24/04/2017

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HOJE  NO
"OBSERVADOR"
Chegar aos 30 sem “anel”
 nem emprego fixo. 
O que pensam os millennials?

Chegam a um aeroporto como quem chega a uma paragem de autocarro. Têm trinta ou à volta disso, cursos e mestrados, mas falta "o anel" e o "emprego estável". Como é, afinal, ser millennial?
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Ai, os 30 anos. Esses tempos entre a juventude e os primeiros anos de uma idade adulta em que ainda é possível dizer que o melhor está para vir. Muito mudou quando comparamos o que era a vida dos pais destas pessoas quando tinham 30 anos e a vida que os filhos têm agora — algumas coisas simplificaram-se mas também muito se complicou para a geração à qual os sociólogos chamam millenials e que engloba aproximadamente todos os que nasceram entre 1980 e 2000.

Gente relativamente nova, mas que carrega um peso milenar sobre os ombros: o de serem melhores — ou fazerem melhor — do que as gerações anteriores fizeram. Até à crise financeira tinha sido assim: as gerações futuras viveram sempre melhor que as anteriores.

Coisas palpáveis, que é delas? As chaves de uma casa, uma aliança, um carrinho de bebé? Ao menos um lugar nos quadros de uma empresa. Às vezes a reposta é “nenhuma das anteriores”. Muitas vezes chamam-lhes arrogantes, neuróticos, irrealistas, egocêntricos sempre colados ao ecrã. Eles, por outro lado, estudaram como lhes disseram, depois estudaram um pouco mais, como começou a ser preciso, apenas para entrar no jogo, e continuaram a estudar porque não tinham emprego.

Eternos ansiosos, alguns mesmo deprimidos. É fácil brincar com isto. Afinal, que razão tem um jovem adulto com saúde para se questionar tanto sobre tudo o que ainda não tem? É que o mundo mudou, mas os os postes e a trave da baliza continuam no mesmo sítio. Casa própria (ou pelo menos não partilhada), família e um contrato estável (leia-se: não a recibos verdes) ainda são os principais indicadores que medem o sucesso da vida.


Tenho muita garganta
Pouca guita ‘pra tinta
Só descrevo o que quiser cantar
Podes ver-me falhar
Até te mostro uma lista
A vaidade não me vai largar
Amanhã ’tou melhor
Tenho outras coisas em vista
E a vergonha atrás vou deixar
Vou mas é decidir o que vou parecer
Não quer dizer que é o que eu vá ser
Vou mas é decidir o que vou parecer
Não quer dizer que é o que eu vá ser
Amanhã ’tou melhor
Música Amanhã Tou Melhor – Capitão Fausto

Afinal a música já explicou tudo. Tanto sobre esta como sobre outras gerações. Foi sempre assim. As dificuldades sempre lá estiveram. O que faz então das pessoas à volta dos 30 uma geração sofrida, habitada por culpa por não serem nem terem tudo o que o mundo aparentemente permite e permeável a uma permanente sensação de insegurança laboral, mesmo com níveis de educação superior nunca antes registados?
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“Sinto que o património que adquiri ao longo do tempo é excelente, útil e de valorizar e que a postura em relação a ele de muitos dos mais velhos é precisamente a contrária: esta diversidade de experiências por vezes é vista como uma perda tempo porque não resultou, pelo menos não ainda, num emprego bem pago e numa vida organizada”, diz Rosa, que tem 29 anos, estudou Programação Cultural, viveu e estudou na Eslovénia, até é casada e até vive no centro mas quem é que hoje em dia pode garantir que para o ano as coisas estarão iguais?

