ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
Susana Coroado:
“O lóbi do eucalipto
é dos mais poderosos”
As poucas tentativas de legislar sobre o lóbi têm tido pouco sucesso. Susana Coroado, investigadora na área, lança agora “O Grande lóbi”, um livro que pretende explicar como se influenciam decisões políticas em Portugal
Parece existir alguma confusão entre lóbi e tráfico de influências. O que é o lóbi?
Se formos às definições previstas nas várias regulamentações, lóbi é
toda a comunicação oral ou escrita com vista a influenciar uma decisão
pública ou política.
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No fundo, o tráfico de influências tem o mesmo
objetivo, só que fazer lóbi, à partida, não oferece contrapartidas
materiais ao decisor. Há sempre um determinado nível de contrapartidas,
porque senão o decisor não tem incentivos para receber o lobista. Há uma
transmissão de informações que é importante para o decisor saber o
impacto que vai ter determinada decisão — às vezes também ganhos
políticos —, mas não há nem deve haver benefícios materiais. Quando isso
acontece é tráfico de influências. Em geral, o lóbi vende o acesso, já
no tráfico de influências o que se vende é a garantia da decisão — o
intermediário garante a quem pediu o contacto que a decisão vai ser
tomada a seu favor. Quando há regulação do lóbi há códigos de conduta
para os lobistas para eles terem balizas do que podem fazer.
Como evoluiu o lóbi em Portugal nos últimos 30 anos?
Como começámos a ter uma economia mais aberta e a ter mais empresas
internacionais, começámos também a importar outras práticas. Neste
sentido, começámos a ter neste momento uma prática de fazer lóbi que
começa a ser mais profissional. Com a figura do intermediário do lobista
profissional ou das agências de comunicação que têm a área do lóbi. Mas
ainda há resquícios das tradicionais formas de influência.
A cunha e o jeitinho são formas de lóbi?
São uma forma de tráfico de influências. Aquilo que verificamos, muitas
vezes, é que a cunha não exige uma retribuição imediata. As pessoas
fazem um favor e alguém lhes fica a dever, as pessoas já sabem que
quando for preciso podem cobrar. Mas isso também tem muito que ver com
falta de meritocracia e com uma separação entre os decisores públicos e a
população em geral, que faz com que só quem tem o acesso a alguém
reconhecido é que consegue ver as suas reivindicações respondidas.
O lóbi tem uma conotação negativa, mas não é ilegal. Considera-o
uma forma de pressão ilegítima?
Por si só não é ilegítimo. A EDP, por exemplo, tem toda a legitimidade
de tentar defender ao máximo o interesse dos seus acionistas. A
indústria tabaqueira também. O que é ilegítimo é a forma de pressão para
conseguir atingir esses objetivos. Se a indústria tabaqueira ou do
álcool pede uma reunião com um membro do Governo ou com um deputado,
apresenta um projeto ou um documento que fala das suas reivindicações e
até pode dar sugestões legislativas, não me parece que isso seja
ilegítimo. Só quando há ofertas de viagens, sugestões de empregos
futuros e quando as coisas se fazem na opacidade é que se torna
ilegítimo. E a opacidade é uma coisa que acontece de ambos os lados, os
interesses não devem tentar atingir os seus objetivos de forma opaca. E
os decisores também se devem proteger disso. Devem evitar que haja
jantares organizados só para ter acesso a determinado político,
telefonemas pouco amigáveis. Agora, quando há opacidade dos dois lados,
torna-se ilegítimo. O facto de estes processos serem opacos não permite
que quem quer contrapor argumentos tenha capacidade de o fazer, porque
não sabe que estas negociações estão a acontecer. E a opacidade é o que
caracteriza o lóbi, neste momento, em Portugal.
Estamos a caminho do lóbi profissional que existe nos EUA?
