HOJE NO
"OBSERVADOR"
"OBSERVADOR"
Chegar aos 30 sem “anel”
nem emprego fixo.
O que pensam os millennials?
Chegam a um aeroporto como quem chega a uma paragem de autocarro. Têm trinta ou à volta disso, cursos e mestrados, mas falta "o anel" e o "emprego estável". Como é, afinal, ser millennial?
.
Ai, os 30 anos. Esses tempos entre a juventude e os primeiros anos de
uma idade adulta em que ainda é possível dizer que o melhor está para
vir. Muito mudou quando comparamos o que era a vida dos pais destas
pessoas quando tinham 30 anos e a vida que os filhos têm agora — algumas
coisas simplificaram-se mas também muito se complicou para a geração à
qual os sociólogos chamam millenials e que engloba aproximadamente todos os que nasceram entre 1980 e 2000.
Gente
relativamente nova, mas que carrega um peso milenar sobre os ombros: o
de serem melhores — ou fazerem melhor — do que as gerações anteriores
fizeram. Até à crise financeira tinha sido assim: as gerações futuras
viveram sempre melhor que as anteriores.
Coisas palpáveis, que é delas? As chaves de uma casa, uma
aliança, um carrinho de bebé? Ao menos um lugar nos quadros de uma
empresa. Às vezes a reposta é “nenhuma das anteriores”. Muitas vezes
chamam-lhes arrogantes, neuróticos, irrealistas, egocêntricos sempre colados ao ecrã.
Eles, por outro lado, estudaram como lhes disseram, depois estudaram um
pouco mais, como começou a ser preciso, apenas para entrar no jogo, e
continuaram a estudar porque não tinham emprego.
Eternos ansiosos,
alguns mesmo deprimidos. É fácil brincar com isto. Afinal, que razão
tem um jovem adulto com saúde para se questionar tanto sobre tudo o que
ainda não tem? É que o mundo mudou, mas os os postes e a trave da baliza
continuam no mesmo sítio. Casa própria (ou pelo menos não partilhada),
família e um contrato estável (leia-se: não a recibos verdes) ainda são
os principais indicadores que medem o sucesso da vida.
Tenho muita garganta
Pouca guita ‘pra tinta
Só descrevo o que quiser cantar
Pouca guita ‘pra tinta
Só descrevo o que quiser cantar
Podes ver-me falhar
Até te mostro uma lista
A vaidade não me vai largar
Até te mostro uma lista
A vaidade não me vai largar
Amanhã ’tou melhor
Tenho outras coisas em vista
E a vergonha atrás vou deixar
Tenho outras coisas em vista
E a vergonha atrás vou deixar
Vou mas é decidir o que vou parecer
Não quer dizer que é o que eu vá ser
Vou mas é decidir o que vou parecer
Não quer dizer que é o que eu vá ser
Não quer dizer que é o que eu vá ser
Vou mas é decidir o que vou parecer
Não quer dizer que é o que eu vá ser
Amanhã ’tou melhor
Música Amanhã Tou Melhor – Capitão Fausto
Afinal
a música já explicou tudo. Tanto sobre esta como sobre outras gerações.
Foi sempre assim. As dificuldades sempre lá estiveram. O que faz então
das pessoas à volta dos 30 uma geração sofrida, habitada por culpa por
não serem nem terem tudo o que o mundo aparentemente permite e permeável
a uma permanente sensação de insegurança laboral, mesmo com níveis de
educação superior nunca antes registados?
.
“Sinto que o património
que adquiri ao longo do tempo é excelente, útil e de valorizar e que a
postura em relação a ele de muitos dos mais velhos é precisamente a
contrária: esta diversidade de experiências por vezes é vista como uma
perda tempo porque não resultou, pelo menos não ainda, num emprego bem
pago e numa vida organizada”, diz Rosa, que tem 29 anos, estudou
Programação Cultural, viveu e estudou na Eslovénia, até é casada e até
vive no centro mas quem é que hoje em dia pode garantir que para o ano
as coisas estarão iguais?