O marido conheceu-o em Ljubljana, no meio da revolta contra a austeridade que contagiou várias capitais europeias. Rosa fotografou uma agressão da polícia a um dos manifestantes e foi presa, com o namorado, Janos. Nas instalações da polícia, o casal, que só viria a casar-se em Portugal, foi separado. Quando os estavam a levar para as celas onde deveriam aguardar uma acusação, Janos conseguiu ver Rosa através de uma parede de um gabinete, que era de vidro. Conseguiu libertar-se dos polícias distraídos e correu para Rosa, que o beijou sofregamente, entre lágrimas e abraços.
“A polícia veio separar-nos e disseram ao Janos: ‘Olha que isto não é uma historinha de amor, pá’. E o Janos, já imobilizado de novo, gritou: “A minha história sou eu que a escrevo meu cabrão”.

Seguir um sonho não chega
“A sensação é que não temos nada”, diz Pedro Resendo, que é de Braga, tem 28 anos, e decidiu este ano pedir um empréstimo para tomar conta de um pequeno bar na vila. “Depois de estudar turismo, ter feito estágios em bons hotéis, na Suíça e em França, supostamente o topo da hotelaria mundial, cheguei aqui e era só mais um miúdo à procura de um emprego como empregado de mesa — só que não é exatamente isso que eu sou”.

Pedro diz que não está a desprezar esse trabalho, afinal é um pouco isso que faz hoje, apesar de ser gerente, só que… “As competências que eu adquiri lá fora não são necessárias, ou ainda não são procuradas, no mercado de cá, porque as pessoas não procuram ainda um serviço especializado de restauração como procuram um bom mecânico. Então, eu tenho quase 30 anos e vejo-me com uma dívida, uma profissão que continua a ser vista como ‘trabalhar num atrás de um bar’, dependente de um mercado ao qual ainda não há grande adesão, sem dinheiro para gastar e não sei mesmo se isto do bar vai resultar”.



"Sinto que o património que adquiri ao longo do tempo é excelente, útil e de valorizar e que a postura em relação a ele de algumas pessoas mais velhas é precisamente a contrária: esta diversidade de experiências por vezes é vista como uma perda tempo, porque não resultou, pelo menos não ainda, num emprego bem pago e numa vida organizada"

Rosa, 29 anos, formada em Programação Cultural


Casa própria “para já nem pensar”. Pedro vive em casa dos pais e passa algum tempo com a namorada, que vive com uma amiga nos arredores da vila. Tem um carro que o pai lhe deu, um bar do qual tira um ordenado mínimo e mais quatro pessoas dependentes do ordenado, também mínimo, que ele lhes paga. “É um pouco frustrante, porque nós até vamos à procura de coisas, do melhor sítio para estudar a área que escolhemos, fazemos contactos, mini-cursos, temos muito mais facilidade de adaptação às adversidades de viver num país estrangeiro, por exemplo, ou trabalhar em várias coisas, mas esse capital não serve para muito, na realidade”.

Talvez a frase mais correta seja “ainda não serve”, como explica o sociólogo do Instituto de Ciências Sociais, Vitor Ferreira. “Para os miúdos que estão agora a sair da primária, a flexibilização do trabalho, a voragem tecnológica, a procura de experiências por oposição à construção de um projeto de vida será simplesmente o normal. Mas esta geração que tem agora à volta dos 30 foi apanhada no meio, na transição. Ainda sentem alguma pressão para terem a vida estável que foi ensinada pelos seus avós aos seus pais, mas deparam-se com uma realidade onde essa estabilidade é muito mais difícil de garantir”, diz ao Observador num escritório polvilhado com livros sobre o comportamento dos jovens e um poster dos Beatles na parede.

A "venda" do sonho "nos anúncios da tv, nas redes sociais, em todas as campanhas publicitárias nos jornais e pela rua" como algo que "tem que ser conseguido" é uma coisa que "acentua a exclusão social". Isto porque, "se a pessoa não conseguir transformar um desejo numa concretização pessoa,l a frustração é muita" e "é cada vez mais difícil concretizar os sonhos por causa da precariedade laboral"

Vítor Ferreira, sociólogo do ICS


A busca pelo sonho contaminou tudo. E se, até certo ponto, não há sonhos impossíveis, falhar é pelo menos tão certo, se não mais, quanto triunfar. Para Vítor Ferreira a “venda” do sonho “nos anúncios da tv, nas redes sociais, em todas as campanhas publicitárias nos jornais e pela rua” como algo que “tem que ser conseguido” é uma coisa que “acentua a exclusão social”. Isto porque “se a pessoa não conseguir transformar um desejo numa concretização pessoal a frustração é muita” e “é cada vez mais difícil concretizar os sonhos por causa da precariedade laboral”.

