Jovens, dinâmicos
e... perdedores
Agora, em eleições e referendos, ganham os mais velhos e socialmente conservadores, perdem os jovens, dinâmicos, cosmopolitas e abertos ao mundo
Começa a emergir um padrão comum em todos os atos eleitorais que, nos
últimos meses, têm abalado o mundo: em eleições e referendos, ganham os
mais velhos e socialmente conservadores, perdem os jovens, dinâmicos,
cosmopolitas e abertos ao mundo. Mais: quando se analisam as votações,
percebe-se também que as principais cidades que, em cada país, projetam
uma atmosfera de modernidade acabam por ser engolidas, no resultado
final, pelos milhões de eleitores que vivem afastados dos grandes
centros, sempre muito mais preocupados com a manutenção do seu estilo de
vida e assustados com uma globalização que, na maioria das vezes, os
deixa confusos e perdidos.
Este padrão começou a manifestar-se no
Brexit, há menos de 10 meses.
Os números são esclarecedores: por
vontade dos eleitores mais jovens e dos habitantes de Londres, o Reino
Unido continuaria na União Europeia (o desejo de 72% dos votantes com
idades entre os 18 e os 24 anos, e de mais de 65% dos votos registados
na capital britânica). Mas a maioria, embora escassa (51,6%), foi dos
“outros”, grande parte dos quais poucos anos terão de vida num país
“desligado” da Europa, ao contrário da geração derrotada.
Em
novembro, nos Estados Unidos da América, o padrão repetiu-se: Donald
Trump foi copiosamente derrotado nas cidades que, para o mundo, melhor
transmitem a imagem de modernidade americana, incluindo a “sua” Nova
Iorque – e nos condados mais high-tech de Silicon Valley, onde estão as
sedes da Google, do Facebook e da Apple, ficou-se por irrisórios
resultados abaixo dos 20 por cento. Mas quem tomou posse, em janeiro,
foi mesmo Donald Trump (apesar de ter perdido o voto popular), graças
aos votos dos eleitores das regiões do interior, aqueles para quem o
mundo não vai para lá da fronteira do seu Estado e que acreditam mesmo
que a final do campeonato americano de basebol merece o nome de World
Series.
Agora, na Turquia, o referendo que ditou, na prática, o
fim da República, parlamentar e laica, fundada há menos de um século,
por Mustafá Kemal Ataturk, foi ganho, acima de tudo, com os votos
registados no interior da Anatólia, nas regiões mais fechadas e
conservadoras – e onde também é maior a influência islâmica. Nas grandes
cidades, cosmopolitas e ocidentalizadas, como Istambul, Ancara,
Esmirna, Adana e Antália, o projeto de revisão constitucional de Recep
Tayyip Erdogan foi derrotado. E é precisamente nestas cidades, mais
próximas do Mediterrâneo, que vivem grande parte dos jovens que, nos
últimos anos, mais sonharam com a possibilidade da adesão à União
Europeia e onde muitos vivem, de facto, “à europeia”. Mas quem ganhou –
pela escassa margem de 51,3%, curiosamente quase o mesmo resultado do
Brexit – foi mesmo Erdogan e o seu plano para se poder perpetuar no
poder até 2029, trocando o parlamentarismo por aquilo que já é conhecido
por um “hiperpresidencialismo”.
A vitória de Erdogan,
conseguida após meses de grande repressão aos seus opositores, com
encerramento de universidades e órgãos de comunicação social,
perseguições a professores, jornalistas e funcionários públicos,
representa o encarceramento do singular “modelo turco” que, durante
anos, fez coexistir o islamismo com a democracia e o progresso
económico. Representa também o fim de uma república que Ataturk “ditou
ao povo”, como ele próprio admitiu, e que foi construída sempre a olhar
para o Ocidente: com um Código Penal copiado do italiano, um Código
Civil adaptado do suíço, uma legislação que decretou a igualdade entre
homens e mulheres (as turcas tiveram direito a voto antes das
francesas!...), a substituição do alfabeto árabe pelo latino e a adoção
do calendário gregoriano ocidental.
Quem vai perder a seguir?
IN "VISÃO"
20/04/17
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