da residência alternada uma realidade, a Associação pela Igualdade Parental e Direitos dos Filhos lançou uma petição online e enviou esta semana à Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa e grupos parlamentares uma lista de recomendações fiscais no âmbito do Orçamento de Estado para 2018 (Proposta de Lei 100/XIII). Isto implicará sensatez e maior disponibilidade dos pais para procederem a ajustes. Mas, na maioria dos casos – haverá sempre exceções – os ganhos compensam.

A lei salvaguarda o exercício conjunto da parentalidade, mas na prática fica maioritariamente a cargo da mãe. Como se muda isso?
A residência alternada deve ser o ponto de partida na regulação das responsabilidades parentais após a dissolução conjugal, tornando o atual regime de residência com a mãe e visitas ao pai uma exceção. O propósito principal deste livro é informar e abrir o debate sobre as realidades de famílias que são praticamente invisíveis em Portugal, que não figuram nas estatísticas oficiais e têm sido pouco estudadas na regulação das responsabilidades parentais. Por isso tomam-se decisões pouco informadas, assentes em estereótipos de género e das relações familiares, que privam as crianças do igual envolvimento da mãe e pai no seu dia a dia.

O que mostram as suas investigações, uma vez que é pioneira neste campo?
Comecei a estudar a residência alternada em 2005. Na tese de doutoramento estudei a construção da paternidade na relação entre pais e filhos e na cooperação entre pai e mãe, na conjugalidade e na residência alternada. Verifiquei que antes de 1995 – ano em foi introduzida a opção pelo “poder paternal conjunto” na lei – já havia casais a pôr em prática a residência alternada por entenderem ser a melhor solução para os filhos e filhas. Todas recusavam o modelo tradicional, do homem provedor de recursos para a família, companheiro de brincadeiras e incompetente a prestar cuidados. No pós doutoramento analisei dados de amostra representativa da população portuguesa em 2014 (inquérito Family and Changing Gender Roles, programa ISSP, 2012). Os resultados mostram a consolidação da mudança de atitudes que se reflete nas preferências da população face à modalidade de residência da criança quando o casal se separa: com a mãe, 22,2%; com o pai 0,4%; com aquele que tiver melhores condições, 30%; ou com os dois, alternadamente, 47,5% (uma semana com um, uma semana com outro).

Qual a melhor forma de distribuir o tempo da criança em cada casa?
Idealmente, a criança deve residir alternadamente com a mãe e com o pai entre 33 a 50% do tempo durante o mês, para beneficiar do envolvimento pleno de ambos em todos os domínios da sua vida. Encontrei formas de alternância muito variadas: quinzenal, semanal, com ou sem pernoitas a meio das semanas com o outro progenitor, de três em três dias, dia sim, dia não... em função das necessidades da criança e da vida profissional dos pais. Nas residências alternadas, em que o tempo é assimétrico, a criança usufrui, no mínimo, de 10 pernoitas mensais, geralmente entre a quinta-feira e a segunda-feira, de 15 em 15 dias. Isto nada tem a ver com os calendários de visitas ao pai, que só está com os filhos entre duas a quatro pernoitas por mês ao fim de semana, ou só ao sábado durante o dia que, independentemente da idade da criança e de situações de violência, negligência ou abuso, é ainda muito aplicado.

O que destaca dos relatos de pais e mães que entrevistou e deixaram de viver juntos?
Os homens não residentes sentem-se privados do direito ao envolvimento parental e à manutenção de laços próximos com as suas crianças. Pela curta duração das visitas, este tempo é encarado como criador de distância e molda experiências de conformidade com um modelo de pai de fim de semana. Alguns referem resistência ou oposição da mãe a que estejam mais tempo com os filhos e filhas. No caso delas, o modelo em vigor tem vantagens – “ter uma relação muito próxima com a criança”, “evitar constantes idas e vindas da criança”, “não ter de conviver com o pai com frequência”, “não ter de pedir opiniões ao pai” – mas também desvantagens, como responsabilidade acrescida e afastamento do outro progenitor.

Há autores que defendem a residência alternada só após os três anos, quando os pais se dão bem, vivem perto e têm outros apoios. Concorda?
Os resultados de estudos internacionais representativos mostram que não é isso que acontece: menores que viviam, desde cedo, em regime de residência alternada tinham melhores indicadores de bem-estar emocional do que as que cresciam com o modelo de residência única. As entrevistas refletem isso: crianças muito pequenas passavam um dia com um, um dia com outro, os progenitores alternavam-se no levar à escola e trazer, aumentando o tempo de permanência à medida que a criança ia ganhando noção do tempo. A maior parte dos pais são bastante cuidadosos com os filhos e, mesmo não sendo muito dialogantes, quando há necessidade de falar, falam. A alternância é sempre feita em função das necessidades da criança e da família.

A residência alternada é praticável, em termos logísticos e até fiscais?
É, em termos logísticos e relacionais, mesmo em aspetos sensíveis como a partilha de custos educativos. Dou--lhe o exemplo de uma família que partilhava os custos fixos (escola, atividades) usando, para os restantes, um documento em excel, a que acedia via dropbox, e onde eram colocados os custos que cada um tinha com a criança. Avaliavam se os gastos estavam a ser devidamente divididos e evitavam discordâncias. Atualmente já é possível apresentar estas despesas em ambas as declarações de rendimentos. E mesmo nas residências alternadas a pensão de alimentos pode fazer sentido, em caso de disparidades entre níveis de vida ou quando a criança passa mais tempo numa das residências.