Não há padrões no que toca ao lóbi. Por exemplo, no Reino Unido, a
questão da regulamentação do lóbi começou, precisamente, porque já havia
uma grande industria de lóbi profissional e precisava de ser regulada
porque trouxe muitos problemas. Há outros países que estão um pouco como
nós, a profissão de lobista profissional ainda é rara, começa agora a
existir, mas no fundo são as redes tradicionais que fazem influências.
Que tipo de regulamentação defende?
Que exista pegada legislativa, em que todas as decisões contenham um
registo das reuniões que contribuíram para o produto final, com todos os
documentos entregues pelos grupos de interesse. Isso permite fazer o
mapeamento de evolução da lei e dos interesses que estiveram em cima da
mesa. E, por outro lado, a publicação das reuniões que os decisores
públicos tiveram com os grupos de interesse. O registo do lóbi — que é
uma coisa tão famosa — tem um interesse limitado. Sobretudo em contextos
em que não há uma indústria de lóbi profissional. À partida, o
interesse do registo é que os lobistas se registem, para que o próprio
decisor saiba quem é aquela pessoa, é uma base de dados mas se só tiver
um registo nós não vamos saber muito. Não vamos saber que reuniões
aquela pessoa teve, com quem e sobre que matérias. Isso só por si tem um
interesse muito limitado. Isto porque há pessoas que se inscrevem só
para fazer publicidade ou para dar uma aparência de que são muito
transparentes, mas depois não sabemos o que elas andaram a fazer. O que
precisamos é de responder à pergunta: quem influenciou quem sobre que
matéria. E isto só é possível através da pegada legislativa ou de saber
com quem é que os lobistas tiveram as reuniões. Isso depende de que lado
se quer por o ónus do registo, até se pode pôr dos dois e depois cruzar
dados.
O que é fundamental para que a regulamentação do lóbi funcione?
Nunca vai ser bem implementada, se não tiver o apoio dos lobistas. E
quando referimos os lobistas falamos de ONG, associações de empresas,
sindicatos, agências de comunicação. Se eles não estiverem dispostos a
registar-se e não concordarem que as suas reuniões sejam tornadas
públicas, isto nunca vai sair do papel.
Em que modelo nos devíamos inspirar?
Não há um modelo ideal. Podemos tentar inspirarmo-nos em países que
tenham uma situação económica e social semelhante à nossa, como a
Irlanda, a Áustria e o Chile. Acho que o Chile é um ótimo exemplo,
porque colocaram o ónus nos decisores públicos, ou seja, são eles que
têm de registar as reuniões que tiveram, a hospitalidade que receberam,
como presentes e viagens, e depois há uma entidade independente que
recebe essas informações e produz estudos. E tenta perceber em que
questões está a falhar, por exemplo, se existe uma lei de âmbito
cultural e o Ministério da Cultura só reporta duas reuniões isso é
estranho. Eles também criaram um registo de lóbi mas é opcional,
precisamente porque o ónus está no decisor público.
A lei portuguesa está mais permeável ao lóbi?
Não. Os fenómenos a que temos assistido são iguais em todo o lado. Há
tentativas de influência em todo o lado. A questão é que em Portugal há
menos mecanismos de supervisão e de restrições.
No livro fala, quase como se fosse uma premonição do debate que estamos a ter, do poderoso lóbi do eucalipto.
É um dos mais poderosos em Portugal. No estudo que fiz para a
Transparência e Integridade identificámos a energia, a banca e a
imobiliário, sendo que estes dois estavam muito próximos. Notei que há
vários diplomas, aprovados há pouco tempo, em que se nota que houve
influências. E há mesmo nos jornais opiniões escritas de defesa do
eucalipto, a pressão feita sobre o eucalipto é muito grande e há
ligações entre a indústria e os partidos. A Navigator está no PSI-20,
comprou várias empresas e tem participações noutras empresas. Havia
ligações entre a Semapa e o BES.
O Parlamento é a imagem do lóbi?
É a imagem do conflito de interesses institucionalizado. Os deputados,
não trabalhando em exclusividade, tem vários interesses que podem
colidir com o interesse público. O problema é que não há mecanismos para
evitar esses conflitos.
* Muito bem explicado!
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