Um académico
armado em parvo
Das vezes que vi e ouvi o jurista André
Ventura opinar na televisão do Correio da Manhã fiquei impressionado:
"Eis aqui um provável belo espécime de parvo", conjeturei. Ontem, o
professor auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa obrigou-me a
reconhecer que o mero palpite inicial, afinal, tinha sustentação, apesar
dos 18 valores com que o próprio publicita na internet, num curriculum vitae
"abreviado", a conclusão do ensino secundário no Externato Penafirme,
instituição que para este poliglota, com "conhecimento aprofundado" de
arábico e hebraico, é designável em português por uma palavra
saudosista: "liceu".
Entende o
dirigente social-democrata e atual candidato numa coligação PSD-CDS à
presidência da Câmara Municipal de Loures que as pessoas de "etnia
cigana" (sic) acham "que estão acima das regras do Estado de direito".
O professor convidado da Universidade Nova (onde se licenciou em Direito, divulga, com nota 19) informa, numa entrevista ao jornal i,
que "vários munícipes queixam-se de pessoas de etnia cigana que entram
nos transportes, usam os transportes e nunca pagam, e ainda geram
desacatos".
O apaixonado defensor do
Benfica em frequentes zaragatas televisivas, o paladino da restauração
da prisão perpétua, indigna-se por na Quinta da Fonte haver "situações
em que são ocupados imóveis ilegalmente" pelas tais "pessoas de etnia
cigana".
A melhor definição da palavra
"parvo" encontro-a no dicionário de José Pedro Machado: "Aquele que tem
mentalidade infantil." Pode ser-se inteligente, culto e continuar a
pensar-se como um menino: uma coisa é aprender, outra é crescer. Pode
ser-se um académico mas ser-se politicamente parvo. Exemplos
ilustrativos não faltam.
Não há
problemas de segurança na Quinta da Fonte? Há. Não há problemas de
integração e socialização com minorias étnicas em Loures? Há. Algum
político responsável deve ignorar essa realidade? Não. Então, onde está o
infantilismo de André Ventura?
Tal e qual uma criança ansiosa por aprovação no mundo adulto, o coautor de Justiça, Corrupção e Jornalismo
tenta ser visto como um herói e recusa o "medo de dizerem que estamos a
ser "fascistas", "racistas", "xenófobos"". André Ventura, putativo
herói contra o politicamente correto e o "aproveitamento político,
sobretudo do espectro da esquerda", avança "que numa candidatura devemos
ter a coragem de dizer aquilo que está mal".
Dizer
o que se pensa, porém, nada tem de heroísmo para quem pode contar,
sempre, com um microfone apontado à boca. E ainda bem que assim é...
Heroísmo
é trabalhar como assistente social na Quinta da Fonte. Heroísmo é
ser-se polícia e ir à Quinta da Fonte só para falar com quem lá mora.
Heroísmo é formar um grupo de teatro na Quinta da Fonte. Heroísmo é
manter um negócio aberto na Quinta da Fonte. Heroísmo é morar na Quinta
da Fonte e vencer a segregação, o preconceito e a injustiça. Heroísmo é
ser cigana, viver na Quinta da Fonte e insistir em enviar os filhos à
escola, em lutar para eles terem um futuro melhor. Heroísmo não é atiçar
o ódio da turba para, no fim, receber o apoio do líder neofascista do
PNR e, ironicamente, a crítica violenta de um dirigente do CDS.
Ser
inteligente, culto, querer lugar na política mas não tentar compreender
porque Portugal, país de emigração e de imigração, de penas baixas, de
aparente laissez-faire, se mantém um país pacífico numa Europa
cada vez mais policiada e cada vez mais violenta é, portanto, infantil.
É, inelutavelmente, parvo.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
18/07/17
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