Uma perceção que parece ser confirmada por quem recebe estes jovens num consultório de psicologia, como é o caso de Carlos Céu e Silva. “A realidade desilude: é difícil desenvolver um projeto de vida com salários tão baixos”, diz ao Observador o psicólogo que, apesar disso, não acredita que exista uma grande culpa em cima deste grupo, porque “já sabem que o progresso vem, através das mudanças permanentes de emprego, ou mesmo na ida para o estrangeiro”.

O que não quer dizer que não se esteja agora a desenvolver um sentimento de “desilusão misturada com alguma angústia”. Para Céu e Silva isso é “evidente” nos jovens que acompanha e uma das razões tem precisamente a ver com essa impossibilidade de esboçar “projetos de médio prazo” que ficam todos “num plano do desejo”.

Num artigo sobre as expectativas e as aspirações da geração millennial para a Harvard Business Review, Cal Newport, professor de Computação e Informática na Universidade de Georgetown, aponta que “seguir o seu sonho” é uma frase que só apareceu nos últimos 20 anos, de acordo com o Ngram Viewer, uma ferramenta do Google que mostra quanto uma determinada frase aparece em textos impressos num certo período de tempo. Essa mesma ferramenta mostra que a frase “carreira estável” saiu de moda tendo sido mais ou menos substituída em popularidade pela frase “realização profissional”.
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É sem dúvida uma geração de “experiências e expectativas”, muito “presentista”, que vive mais o hoje do que planeia o amanhã, diz o sociólogo, que acrescenta que quem tem agora 30 anos “quer aproveitar o presente, mas que a palavra ‘aproveitar’ não é puramente hedonista. Eles pensam: ‘este é o trabalho que eu tenho nos próximos seis meses, vou fazer o melhor que posso, vou aproveitar isto’ “, refere Vítor Ferreira.

“É aquela pescadinha de rabo na boca chamada dialética”
Rosa fala perfeitamente inglês e espanhol — e um bom francês– , já geriu alguns dos espaços mais conceituados da cidade de Lisboa e agora quer dedicar-se aos seus projetos, que passam por apresentar calendários culturais às centenas de associações, teatros e galerias da cidade. O problema é que, subjacente à possível colaboração com os poucos espaços que lhe responderam às propostas, está sempre uma cláusula que a impede de aceitar as colaborações: “Pedem que aceite colaborar sem ordenado, ou então começam a pagar apenas depois dos primeiros três meses, ou pagam um ordenado de estagiário”, diz Rosa.

É suposto aceitar qualquer coisa, ou é suposto ser-se uma força contra o que é normal aceitar? “Ainda ontem me ofereceram um emprego numa esplanada seis dias por semana, seis horas por dia, 300 euros. Como assim?”, pergunta sem esperar resposta enquanto nos mostra algumas das relíquias que tem em casa. Atualmente passa os dias a catalogar, digitalizar e inventariar a obra de vários artistas portugueses do século XX. Já existiu financiamento para este tipo de projetos, mas Rosa não conseguiu encontrar qualquer fonte de financiamento. “Basicamente estou a fazer um investimento concreto de tempo e dinheiro num projeto de interesse nacional, que está a ser assegurado na íntegra por mim, sem apelo nem agravo, já que os concursos a financiamento este ano nem abriram”, diz Rosa.



