30/09/2017

NUNO CINTRA TORRES

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O retrato fatal de Portugal

Do analfabetismo da quase totalidade da população, passámos à iliteracia digital, ao elevado abandono escolar no secundário e à escassez de pessoas com mais do que o secundário.

Será que os portugueses têm noção do atraso que o país apresenta quanto à quantidade e qualidade de pessoas com competências e capacidades necessárias a uma economia desenvolvida, industrializada, digitalizada? Provavelmente muitos não saberão que, no que respeita ao fundamental e decisivo capital humano digital, estamos no limiar inferior da tabela.

O retrato fatal de Portugal é dado por estatísticas sobre educação e competências digitais. É na deficiente preparação em quantidade de capital humano com competências STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) que reside a grande debilidade estrutural do país. De 1970 até hoje muita coisa mudou, em particular no ensino universitário e politécnico, mas muitos outros países mudaram muito mais e Portugal ficou, comparativamente, sempre pior. Cem anos depois da revolução republicana e 43 depois da restauração da democracia, estamos relativamente na mesma. Ainda hoje há cerca de 500 mil iletrados, dos quais 130 mil com menos de 65 anos. Mas, do analfabetismo da quase totalidade da população, passámos à iliteracia digital, ao elevado abandono escolar no secundário e à escassez de pessoas com mais do que o secundário.

Há ainda poucos portugueses com educação pós secundária. Segundo a OCDE (2017), 30% dos portugueses têm menos do que educação secundária, um número igual ao da Colômbia e Arábia Saudita mas abaixo do Brasil. Mais grave ainda: apenas cerca de 35% da população tem educação pós secundária (universitária, politécnica, vocacional). No topo da tabela está a Coreia com cerca de 70, enquanto a média da UE22 é de um pouco mais de 40%.

O DESI (Digital Economy and Society Index) é um índice da UE no âmbito do Europe’s Digital Progress Report 2017 composto de cinco dimensões: conectividade (redes de banda larga, velocidades, preços); capital humano (competências básicas e uso da internet, competências avançadas e desenvolvimento); utilização da internet (uso da internet pelos cidadãos, comunicação e transações online); integração da tecnologia digital (digitalização dos negócios e e-commerce); e serviços públicos digitais (e-Governo).

No ranking de 2017, Portugal apresenta o índice de cerca 0,52, ligeiramente acima do meio da tabela e da média UE e logo abaixo de Espanha. O topo é ocupado pela Dinamarca, Finlândia, Suécia e Holanda, todos com cerca de 0,70. A base é ocupada pela Bulgária e Roménia com menos de 0,40. Ou seja, estamos mais perto da base do que do topo. Assinale-se que Itália tem apenas pouco mais de 0,40, o que talvez ajude a explicar as respetivas dificuldades orçamentais e de défice.

Na constituição do índice de Portugal pesam positivamente a dimensão conectividade e a dimensão e-Governo. O problema de Portugal está nas outras três dimensões e que são fundamentais: capital humano, uso de internet e integração do digital.

A dimensão capital humano tem duas subdimensões: competências básicas e competências avançadas e desenvolvimento. A primeira subdimensão inclui indicadores no uso de internet pelos indivíduos e competências digitais, ou seja, pessoas com, pelo menos, competências básicas no indicador competências digitais. A segunda subdimensão inclui emprego de especialistas em TIC e pessoas com cursos pós-secundário em STEM. Em 2016, a Finlândia, Reino Unido e Suécia estavam à frente em ambas as subdimensões (cerca de 70%). Roménia, Bulgária, Grécia e Chipre ocupavam os últimos lugares (inferior a 40%). Portugal estava perto dos últimos com cerca de 42%.

Portugal também ocupa os últimos lugares no que respeita à utilização semanal da Internet por pessoas entre os 16 e os 74 anos (menos de 70%, próximo do fundo da tabela), enquanto o pelotão da frente ultrapassa os 90%. Portugal está próximo do topo da tabela no que respeita a indivíduos entre os 16 e os 74 anos que nunca usaram a internet, cerca de 27%.

Segundo o DESI, em 2016, 44% da população da UE tinha competências digitais insuficientes para a economia, enquanto 19% não tinha nenhumas porque nem sequer utiliza a internet. Embora a maioria dos empregos requeira atualmente um nível básico de competências digitais, 11% da força de trabalho da UE em 2016 não tinha quaisquer competências, apesar de uma pequena melhoria em relação ao ano anterior. O relatório assinala que em países como Portugal, Itália, Bulgária e Roménia aquele número excede um quinto da força de trabalho. Se forem considerados os que têm apenas um nível básico, 37% da força de trabalho daqueles países pode ser considerada como insuficientemente preparada digitalmente (na Roménia e Bulgária são cerca de 70%). Portugal tem uma percentagem de pessoas com competências acima do digital básico, semelhante a França, Eslováquia, Hungria, mas falha ao nível dos que não têm nenhumas ou poucas competências, em que está igual a Itália e próximo dos mais atrasados.

Há uma tremenda necessidade de exigir dos partidos políticos, associações empresariais, sindicatos, governos, administração pública portuguesa soluções rápidas e eficientes, desde logo na creche (os nove meses de gestação e os primeiros três anos de vida são decisivos na formação da personalidade) e no primário, para combater o abandono escolar, para mais vocações e competências em STEM e em noções básicas de gestão na economia digital.

* Professor Universitário

IN "O JORNAL ECONÓMICO"
27/09/17 


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