O marido conheceu-o em Ljubljana, no meio da revolta contra a austeridade que contagiou várias capitais europeias. Rosa fotografou uma agressão da polícia a um dos manifestantes e foi presa, com o namorado, Janos.
Nas instalações da polícia, o casal, que só viria a casar-se em
Portugal, foi separado. Quando os estavam a levar para as celas onde
deveriam aguardar uma acusação, Janos conseguiu ver Rosa através de uma
parede de um gabinete, que era de vidro. Conseguiu libertar-se dos
polícias distraídos e correu para Rosa, que o beijou sofregamente, entre
lágrimas e abraços.
“A polícia veio separar-nos e
disseram ao Janos: ‘Olha que isto não é uma historinha de amor, pá’. E o
Janos, já imobilizado de novo, gritou: “A minha história sou eu que a
escrevo meu cabrão”.
Seguir um sonho não chega
“A sensação é que não temos nada”, diz Pedro Resendo, que é de Braga,
tem 28 anos, e decidiu este ano pedir um empréstimo para tomar conta de
um pequeno bar na vila. “Depois de estudar turismo, ter feito estágios
em bons hotéis, na Suíça e em França, supostamente o topo da hotelaria
mundial, cheguei aqui e era só mais um miúdo à procura de um emprego
como empregado de mesa — só que não é exatamente isso que eu sou”.
Pedro
diz que não está a desprezar esse trabalho, afinal é um pouco isso que
faz hoje, apesar de ser gerente, só que… “As competências que eu adquiri
lá fora não são necessárias, ou ainda não são procuradas, no mercado de
cá, porque as pessoas não procuram ainda um serviço especializado de
restauração como procuram um bom mecânico. Então, eu tenho quase 30 anos
e vejo-me com uma dívida, uma profissão que continua a ser vista como
‘trabalhar num atrás de um bar’, dependente de um mercado ao qual ainda
não há grande adesão, sem dinheiro para gastar e não sei mesmo se isto
do bar vai resultar”.
"Sinto que o património que adquiri ao longo do tempo é
excelente, útil e de valorizar e que a postura em relação a ele de
algumas pessoas mais velhas é precisamente a contrária: esta diversidade
de experiências por vezes é vista como uma perda tempo, porque não
resultou, pelo menos não ainda, num emprego bem pago e numa
vida organizada"
Casa própria “para já nem pensar”. Pedro vive em casa dos pais e passa
algum tempo com a namorada, que vive com uma amiga nos arredores da
vila. Tem um carro que o pai lhe deu, um bar do qual tira um
ordenado mínimo e mais quatro pessoas dependentes do ordenado, também
mínimo, que ele lhes paga. “É um pouco frustrante, porque nós
até vamos à procura de coisas, do melhor sítio para estudar a área que
escolhemos, fazemos contactos, mini-cursos, temos muito mais facilidade
de adaptação às adversidades de viver num país estrangeiro, por exemplo,
ou trabalhar em várias coisas, mas esse capital não serve para muito,
na realidade”.
Talvez a frase mais correta seja “ainda não serve”, como
explica o sociólogo do Instituto de Ciências Sociais, Vitor Ferreira.
“Para os miúdos que estão agora a sair da primária, a flexibilização do
trabalho, a voragem tecnológica, a procura de experiências por oposição à
construção de um projeto de vida será simplesmente o normal. Mas
esta geração que tem agora à volta dos 30 foi apanhada no meio, na
transição. Ainda sentem alguma pressão para terem a vida estável que foi
ensinada pelos seus avós aos seus pais, mas deparam-se com uma
realidade onde essa estabilidade é muito mais difícil de garantir”, diz ao Observador num escritório polvilhado com livros sobre o comportamento dos jovens e um poster dos Beatles na parede.