"Será que os 'crescidos' nos fazem sentir menores pelo seu sentido de merecimento? Eles fizeram as coisas pela ordem certa e, mais coisa menos coisa, resultou. E nós fazemos parte desse paradigma: inconscientemente, temos o dever de os tornar avós, de lhes possibilitar impressionar os seus amigos com os nossos feitos, de os deixarmos descansados"

Rosa, 29 anos, formada em Programação Cultural

O que Rosa está a fazer é um trabalho de arquivista, é proteger, tratar, traduzir, restaurar. A única diferença é que Rosa o faz em casa e não na Biblioteca Nacional. O estudo informal, fragmentado, diz Rosa, “ainda não é valorizado como é em outros países, onde os empregadores procuram quem tenha competências em mais que uma área”. Estudo informal, no entender de Rosa, é estudar fora, viajar, oferecer o tempo ao ativismo, abraçar projetos sem esperar necessariamente uma remuneração choruda mas sim uma que seja digna.

São pessoas que têm valor e sabem-no. “Uma parte das pessoas que, com trinta anos, ainda consideramos jovens, têm consciência do seu valor. Sabem que têm ferramentas e conhecimento muito superiores às gerações anteriores. São mais exigentes e aceitam pior a submissão”. E aí começam os problemas. “É aí que se instala uma certa revolta, consequência de uma óbvia incompreensão: como passar para fora aquilo que eu sei? De facto, esta geração depara-se com esta dualidade, que é não ter oportunidade de mostrar o que vale e sentir-se explorada“, diz Céu e Silva.

É uma conjuntura injusta, que combina a falta de vagas para os ditos empregos tradicionais com “um processo evolutivo muito acelerado, onde a pessoa acaba por não ser o elemento de produção mais importante para as empresas” e com “uma situação laboral, de concorrência profunda, que desajusta as pessoas e cria problemas individuais e de grupo, muitas vezes irreparáveis”, sustenta o psicólogo.



"Uma parte das pessoas que, com trinta anos, ainda consideramos jovens, têm consciência do seu valor. Sabem que têm ferramentas e conhecimento muito superiores às gerações anteriores. São mais exigentes e aceitam pior a submissão. E é aí que se instala uma certa revolta, consequência de uma óbvia incompreensão: como passar para fora aquilo que eu sei? De facto, esta geração depara-se com esta dualidade, que é não ter oportunidade de mostrar o que vale e sentir-se explorada"

Carlos Céu e Silva, psicólogo

Rosa oferece alguns exemplos dessa incompreensão destacada por Céu e Silva. “Eu fui diretora d’ Os Fazedores de Letras, um jornal literário histórico, mas é quase como colocar o símbolo do ‘igual a’ e escrever à frente ‘perda de tempo'”. Ou “quando planeias uma viagem a Marselha para ver um dos melhores museus do mundo e quase ninguém percebe naturalmente porque é que isso tem a ver com a tua formação pessoal e profissional”. Mas há uma ressalva: “Agora também é certo que só valorizas o estudo informal, a viagem, o valor da diversidade das experiências se fores exposto a isso desde novo. Também faz parte da educação, como tudo”.
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“A exposição à cultura, à arte, ao valor intangível de uma viagem cria público e aumenta, por contágio, o interesse nessas mesmas áreas. A falta de investimento na cultura é uma política míope, porque está provado que o turismo cultural pode contribuir muito para o desenvolvimento das comunidades”, diz Rosa.

Se a casa de Rosa não tivesse paredes de tijolo, teria as que ela fez de livros. São dezenas de clássicos em cima de livros de História e Arte, em cima de manuscritos envoltos em papel de seda. “O que é valorizado é o que contribui para o status quo e assim é incentivado e o que é incentivado é o que tem reconhecimento social, logo, é o que é valorizado. É aquela pescadinha de rabo na boca chamada dialética”.




