15/10/2017

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Senso d'hoje
MARGARIDA ALVES  
DOENTE COM CANCRO 
CORAJOSA 
"Não sei o que me vai acontecer.
Não vou massacrar-me de que
o fim está próximo”



Em Agosto de 2004, Margarida Alves, na altura com 40 anos, estava particularmente feliz. Ia de férias com a família e tinha sido promovida. De repente, de um momento para o outro, tudo mudou.
"Fui fazer uma mamografia de rotina e apareceu uma coisinha muito pequenina com três milímetros e foi aí que eu soube que tinha cancro da mama. Estava praticamente de férias, ia estar com a minha família, pela primeira vez, por três semanas e estava feliz.

Foi um choque muito grande. Saí da clínica e durante três horas andei a conduzir por Lisboa a chorar. Lembro-me perfeitamente de que as pessoas olhavam para mim nos semáforos e deviam estar a pensar: ‘Coitada, ou se separou ou o marido pediu o divórcio.

Foi muito difícil aceitar que estava doente. Tive receio que a minha vida nunca mais seria a mesma. O meu marido, o meu irmão e os meus pais ficaram incrédulos, deram-me todo o seu apoio, mas ninguém estava ciente do que era ter um cancro da mama. A única coisa que sabia na altura é que tinha de ser operada.

Fui operada no dia 7 de Setembro de 2004. Retiraram o nódulo, um carcinoma encapsulado que já tinha crescido um centímetro, e fizeram um esvaziamento axilar [remoção dos gânglios linfáticos].
Durante o mês seguinte fiz radioterapia e tomei o tamoxifen [ medicamento que trata e previne o cancro da mama] durante cinco anos.

Empresas não recebem bem os trabalhadores com cancro
No início, na empresa onde trabalhava como gestora de produto deram-me todo o apoio. Mas quando regressei ao escritório o cargo de chefia que me tinham oferecido já estava ocupado.

Foi muito difícil fazer o tratamento enquanto trabalhava. A radioterapia demorava muitas horas, porque tinha de esperar pela minha vez, e tive de fazer a radioterapia à noite. Trabalhava até às 20h00, 21h00 e, quando as auxiliares da clínica me ligavam a avisar de que estava quase a chegar a minha vez, saia do escritório.

Rapidamente o começar devagar e com calma prometido na empresa passou para ‘estamos com um projecto muito apertado’. As empresas não são flexíveis para aquilo que as pessoas com cancro precisam.

Festejar o segundo aniversário
Eu queria que o tratamento fosse muito rápido. Fazia tudo o que me pediam, punha pomada, mas um dia cheguei a casa e tinha o peito em sangue. Fui obrigada a parar o tratamento durante uma semana.
Ao fim de cinco anos recebi alta. Achei que era uma mulher livre de cancro, igual a qualquer outra pessoa. Poderia ter outro cancro noutro sítio qualquer, mas ali já não teria nada.

O regresso do cancro
Durante vários anos festejei a data da operação como um segundo aniversário - até ao dia em que soube que tinha seis metástases ósseas.
Foi pior saber que tinha metástases do que saber que tinha cancro da mama. Soube no Verão de 2012, um dia depois do meu aniversário e passei a noite a chorar.
Foi a primeira vez que tive um marcador positivo nas análises. Entrei em pânico, não sabia o que fazer e o médico estava convencido que era um falso positivo.
Fiz vários exames até descobrir as metástases e comecei a quimioterapia no dia seguinte. Foi um Verão muito complicado. O meu marido, Fernando, reagiu muito mal. Alheou-se de tudo, não sabia como lidar com a doença. Mas tornou-se no meu maior apoio e conforto.
Dessa vez, não contei à minha família. Achei que era demasiado duro. Os meus pais tinham problemas de insuficiência cardíaca e resolvi protege-los. Não foi fácil, porque protege-los significou perder o seu suporte. Mas agora sabem de tudo. 

Cancro afastou os amigos 
Achei que o diagnóstico era uma sentença de morte. Mas mudei de ideias. Lembro-me que perguntei apenas uma vez quanto tempo tinha de vida. Foi em Outubro de 2012, quando detectaram vários micronódulos na pleura [pulmões], que acabaram por não ser malignos.
Nesse dia, fazia anos de casada, e o médico chamou o meu marido que estava na sala de espera do Centro Clínico Champalimaud. ‘A sua mulher perguntou-me quanto tempo tem de vida e eu não tenho uma boa notícia para si, é que eu não sei.’
Na altura, a Dra. Fátima Cardoso disse-me que cada pessoa reagia de forma diferente ao tratamento. Podia desistir ou então pensar que era mais forte e que seria capaz de acabar com a doença. Foi isso que fiz.
Acredito que nós temos força para ir mais além e acredito que as coisas não terão o desfecho pior. Ao fim de um ano as metástases desapareceram.

O tratamento implicou entrar na menopausa e fiz tratamento aos ósseos. Mas não perdi o cabelo, nem tive as más disposições comuns. Em 2015, com a quimioterapia oral, até engordei dez quilos. Estava sempre cheia de fome.

Mas o cancro trouxe outras mudanças – muitos amigos desapareceram. Não souberam lidar com o que me estava a acontecer. Acho que têm medo e não sabem o que hão-de dizer.

Uma colega pediu-me desculpas por ter deixado de ligar por essa mesma razão. Eu disse-lhe: ‘dizes o que costumas dizer a toda a gente, olá, estás bem, como tem sido a tua vida …

Até o meu melhor amigo deixou-me de falar durante quatro meses. Quando melhorei, voltou, pediu desculpas e disse que não tinha conseguido encarar a possibilidade de me acontecer algo de mau.

Aceitar o cancro e viver apesar dele
Entretanto, as metástases voltaram a surgir dois anos mais tarde, desapareceram outra vez, ressurgiram e estão em processo de ser erradicadas.

Todos os dias lembro-me que tenho cancro, mas a minha vida não se reduz a isso. Estou a fazer um curso de naturopatia, fiz teatro durante dez anos, tirei um curso de jóias e fiz um ateliê de chapéus. Agora estou a aprender pergamano, que é trabalhar o papel como renda.

É uma boa ideia ter outros interesses que nos distraiam dos pensamentos mais negativos. Tenho tanto que estudar que não tenho tempo para pensar no que me vai acontecer ou não.

Não sei o que me vai acontecer. Mas não posso estar a massacrar-me de que o fim está perto. Não estou preocupada com o que me vai acontecer daqui a seis meses, nem daqui por dois anos. Acho que sou demasiado nova para estar a fazer planos negativos.

Muitas vezes perguntam-se como consigo sair de casa. Respondo sempre da mesma forma: ‘Eu tenho cancro, mas há muita gente que não tem cancro e não sai de uma cadeira de rodas.’
É preciso aceitar a doença, respeitá-la e viver com cancro, apesar dele."

FONTE: "SÁBADO"

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