A "venda" do sonho "nos anúncios da tv, nas redes
sociais, em todas as campanhas publicitárias nos jornais e pela rua"
como algo que "tem que ser conseguido" é uma coisa que "acentua a
exclusão social". Isto porque, "se a pessoa não conseguir transformar um
desejo numa concretização pessoa,l a frustração é muita" e "é cada vez
mais difícil concretizar os sonhos por causa da precariedade laboral"
A busca pelo sonho contaminou tudo. E se, até certo ponto, não há
sonhos impossíveis, falhar é pelo menos tão certo, se não mais, quanto
triunfar. Para Vítor Ferreira a “venda” do sonho “nos anúncios da tv,
nas redes sociais, em todas as campanhas publicitárias nos jornais e
pela rua” como algo que “tem que ser conseguido” é uma coisa que
“acentua a exclusão social”. Isto porque “se a pessoa não conseguir transformar um desejo numa concretização pessoal a frustração é muita” e “é cada vez mais difícil concretizar os sonhos por causa da precariedade laboral”.
Uma
perceção que parece ser confirmada por quem recebe estes jovens num
consultório de psicologia, como é o caso de Carlos Céu e Silva. “A
realidade desilude: é difícil desenvolver um projeto de vida com
salários tão baixos”, diz ao Observador o psicólogo que, apesar disso,
não acredita que exista uma grande culpa em cima deste grupo, porque “já sabem que o progresso vem, através das mudanças permanentes de emprego, ou mesmo na ida para o estrangeiro”.
O
que não quer dizer que não se esteja agora a desenvolver um sentimento
de “desilusão misturada com alguma angústia”. Para Céu e Silva isso é
“evidente” nos jovens que acompanha e uma das razões tem precisamente a
ver com essa impossibilidade de esboçar “projetos de médio prazo” que
ficam todos “num plano do desejo”.
Num artigo sobre as expectativas e as aspirações da geração millennial para a Harvard Business Review, Cal Newport, professor de Computação e Informática na Universidade de Georgetown, aponta que
“seguir o seu sonho” é uma frase que só apareceu nos últimos 20 anos,
de acordo com o Ngram Viewer, uma ferramenta do Google que mostra quanto
uma determinada frase aparece em textos impressos num certo período de
tempo. Essa mesma ferramenta mostra que a frase “carreira estável” saiu
de moda tendo sido mais ou menos substituída em popularidade pela frase
“realização profissional”.
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É sem dúvida uma geração de “experiências e expectativas”, muito “presentista”, que vive mais o hoje do que planeia o amanhã,
diz o sociólogo, que acrescenta que quem tem agora 30 anos “quer
aproveitar o presente, mas que a palavra ‘aproveitar’ não é puramente
hedonista. Eles pensam: ‘este é o trabalho que eu tenho nos próximos
seis meses, vou fazer o melhor que posso, vou aproveitar isto’ “, refere
Vítor Ferreira.
“É aquela pescadinha de rabo na boca chamada dialética”
Rosa fala perfeitamente inglês e espanhol — e um bom francês– , já
geriu alguns dos espaços mais conceituados da cidade de Lisboa e agora
quer dedicar-se aos seus projetos, que passam por apresentar calendários
culturais às centenas de associações, teatros e galerias da cidade. O
problema é que, subjacente à possível colaboração com os poucos espaços
que lhe responderam às propostas, está sempre uma cláusula que a impede
de aceitar as colaborações: “Pedem que aceite colaborar sem ordenado, ou
então começam a pagar apenas depois dos primeiros três meses, ou pagam
um ordenado de estagiário”, diz Rosa.
É suposto aceitar qualquer coisa, ou é suposto ser-se uma força contra o que é normal aceitar?