"A exposição à cultura, à arte, ao valor intangível de uma viagem cria público e aumenta, por contágio, o interesse nessas mesmas áreas. A falta de investimento na cultura é uma política míope, porque está provado que o turismo cultural pode contribuir muito para o desenvolvimento das comunidades"
Rosa, 29 anos, formada em Programação Cultural


Desta equação não é possível retirar “os crescidos”. Rosa pergunta: “Será que os ‘crescidos’ nos fazem sentir menores pelo seu sentido de merecimento? Eles fizeram as coisas pela ordem certa e mais coisa menos coisa, resultou. E nós fazemos parte desse paradigma: inconscientemente, temos o dever de os tornar avós, de lhes possibilitar impressionar os seus amigos com os nossos feitos, de os deixarmos descansados”.

A experiência de Céu e Silva diz-lhe que “os pais projetam os seus sonhos nos filhos, e quando são confrontados com os tempos difíceis, transmitem dúvida e desalento”. Não há coisa pior, sublinha, “do que receber dos pais ensinamentos, que mais não são que truques para sobreviver ou atingir sucesso, seja de que modo for”.

Canadá, Gâmbia… Bombarral — e ainda bem
Pedro Nascimento tem 32 anos e depois de cinco anos passados entre quatro continentes diferentes, hoje é agricultor e empresário em Pó, Bombarral. Estudou Gestão e Marketing na Universidade de Leiria, e, depois de se ter apercebido que os trabalhos que lhe ofereciam distinguiam-se pouco ou nada da função de vendedor, e por vezes de porta a porta, decidiu ir procurar outras experiências. Primeiro ficou por ali, em Pó, a trabalhar ao balcão de uma empresa de materiais de construção, depois foi para o Canadá, onde tem família, tirar uma pós-graduação na sua área, depois andou pela Gâmbia, onde foi trabalhar para uma empresa de importação de maquinaria pesada. Reino Unido, Espanha, Polónia, Austrália… “Houve um ano em que saí dez vezes de Portugal”, diz Pedro.



"Pagaram-me sempre muito bem nos escritórios por onde passei, mas eu não me sentia realizado, o trabalho era seguro mas não era ali sentado que eu me sentia bem. Claro que me sinto inseguro, acabei de criar uma empresa cujo sucesso depende maioritariamente da clemência da natureza, tanto há colheitas fantásticas como posso, em outro ano, ter um produto de menor qualidade, ou nem ter produto para continuar a fornecer os meus clientes. Nem sequer compro nada a prestações"

Pedro Nascimento, 32 anos, formado em marketing, atualmente agricultor e empresário


De regresso à terra onde cresceu, como, e onde, aplica Pedro todo esse tempo passado lá fora? “Eu acho que essa visão do mundo, conhecer tantas formas de trabalhar e estar me fez uma pessoa muito mais preparada para a adversidade mas utilizar, assim, como instrumento, como currículo, não utilizo. Sou agricultor. 


Nunca fui tão feliz, mas não há um dia que não pense na insegurança da minha profissão”, diz Pedro ao telefone depois de mais um dia — e uma chuvada — a entregar batatas, cebolas, tomates e limas às mercearias da região.

A felicidade, diz, vem do que faz no dia-a-dia e não do que poderá a fazer no futuro. “Pagaram-se sempre muito bem nos escritórios por onde passei, mas eu não me sentia realizado, o trabalho era seguro mas não era ali sentado que eu me sentia bem. Claro que me sinto inseguro, acabei de criar uma empresa cujo sucesso depende maioritariamente da clemência da natureza, tanto há colheitas fantásticas como posso, em outro ano, ter um produto de menor qualidade, ou nem ter produto para continuar a fornecer os meus clientes. Nem sequer compro nada a prestações”.

Já passou dos 30, mas ainda vive com os pais, ajuda-os com a terra e compra-lhes alguns dos produtos que depois revende. Está a pensar construir uma casa, mas está solteiro e daí que, casar, ou ser pai, não seja uma coisa que possa garantir à mãe a curto prazo. “Os meus pais gostam muito de me ter aqui, mas a minha mãe está sempre a perguntar quando é que eu penso em casar e que na minha idade já me tinha a mim. Não se cala com isso, mas eu entendo que seja um desejo perfeitamente normal e que para eles a construção de uma família seja algo diretamente associado à estabilidade e à felicidade”, diz Pedro.



