Ligações perigosas
Qual ideologia social-democrata? Qual quase meio século de Autonomia? Qual quê? O que interessa agora é o poder
Um
amigo confessou-me em tempos que o poder era inebriante. Segredou-mo
poucos dias depois de, à conta da sua ligação a uma candidatura
vencedora das autárquicas 2013, ter começado ele próprio a sentir os
efeitos colaterais dessa vitória. Tornara-se, a bem dizer, alvo de
deliciosos assédios que lhe mostravam o quanto vale estar associado à
política numa terra em que quem tem olho é rei. Lembro-me, na verdade,
de apenas ter percebido a profundidade do seu desabafo quando, nesse
mesmo ano, constatei, incrédula, que ninguém está imune à sedução de
querer mandar. Nem os partidos nem os pretensos movimentos de cidadãos
que, após sentirem a magia do empoderamento, se tornaram, também eles,
partidos para garantirem um lugar ao sol à custa da demagogia e da
impunidade fatalmente subjacentes ao poder. Por isso, a política
enoja-me. Venha do quadrante que vier. Longe vão os tempos de idealismo
romântico em que acreditava que o mal da política radicava na cor
partidária. Nada disso! A política é o mal que, embora necessário,
habita entre nós, sociedade, urdindo conspirações de alcova e ligações
perigosas que também nós, enquanto eleitores, ajudamos a eternizar na
ingénua credulidade de que o poder não corrompe.
Se dúvidas ainda
houvesse quanto a isto, um olhar mais demorado pela narrativa das
remodelações governativas pós Jardim dissipá-las-ia. Com efeito, a dança
de cadeiras que começou com a infida dispensa de Manuel Brito, acérrimo
defensor da então alternativa Miguel Albuquerque, e culminou, para já,
com as de Eduardo Jesus e afins deixa a nu que tudo em política se
resume a jogos de interesses entre quem tem o poder e quem tem o
dinheiro. Ninguém mais. Lealdade é uma palavra vã nestas lides pois o
que, efetivamente, interessa é manter inquebrantável a teia de
reciprocidades em que ora te ajudo eu, ora me ajudas tu. O resto logo se
vê.
Não admira, assim, que um colaborador cessante de um grupo
económico que deve o seu crescimento e a sua afirmação à era jardinista
surja agora como o governante que, direta ou indiretamente, fez rolar
cabeças que ainda não tinham tempo para dever favores a ninguém. Pedro
Calado, intuímo-lo todos, está talhado para grandes voos. Ninguém, de
facto, acreditou que, depois do entra não entra na composição inaugural
do presente governo, o atual vice-presidente desse por finda a sua
caminhada na política. Bem pelo contrário. O número dois de Albuquerque,
sabedor do espírito madraço do seu “chefe”, preferiu resguardar-se à
espera de uma visão. E teve-a, regressando agora, qual D. Sebastião,
para orientar uma nau sem rumo que naufragou nas últimas autárquicas e
que só aparentemente perdeu o seu verdadeiro timoneiro. Este, o
timoneiro, exímio animal político, há muito que espera, em surdina, dar
de beber do próprio veneno a quem outrora o traiu e, por isso, aposta na
ascensão de Calado. Nele vê também um hipotético gestor de sucesso da
massa falida do partido que criou, o PSD/M, cuja insolvência se deu
desde que foi tomado pelas facções que ele próprio, o timoneiro,
paradoxalmente ou não, concebeu, acabando por transformar a menina dos
seus olhos numa plataforma de interesses. Qual ideologia
social-democrata? Qual quase meio século de Autonomia? Qual quê? O que
interessa agora é o poder. Mais dois anos e, quiçá, Albuquerque vá de
férias, desta feita não por lazer.
Em política nada acontece por
acaso. Cobram-se favores nos momentos certos (as almoçaradas são o
espaço propício para isso), tiram-se dividendos, urdem-se novelas à
mexicana, gera-se o alvoroço e, nos entretantos, a caravana passa
tranquila, incólume, rindo-se de todos nós. Porque, no final, os
interesses estão preservados. Agora o favor foi ao poder político. Logo o
será ao económico. Estaremos aqui para testemunhá-lo e comprovar as
palavras daquele meu amigo. O poder é inebriante. Tão, mas tão
inebriante.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
28/10/17
.
Sem comentários:
Enviar um comentário