“Ainda ontem me ofereceram um emprego numa esplanada seis dias por
semana, seis horas por dia, 300 euros. Como assim?”, pergunta sem
esperar resposta enquanto nos mostra algumas das relíquias que tem em
casa. Atualmente passa os dias a catalogar, digitalizar e inventariar a
obra de vários artistas portugueses do século XX. Já existiu
financiamento para este tipo de projetos, mas Rosa não conseguiu
encontrar qualquer fonte de financiamento. “Basicamente estou a fazer um
investimento concreto de tempo e dinheiro num projeto de interesse
nacional, que está a ser assegurado na íntegra por mim, sem apelo nem
agravo, já que os concursos a financiamento este ano nem abriram”, diz
Rosa.
"Será que os 'crescidos' nos fazem sentir menores pelo
seu sentido de merecimento? Eles fizeram as coisas pela ordem certa e,
mais coisa menos coisa, resultou. E nós fazemos parte desse paradigma:
inconscientemente, temos o dever de os tornar avós, de lhes possibilitar
impressionar os seus amigos com os nossos feitos, de os deixarmos
descansados"
O que Rosa está a fazer é um trabalho de arquivista, é
proteger, tratar, traduzir, restaurar. A única diferença é que Rosa o
faz em casa e não na Biblioteca Nacional. O estudo informal,
fragmentado, diz Rosa, “ainda não é valorizado como é em outros países,
onde os empregadores procuram quem tenha competências em mais que uma
área”. Estudo informal, no entender de Rosa, é estudar fora, viajar,
oferecer o tempo ao ativismo, abraçar projetos sem esperar
necessariamente uma remuneração choruda mas sim uma que seja digna.
São
pessoas que têm valor e sabem-no. “Uma parte das pessoas que, com
trinta anos, ainda consideramos jovens, têm consciência do seu valor.
Sabem que têm ferramentas e conhecimento muito superiores às gerações
anteriores. São mais exigentes e aceitam pior a submissão”. E aí começam
os problemas. “É aí que se instala uma certa revolta, consequência de
uma óbvia incompreensão: como passar para fora aquilo que eu sei? De
facto, esta geração depara-se com esta dualidade, que é não ter oportunidade de mostrar o que vale e sentir-se explorada“, diz Céu e Silva.
É
uma conjuntura injusta, que combina a falta de vagas para os ditos
empregos tradicionais com “um processo evolutivo muito acelerado, onde a
pessoa acaba por não ser o elemento de produção mais importante para as
empresas” e com “uma situação laboral, de concorrência profunda, que
desajusta as pessoas e cria problemas individuais e de grupo, muitas
vezes irreparáveis”, sustenta o psicólogo.
"Uma parte das pessoas que, com trinta anos, ainda
consideramos jovens, têm consciência do seu valor. Sabem que têm
ferramentas e conhecimento muito superiores às gerações anteriores. São
mais exigentes e aceitam pior a submissão. E é aí que se instala uma
certa revolta, consequência de uma óbvia incompreensão: como passar para
fora aquilo que eu sei? De facto, esta geração depara-se com esta
dualidade, que é não ter oportunidade de mostrar o que vale e
sentir-se explorada"
Rosa oferece alguns exemplos dessa incompreensão destacada por Céu e
Silva. “Eu fui diretora d’ Os Fazedores de Letras, um jornal literário
histórico, mas é quase como colocar o símbolo do ‘igual a’ e escrever à
frente ‘perda de tempo'”. Ou “quando planeias uma viagem a Marselha para
ver um dos melhores museus do mundo e quase ninguém percebe
naturalmente porque é que isso tem a ver com a tua formação pessoal e
profissional”. Mas há uma ressalva: “Agora também é certo que só
valorizas o estudo informal, a viagem, o valor da diversidade das
experiências se fores exposto a isso desde novo. Também faz parte da
educação, como tudo”.
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“A exposição à cultura, à arte, ao valor
intangível de uma viagem cria público e aumenta, por contágio, o
interesse nessas mesmas áreas. A falta de investimento na cultura é uma política míope, porque está provado que o turismo cultural pode contribuir muito para o desenvolvimento das comunidades”, diz Rosa.
