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Os lugares de Portugal
onde a comida saudável
ainda é proibida
Poderíamos começar pelas
nossas praias concessionadas, com diversos serviços que nos ajudam em
tempo estival, mas onde não existem muitas vezes simples bebedouros
públicos, obrigando a comprar água para matar a sede e inundar o nosso
planeta de plástico
Portugal
e a Europa atravessam novos tempos em termos de saúde e o sistema urge
em se modificar. O colapso económico deste modelo é eminente pois está
baseado no tratamento, cada vez mais caro de doenças crónicas, em
populações cada vez mais idosas, cada vez mais doentes e menos
produtivas contributivamente para alimentar o próprio sistema.
Não
tem muito para saber e só é estranho que a discussão mediática seja
habitualmente em torno dos direitos dos trabalhadores da saúde e pouco
em torno da mudança necessária e radical de um sistema que já não tem
capacidade para os pagar (e que deveria ter capacidade para o fazer).
Centrando-me
na área alimentar e que melhor conheço, os números são fortes. Sabemos
hoje que mais de 23% de todas as mortes no espaço europeu podem ser
atribuídas a hábitos alimentares inadequados. Cinco dos dez principais
determinantes de anos de vida saudável perdidos pelos europeus estão
relacionados com hábitos alimentares. Estima-se que 15 milhões de anos
de vida perdidos anualmente se devam, na Europa, a hábitos alimentares
inadequados. Estima-se que 7% de perdas no Produto Interno Bruto dos
países membros, em média, se deva à obesidade. 1 em cada 3 crianças com
onze anos no espaço europeu tem excesso de peso.
Em
Portugal o panorama não é diferente e até se agrava em alguns casos,
pois somos o país da Europa com maior crescimento e prevalência de
Diabetes (1 em cada 10) e onde o Acidente Vascular Cerebral (AVC) está
significativamente acima da média europeia, alterando drasticamente a
vida de milhares de famílias portuguesas por ano e onde o consumo
excessivo de sal é uma das suas marcas (44% da população é hipertensa).
Face
a estes números, particularmente graves na doença cerebrovascular, pois
cerca de 35 mil portugueses morrem anualmente por doenças
cardiovasculares (que continuam a ser a principal causa de morte entre
nós) sabemos hoje que metade desta mortalidade pode ser atribuída a
causas alimentares.
Existe, portanto,
um forte consenso no mundo científico para se trabalhar prioritariamente
na alteração do panorama alimentar no espaço europeu, promovendo
ambientes saudáveis do ponto de vista da alimentação e da promoção da
atividade física. Apesar disto, o sistema nada muda continuando a Europa
a gastar, em média, 97% dos seus orçamentos de saúde em tratamento e
apenas 3% em prevenção e promoção de ambientes saudáveis, sendo que a
promoção de hábitos alimentares saudáveis deve rondar valores pouco
acima do zero em muitos países europeus. Do outro lado, está um sector
muito forte e altamente capacitado, com orçamento quase ilimitado para
promover os alimentos que bem entender e, acima de tudo, para promover
um ritmo de mudança em função da capacidade de nada perder com a
mudança.
O diagnóstico está feito e os
métodos para alterar este panorama estão cada vez mais consensualizados
em torno da necessidade de facilitar as escolhas alimentares mais
saudáveis ao cidadão, deixando-lhe a liberdade para fazer outras, se
assim e em consciência o entender. Isto significa abandonar a
centralidade do paradigma da educação do consumidor (que continua a ser
muito importante) e trabalhar na construção de ambientes diários nos
locais onde vivemos (casa, trabalho, tempos livres…) que sejam
facilitadores de uma alimentação saudável. Neste aspeto, as políticas
promotoras de saúde tendem a abandonar, em parte, o espaço tradicional
da saúde (hospitais, centros de saúde…) e deslocam-se cada vez mais para
as autarquias, para os locais de trabalho, para os locais de lazer e
para a própria casa de cada um, obrigando a novas responsabilidades de
todos. Estaremos preparados para isto? Ainda não. E o sistema de saúde
está preparado para esta mudança? Menos ainda.
Para
ilustrar esta situação centremo-nos por minutos nos nossos locais
públicos. Quem viaja pelos locais públicos do nosso país, arrisca por
vezes, a entrar em lugares onde a comida saudável parece estar proibida.
São muitas vezes locais onde é necessária uma autorização do Estado
para estarem abertos e a prestar serviços de diversa ordem. Prestam-se
assim todos os serviços, exceto e em muitos casos, serviços de promoção
da saúde. Poderíamos começar pelas nossas praias concessionadas, com
diversos serviços que nos ajudam em tempo estival, mas onde não existem
muitas vezes simples bebedouros públicos, obrigando a comprar água para
matar a sede e inundar o nosso planeta de plástico. Ou o que dizer dos
nossos transportes públicos. Que se saiba não existem, ou são raros, os
bebedouros de água nas estações de metro de Lisboa e Porto, existindo,
contudo, diversas máquinas de venda automática onde os refrigerantes
custam pouco mais do que a água engarrafada. O mesmo poderemos dizer de
diversos recintos desportivos municipais, promotores de desporto, mas
“despromotores” da alimentação saudável onde encontrar um refrigerante e
um folhado é mais fácil e barato do que encontrar um sumo natural ou
uma peça de fruta. Ou ainda dos nossos cinemas e centros comerciais onde
impera a bebida embalada, o chocolate, a pipoca doce e similares. E
poderíamos continuar não esquecendo as universidades públicas, locais
onde o estado paga para formar intelectualmente toda uma geração de
portugueses, mas onde abunda o lixo alimentar e onde estão praticamente
ausentes as políticas sérias de promoção de uma alimentação saudável e
valorização cultural do nosso património alimentar mediterrânico. A
lista seria muito longa e significa ainda o longo caminho que temos de
percorrer, mas passo a passo e sem hesitar começou a acontecer alguma
coisa em Portugal nesta área nos últimos tempos. Não podemos é parar
agora.
* Pedro Graça é Diretor do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, da Direcção Geral da Saúde. É doutorado em Nutrição Humana pela Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) onde é professor associado.
É membro do Conselho Científico da ASAE e ponto focal português da OMS e Comissão Europeia na área da alimentação.
IN "VISÃO"
10/10/17
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