"O 25 de abril foi um grande marco, a entrada na UE foi outro, e aí ficamos expostos ao mundo, tanto económica como culturalmente, mas não é necessariamente verdade que a estas mudanças se tenha sucedido uma imediata e transversal evolução de mentalidades"

Pedro Nascimento, 32 anos, formado em marketing, atualmente agricultor e empresário

Não faltou quem lhe dissesse que estava a começar do zero quando já podia estar numa situação confortável em uma das empresas onde trabalhou. “O que falta a Portugal é acompanhar a mentalidade de outros países, europeus mas não só. A ideia de que o trabalho não tem que te dar prazer é estranha para mim e para muita gente da minha geração”, diz Pedro que, nas suas viagens, encontrou muita gente que sempre trabalhou para poder estudar. O facto de em Portugal os jovens não terem estas experiências de emprego esporádicas e variadas pode contribuir, no seu entender, para aquela mentalidade de “o emprego é para sempre”.

“O 25 de abril foi um grande marco, a entrada na UE foi outro, e aí ficamos expostos ao mundo, tanto económica como culturalmente, mas não é necessariamente verdade que a estas mudanças se tenha sucedido uma imediata e transversal evolução de mentalidades”, afirma Pedro, que considera que o que falta no país é mesmo as pessoas entenderem que esse regime “dito normal” do trabalho das nove às cinco, por conta de outrem, com obrigatoriedade de apresentar números simplesmente não é nem “mais respeitável” nem “necessariamente mais lucrativo”.

Esta evolução de mentalidade passa muito pela forma como as chefias se relacionam com os trabalhadores. Por cá, “as chefias assumem uma autoridade muitas vezes desmesurada e pouco motivadora e os funcionários não se sentem obrigados a responder ativamente ao exigido. Há uma mentalidade de confronto e não de colaboração”, refere Céu e Silva, que completa com uma breve explicação para os elevados números de imigrantes entre estas camadas etárias: “A ida para fora, mais do que um desafio, é o reconhecimento das qualidades profissionais que em Portugal é desvalorizado. Ir para fora não é virar costas ao país, mas pode ser a resposta diplomática (e forçada) de dizer que o país não valoriza e acarinha os seus e que os políticos e responsáveis não têm uma visão clara de futuro e vivem apenas a roer a corda frágil que é o presente”.
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Pedro escolheu investir num novo negócio, mas este modelo não serve a toda a gente. Há uma tendência para achar que o desemprego se resolve criando os próprios empregos, mas nem sempre isso é possível. “O Estado não se devia subtrair ao investimento cultural, porque nem todos os artistas são marketeers. Posso ser muito boa artista mas não ser boa a vender o meu trabalho. É preciso que se invista em organismos com financiamento suficiente para apoiar os artistas e investir no trabalho dos artistas para que eles não tenham que pensar como vendedores que não são. O trabalho de marketing não tem nada a ver com a produção artística nem como o valor do trabalho criado”, diz Rosa.


Uma posição ingrata
Também Ana Cabral se vê como uma espécie de equilibrista. Entre a realização pessoal e profissional e a procura de um contrato estável e de um ordenado que garanta uma vida mais independente ficam os dias ansiosos de Ana, que tem 31 anos, vive em Lisboa e tem um doutoramento em Média Digitais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.

Trabalha como produtora de conteúdos e o trabalho que faz não é perfeito, mas permite-lhe estar ligada ao meio jornalístico e fazer algumas coisas que a maioria dos jornais e revistas já deixaram de ter fundos disponíveis para fazer. O problema é mesmo a instabilidade.




