O retrato fatal de Portugal
Do
analfabetismo da quase totalidade da população, passámos à iliteracia
digital, ao elevado abandono escolar no secundário e à escassez de
pessoas com mais do que o secundário.
Será
que os portugueses têm noção do atraso que o país apresenta quanto à
quantidade e qualidade de pessoas com competências e capacidades
necessárias a uma economia desenvolvida, industrializada, digitalizada?
Provavelmente muitos não saberão que, no que respeita ao fundamental e
decisivo capital humano digital, estamos no limiar inferior da tabela.
O
retrato fatal de Portugal é dado por estatísticas sobre educação e
competências digitais. É na deficiente preparação em quantidade de
capital humano com competências STEM (ciência, tecnologia, engenharia e
matemática) que reside a grande debilidade estrutural do país. De 1970
até hoje muita coisa mudou, em particular no ensino universitário e
politécnico, mas muitos outros países mudaram muito mais e Portugal
ficou, comparativamente, sempre pior. Cem anos depois da revolução
republicana e 43 depois da restauração da democracia, estamos
relativamente na mesma. Ainda hoje há cerca de 500 mil iletrados, dos
quais 130 mil com menos de 65 anos. Mas, do analfabetismo da quase
totalidade da população, passámos à iliteracia digital, ao elevado
abandono escolar no secundário e à escassez de pessoas com mais do que o
secundário.
Há ainda poucos portugueses com educação pós
secundária. Segundo a OCDE (2017), 30% dos portugueses têm menos do que
educação secundária, um número igual ao da Colômbia e Arábia Saudita mas
abaixo do Brasil. Mais grave ainda: apenas cerca de 35% da população
tem educação pós secundária (universitária, politécnica, vocacional). No
topo da tabela está a Coreia com cerca de 70, enquanto a média da UE22 é
de um pouco mais de 40%.
O DESI
(Digital Economy and Society Index) é um índice da UE no âmbito do
Europe’s Digital Progress Report 2017 composto de cinco dimensões: conectividade (redes de banda larga, velocidades, preços); capital humano (competências básicas e uso da internet, competências avançadas e desenvolvimento); utilização da internet (uso da internet pelos cidadãos, comunicação e transações online); integração da tecnologia digital (digitalização dos negócios e e-commerce); e serviços públicos digitais (e-Governo).
No ranking
de 2017, Portugal apresenta o índice de cerca 0,52, ligeiramente acima
do meio da tabela e da média UE e logo abaixo de Espanha. O topo é
ocupado pela Dinamarca, Finlândia, Suécia e Holanda, todos com cerca de
0,70. A base é ocupada pela Bulgária e Roménia com menos de 0,40. Ou
seja, estamos mais perto da base do que do topo. Assinale-se que Itália
tem apenas pouco mais de 0,40, o que talvez ajude a explicar as
respetivas dificuldades orçamentais e de défice.
Na constituição do índice de Portugal pesam positivamente a dimensão conectividade e a dimensão e-Governo. O problema de Portugal está nas outras três dimensões e que são fundamentais: capital humano, uso de internet e integração do digital.
A dimensão capital humano tem duas subdimensões: competências básicas e competências avançadas e desenvolvimento. A primeira subdimensão inclui indicadores no uso de internet pelos indivíduos e competências digitais, ou seja, pessoas com, pelo menos, competências básicas no indicador competências digitais. A segunda subdimensão inclui emprego de especialistas em TIC e pessoas com cursos pós-secundário em STEM.
Em 2016, a Finlândia, Reino Unido e Suécia estavam à frente em ambas as
subdimensões (cerca de 70%). Roménia, Bulgária, Grécia e Chipre
ocupavam os últimos lugares (inferior a 40%). Portugal estava perto dos
últimos com cerca de 42%.
Portugal também ocupa os últimos lugares no que respeita à utilização semanal da Internet por
pessoas entre os 16 e os 74 anos (menos de 70%, próximo do fundo da
tabela), enquanto o pelotão da frente ultrapassa os 90%. Portugal está
próximo do topo da tabela no que respeita a indivíduos entre os 16 e os
74 anos que nunca usaram a internet, cerca de 27%.
Segundo
o DESI, em 2016, 44% da população da UE tinha competências digitais
insuficientes para a economia, enquanto 19% não tinha nenhumas porque
nem sequer utiliza a internet. Embora a maioria dos empregos requeira
atualmente um nível básico de competências digitais, 11% da força de
trabalho da UE em 2016 não tinha quaisquer competências, apesar de uma
pequena melhoria em relação ao ano anterior. O relatório assinala que em
países como Portugal, Itália, Bulgária e Roménia aquele número excede
um quinto da força de trabalho. Se forem considerados os que têm apenas
um nível básico, 37% da força de trabalho daqueles países pode ser
considerada como insuficientemente preparada digitalmente (na Roménia e
Bulgária são cerca de 70%). Portugal tem uma percentagem de pessoas com competências acima do digital básico,
semelhante a França, Eslováquia, Hungria, mas falha ao nível dos que
não têm nenhumas ou poucas competências, em que está igual a Itália e
próximo dos mais atrasados.
Há uma tremenda necessidade de exigir
dos partidos políticos, associações empresariais, sindicatos, governos,
administração pública portuguesa soluções rápidas e eficientes, desde
logo na creche (os nove meses de gestação e os primeiros três anos de
vida são decisivos na formação da personalidade) e no primário, para
combater o abandono escolar, para mais vocações e competências em STEM e
em noções básicas de gestão na economia digital.
* Professor Universitário
IN "O JORNAL ECONÓMICO"
27/09/17
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