A magistratura, ou os tribunais, são sensíveis a estes pedidos?
Entre juízes, não há um acordo quando à legalidade da residência alternada. Nas conservatórias ou nos tribunais, quem quer regular acordos parentais está sempre sujeito às interpretações dos magistrados do “interesse superior da criança”, sendo que muitos têm visões estereotipadas e desajustadas das dinâmicas parentais. É um totoloto.

E se um adolescente quiser mudar a regra? Dar-lhe legitimidade pode ser fonte de conflitos?
O ponto de partida é o direito aos filhos poderem crescer com dois pais presentes. Numa das entrevistas para a minha investigação e que posso dar como exemplo, o pai de uma jovem 15 anos explicou-me que ele e a mãe raramente se falavam, tinham assuntos entre eles por resolver, mas isso não impediu que se reorganizassem e mudassem as regras de alternância sem problemas.

Estou a pensar no caso de um dos pais ir morar longe, por razões pessoais ou profissionais. E na preferência dos filhos em habitar numa só casa.
Se a distância for um problema, a solução encontrada deve ter em conta o máximo tempo possível da criança com o progenitor não residente. E nunca a regra das duas noites por mês, caminho certo para os afastar ou cortar os laços existentes. Numa determinada etapa do seu desenvolvimento, os filhos podem dizer que não querem mais esse modelo e os pais vão ter de aceitar.

Qual o segredo de uma família que vive em duas casas: distribuição equitativa de tempo, de espaço e flexibilidade parental?
Sim. Mas também é preciso perceber que o exercício da responsabilidade parental, tal como na conjugalidade, refere-se a um conjunto de práticas que competem a ambos: educar, cuidar, levar à escola, dar banho, contar uma história na hora de deitar, dar afeto. Isto só é possível se a criança viver com os dois.

Ex casais que não se dão – porque ainda têm muitas mágoas por sarar – estão preparados para o maior grau de envolvimento que isto implica?
No regime atual, se cumprirem a lei, mãe e pai também têm de comunicar um com o outro. E comunicam. Aliás, o peso da comunicação semanal entre eles tende a ser semelhante nos dois regimes. Isto só não acontece se um dos progenitores foi completamente afastado da criança.

Mas isso nem sempre acontece. Os processos de incumprimento superam os 10 mil (dados do Census 2011) e arrastam-se durante anos.
Trata-se de uma realidade em grande parte alimentada pelo atual regime. Enquanto se der a um dos progenitores o poder de excluir o outro da vida dos filhos e privilégios de género na relação com os filhos e filhas será muito difícil acabar com esta situação. Por outro lado, é preciso criar e alargar serviços de apoio públicos para pais e mães em processo de separação, de forma a ajudá-los a focarem-se nas necessidades das suas crianças e não nas suas mágoas.

Não é raro ouvir desabafos do tipo “coitadas das crianças, sempre a carregar a mochila, com a casa às costas”.
É um mito. Para a criança, o que conta são os núcleos de afeto, é aí que estão as suas casas. Andam com a mochila às costas para irem à escola, às atividades extracurriculares ou quando os pais, casados ou em união de facto, os deixam com os avós, ou porque trabalham por turnos ou vão para fora. Sim, a residência alternada também acontece com os avós. Com os filhos de pais separados não é assim tão diferente e muitos têm coisas na casa de cada um dos pais, não chegando a precisar de andar com a casa às costas.

Em Portugal, aceita-se com bons olhos o chamado ‘birds nest’, ou seja, os filhos ficam na casa de família e os pais é que rodam no “ninho”, temporariamente, até terem cada um uma casa?
Deve ser dada liberdade às pessoas para apreciarem e decidirem o que funciona melhor para elas. Tenho conhecimento de algumas situações, adotadas por uma minoria, mas que não têm legitimidade legal. Tal como a repartição igualitária do tempo, ainda por reconhecer juridicamente.

O que pode adiantar sobre o seu mais recente trabalho, publicado este ano no Journal of Divorce and Remarriage?
Estamos num processo de mudança em que modelos tradicionais de maternidade e de paternidade convivem de forma tensa com novos modelos, que não são aceites pela atual Lei do Divórcio, embora promovidos pelas políticas de família dirigidas aos casais com filhos, que fomentam valores de igualdade. O regime de residência única e pernoitas na casa do progenitor não residente (ou de “fim de semana”) decorre do modelo de divisão do trabalho social do homem ganha-pão e da mulher cuidadora e doméstica, que está em claro declínio. O regime de residência alternada nasce do modelo de duplo emprego e duplo cuidar, predominante nos casais portugueses. A lei que temos cria obstáculos aos novos modelos e gera tensões na vida das famílias que os querem pôr em prática, na conjugalidade e depois dela.

* Os filhos são produto do espermatozóide aventureiro e do óvulo anfitrião, não pediram para nascer, não lhes forniquem o juízo!

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