"A ida para fora, mais do que um desafio, é o reconhecimento das qualidades profissionais que em Portugal é desvalorizada. Ir para fora não é virar costas ao país mas pode ser a resposta diplomática (e forçada) de dizer que o país não valoriza e acarinha os seus"
Carlos Céu e Silva, psicólogo

“Tenho um doutoramento, um contrato a seis meses, renovável, já na segunda edição, mas sem grandes poupanças, sem casa própria, filhos, sempre a fazer coisas “extra”, sem grande salário ou segurança. Sinto-me um pouco perdida, porque não sei exatamente qual poderá ser o próximo passo para sair desta situação; insegura, porque há sempre a possibilidade de não conseguir melhor ou, pior, perder o pouco que tenho”, conta Ana.

Sobre as acusações de que os jovens adultos “são uns reizinhos”, Ana diz que apesar de já ter lido isso não entende as acusações. “Deveríamos então, para não sermos ‘reizinhos’, deixar de querer ganhar mais ou abdicar de sentir satisfação através do trabalho?” As acusações passam “pela diferença geracional”, mas não só. Os pais de Ana não a pressionam para ter filhos, nem para encontrar um companheiro, mas há “pais, avós e patrões” que escolhem analisar as gerações posteriores à luz daquela máxima “a minha vida não foi assim”. A questão é então entender: porque é que o modo de estar na vida, os hábitos, os “vícios” de uma geração têm que ser analisados em relação à anterior?



"Há todas as coisas que sentes que devias ter e vês à tua volta e depois há o lado racional que pensa 'será que quero isto mesmo? ou será que quero isto porque é suposto e porque vejo os outros terem?'" E as perguntas não param de cair: "Como é divorcias o que é 'suposto' da tua vontade? E se forem a mesma coisa? E se pura e simplesmente as circunstâncias da vida são o que são e logo se vê?"

Ana Cabral, 30 anos, jornalista

Não há dúvidas para Ana: “Esta geração foi colocada num posição ingrata, em Portugal e não só”. Uma situação que está ligada à crise financeira “que talvez tenha inexorável e genuinamente hipotecado o futuro”. Por outro lado, continua, “há ideias diferentes entre gerações (pais, avós, patrões) sobre o que é que se devia estar a fazer e talvez uma ideia diferente do que é o sucesso.

“Especialmente quando começamos a fazer muitas coisas que são traduzidas em dividendos e dinheiro”, explica. Os pais de Ana, tal como os de muitas pessoas nesta faixa etária, conseguiram uma vida estável. No caso dos millenials: “Ou não temos uma vida estável ou se temos uma vida estável ela é, muitas vez ou pelo que vejo à minha volta, uma vida que não dá satisfação”, diz Ana. A insegurança que vê em si e nos seus amigos advém de “não se conseguir corresponder às expectativas que havia sobre nós, seja isso auto-imposto ou não”.

As coisas ficam um pouco mais difíceis ainda para as mulheres. Quantos inquéritos de supermercado, inscrições no arrendamento jovem, formulários nas Finanças se podem preencher sem se ficar a pensar naquele quadradinho que pergunta o números de pessoas no agregado familiar? Ana diz que “ter mais de 30 anos e ser mulher é uma forma especial de inferno” porque “há todas as coisas que sentes que devias ter e vês à tua volta e depois há o lado racional que pensa ‘será que quero isto mesmo? ou será que quero isto porque é suposto e porque vejo os outros terem?'” E as perguntas não param de cair: “Como é que divorcias o que é ‘suposto’ da tua vontade? E se forem a mesma coisa? E se, pura e simplesmente, as circunstâncias da vida são o que são e logo se vê?”.

Soluções? Passam todas pela educação, pais atentos, professores preparados. É bom “estar aberto à mudança sem andar ao sabor do vento” e ter consciência de que “as fronteiras ainda existem dentro de nós, quer as emocionais quer as existenciais”.

“Isto lembra-me o filme ‘Tokyo Story'”, diz Ana que, depois, cita o diálogo em questão:
“A vida é uma desilusão não é?”, diz uma das personagens. E a outra responde, com o sorriso sincero, de quem não considera que essa axiomática realidade impeça ninguém de ser feliz: “Sim, é.”

* Um trabalho soberbo de ANA FRANÇA.

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