31/10/2017

EKER SOMMER

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Ligações perigosas

Qual ideologia social-democrata? Qual quase meio século de Autonomia? Qual quê? O que interessa agora é o poder

Um amigo confessou-me em tempos que o poder era inebriante. Segredou-mo poucos dias depois de, à conta da sua ligação a uma candidatura vencedora das autárquicas 2013, ter começado ele próprio a sentir os efeitos colaterais dessa vitória. Tornara-se, a bem dizer, alvo de deliciosos assédios que lhe mostravam o quanto vale estar associado à política numa terra em que quem tem olho é rei. Lembro-me, na verdade, de apenas ter percebido a profundidade do seu desabafo quando, nesse mesmo ano, constatei, incrédula, que ninguém está imune à sedução de querer mandar. Nem os partidos nem os pretensos movimentos de cidadãos que, após sentirem a magia do empoderamento, se tornaram, também eles, partidos para garantirem um lugar ao sol à custa da demagogia e da impunidade fatalmente subjacentes ao poder. Por isso, a política enoja-me. Venha do quadrante que vier. Longe vão os tempos de idealismo romântico em que acreditava que o mal da política radicava na cor partidária. Nada disso! A política é o mal que, embora necessário, habita entre nós, sociedade, urdindo conspirações de alcova e ligações perigosas que também nós, enquanto eleitores, ajudamos a eternizar na ingénua credulidade de que o poder não corrompe.

Se dúvidas ainda houvesse quanto a isto, um olhar mais demorado pela narrativa das remodelações governativas pós Jardim dissipá-las-ia. Com efeito, a dança de cadeiras que começou com a infida dispensa de Manuel Brito, acérrimo defensor da então alternativa Miguel Albuquerque, e culminou, para já, com as de Eduardo Jesus e afins deixa a nu que tudo em política se resume a jogos de interesses entre quem tem o poder e quem tem o dinheiro. Ninguém mais. Lealdade é uma palavra vã nestas lides pois o que, efetivamente, interessa é manter inquebrantável a teia de reciprocidades em que ora te ajudo eu, ora me ajudas tu. O resto logo se vê.

Não admira, assim, que um colaborador cessante de um grupo económico que deve o seu crescimento e a sua afirmação à era jardinista surja agora como o governante que, direta ou indiretamente, fez rolar cabeças que ainda não tinham tempo para dever favores a ninguém. Pedro Calado, intuímo-lo todos, está talhado para grandes voos. Ninguém, de facto, acreditou que, depois do entra não entra na composição inaugural do presente governo, o atual vice-presidente desse por finda a sua caminhada na política. Bem pelo contrário. O número dois de Albuquerque, sabedor do espírito madraço do seu “chefe”, preferiu resguardar-se à espera de uma visão. E teve-a, regressando agora, qual D. Sebastião, para orientar uma nau sem rumo que naufragou nas últimas autárquicas e que só aparentemente perdeu o seu verdadeiro timoneiro. Este, o timoneiro, exímio animal político, há muito que espera, em surdina, dar de beber do próprio veneno a quem outrora o traiu e, por isso, aposta na ascensão de Calado. Nele vê também um hipotético gestor de sucesso da massa falida do partido que criou, o PSD/M, cuja insolvência se deu desde que foi tomado pelas facções que ele próprio, o timoneiro, paradoxalmente ou não, concebeu, acabando por transformar a menina dos seus olhos numa plataforma de interesses. Qual ideologia social-democrata? Qual quase meio século de Autonomia? Qual quê? O que interessa agora é o poder. Mais dois anos e, quiçá, Albuquerque vá de férias, desta feita não por lazer.

Em política nada acontece por acaso. Cobram-se favores nos momentos certos (as almoçaradas são o espaço propício para isso), tiram-se dividendos, urdem-se novelas à mexicana, gera-se o alvoroço e, nos entretantos, a caravana passa tranquila, incólume, rindo-se de todos nós. Porque, no final, os interesses estão preservados. Agora o favor foi ao poder político. Logo o será ao económico. Estaremos aqui para testemunhá-lo e comprovar as palavras daquele meu amigo. O poder é inebriante. Tão, mas tão inebriante.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
28/10/17

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