Partidos e representação política
Os partidos políticos são a componente
essencial da democracia representativa. Para disputar o poder de
governar a sociedade e o Estado, organizam-se à volta de ideias,
projectos e interesses, com os quais disputam a representação dos
cidadãos.
Há basicamente dois tipos de
partidos. Os de base mais ideológica ou programática, que privilegiam a
consistência de ideias e projectos e asseguram representações mais
estreitas e coesas; e aqueles em que as ideias e os projectos são mais
difusos e que procuram obter uma representação política de largo
espectro (social e ideológico) que lhes assegure o mais fácil acesso ao
poder do Estado. A predominância dos primeiros resulta na predominância
de governos de coligação, enquanto a dos segundos favorece a formação de
maiorias mono-partidárias.
O
marxismo-leninismo, tendo perfeita consciência desta dualidade, percebe
que a prossecução dos seus desígnios requer uma direcção forte e
ideologicamente muito circunscrita, mas que, enquanto a sua acção se
desenrola no seio de uma "democracia burguesa", precisa de obter a
mobilização voluntária do maior número possível dos cidadãos (que se não
consegue com estreiteza ideológica). Desenvolveu, por isso, a doutrina
do partido e da associada frente popular. O partido lidera
ideologicamente, assente numa apertada organização, mas a disputa de
eleições e das movimentações sociais é assegurada por uma frente mais
ampla, ideologicamente mais fluida e dócil.
Quem
viveu o período de 1974/75 lembrar-se-á certamente de que todos os
partidos que se reclamavam do marxismo-leninismo tinham associada uma
frente "popular", e que só esta, e nunca o partido, se apresenta a
eleições: o PCP(R) tinha a UDP, o PCP-ML a AOC e o PCP tem tido a FEPU, a
APU e a CDU.
O actual sistema
partidário tem os dois tipos de partido atrás referidos. O PSD e o PS
são fundamentalmente partidos interclassistas, de larga representação
social e com ideologias difusas e parcialmente sobrepostas. O primeiro
entre o centro e a direita moderada, o segundo entre o centro e a
esquerda moderada. O CDS e o PCP (tirada a capa eleitoral), por outro
lado, asseguram representações mais circunscritas e consistentes, o
primeiro de quadros, classe média e média alta, o segundo de classes
média e média baixa, composta sobretudo por trabalhadores por conta de
outrem. O BE, a mais recente entrada no leque de partidos com
representação parlamentar, também é de definição social e ideológica
mais circunscrita e consistente, embora com interessantes inovações que
não cabe aqui desenvolver.
O centro -
fundamental para a formação de maiorias - é, portanto, disputado por
dois partidos de largo espectro e que, em grande medida, se sobrepõem
ideológica e socialmente (até na semelhança das designações). São, por
isso, os dois partidos que têm alternado no governo, ora sozinhos ora
liderando coligações.
Até às eleições
de 2015, o leque de coligações possíveis era relativamente limitado,
dada a informal delimitação do "arco da governação", que excluía deste
os dois partidos da ponta esquerda eleitoral.
Essa
delimitação, "anulando" governativamente a extrema-esquerda eleitoral,
realinhava o centro governativo com o centro político, perante um
eleitorado cuja "distribuição natural" é enviesada à esquerda (o seu
centro está à esquerda do centro político, como mostram recorrentes
maiorias eleitorais de esquerda). O PS, nessas condições, era
constrangido a aliciar o eleitorado do centro-direita e a governar mais
ao centro, se quisesse assegurar representação suficiente para alcançar
as rédeas do governo.
O apagamento
formal daquela delimitação, com a formação da chamada "geringonça" e a
inclusão da ponta esquerda eleitoral no "arco da governação", realinhou o
centro governativo com o centro eleitoral, desviando-o para a esquerda
do centro político. E o PS, quebrado o tabu das alianças à sua esquerda,
aumentou significativamente as condições para ser governo em diversas
circunstâncias, pelo que tenderá a recentrar a sua governação também
mais à esquerda.
O que deixa ao PSD um
dilema: ou pretende manter-se como partido de largo espectro e nesse
caso terá de ir disputar eleitorado mais à esquerda do que lhe era
habitual (para encurtar o espaço do PS); ou se assume como um polo
alternativo ao PS, ideologicamente diferenciado, promovendo uma
bipolarização do regime (a que "apela" a alteração de natureza provocada
pela abertura governativa à esquerda), e arriscando estreitar a sua
representação eleitoral.
No primeiro
caso, terá de governar mais à esquerda, fazendo jus ao epíteto
social-democrata, acabando por se tornar um segundo partido de
centro-esquerda (que não vejo como se poderá manter no PPE) e abrir
espaço ao aparecimento de um novo partido à sua direita mais
circunscrito ideologicamente. No segundo caso, rarefará as
possibilidades (mais imediatas) de ser governo, mas poderá ajudar, com o
tempo e a persistência de uma proposta política diferenciada da do PS, a
realinhar a distribuição do eleitorado mais ao centro político (como é
normal no resto da Europa). A escolha não será fácil e a base de
dependentes do Estado é demasiado grande para encorajar experiências
programáticas mais liberalizantes e menos estatizantes.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
06/10/17
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