Se
a casa de Rosa não tivesse paredes de tijolo, teria as que ela fez de
livros. São dezenas de clássicos em cima de livros de História e Arte,
em cima de manuscritos envoltos em papel de seda. “O que é valorizado é o
que contribui para o status quo e assim é incentivado e o que é
incentivado é o que tem reconhecimento social, logo, é o que é
valorizado. É aquela pescadinha de rabo na boca chamada dialética”.
"A exposição à cultura, à arte, ao valor intangível de
uma viagem cria público e aumenta, por contágio, o interesse nessas
mesmas áreas. A falta de investimento na cultura é uma política míope,
porque está provado que o turismo cultural pode contribuir muito para o
desenvolvimento das comunidades"
Desta equação não é possível retirar “os crescidos”. Rosa pergunta:
“Será que os ‘crescidos’ nos fazem sentir menores pelo seu sentido de
merecimento? Eles fizeram as coisas pela ordem certa e mais coisa menos coisa, resultou.
E nós fazemos parte desse paradigma: inconscientemente, temos o dever
de os tornar avós, de lhes possibilitar impressionar os seus amigos com
os nossos feitos, de os deixarmos descansados”.
A experiência de Céu e Silva diz-lhe que “os pais projetam os seus sonhos nos filhos, e quando são confrontados com os tempos difíceis, transmitem dúvida e desalento”.
Não há coisa pior, sublinha, “do que receber dos pais ensinamentos, que
mais não são que truques para sobreviver ou atingir sucesso, seja de
que modo for”.
Canadá, Gâmbia… Bombarral — e ainda bem
Pedro Nascimento tem 32 anos e depois de cinco anos passados entre
quatro continentes diferentes, hoje é agricultor e empresário em Pó,
Bombarral. Estudou Gestão e Marketing na Universidade de Leiria, e,
depois de se ter apercebido que os trabalhos que lhe ofereciam
distinguiam-se pouco ou nada da função de vendedor, e por vezes de porta
a porta, decidiu ir procurar outras experiências. Primeiro ficou por
ali, em Pó, a trabalhar ao balcão de uma empresa de materiais de
construção, depois foi para o Canadá, onde tem família, tirar uma
pós-graduação na sua área, depois andou pela Gâmbia, onde foi trabalhar
para uma empresa de importação de maquinaria pesada. Reino Unido,
Espanha, Polónia, Austrália… “Houve um ano em que saí dez vezes de Portugal”, diz Pedro.
"Pagaram-me sempre muito bem nos escritórios por onde
passei, mas eu não me sentia realizado, o trabalho era seguro mas não
era ali sentado que eu me sentia bem. Claro que me sinto inseguro,
acabei de criar uma empresa cujo sucesso depende maioritariamente da
clemência da natureza, tanto há colheitas fantásticas como posso, em
outro ano, ter um produto de menor qualidade, ou nem ter produto para
continuar a fornecer os meus clientes. Nem sequer compro nada
a prestações"
De regresso à terra onde cresceu, como, e onde, aplica Pedro todo
esse tempo passado lá fora? “Eu acho que essa visão do mundo, conhecer
tantas formas de trabalhar e estar me fez uma pessoa muito mais
preparada para a adversidade mas utilizar, assim, como instrumento, como
currículo, não utilizo. Sou agricultor.
Nunca fui tão feliz, mas não há um dia que não pense na insegurança da minha profissão”,
diz Pedro ao telefone depois de mais um dia — e uma chuvada — a
entregar batatas, cebolas, tomates e limas às mercearias da região.
A
felicidade, diz, vem do que faz no dia-a-dia e não do que poderá a
fazer no futuro. “Pagaram-se sempre muito bem nos escritórios por onde
passei, mas eu não me sentia realizado, o trabalho era seguro mas não
era ali sentado que eu me sentia bem. Claro que me sinto inseguro,
acabei de criar uma empresa cujo sucesso depende maioritariamente da
clemência da natureza, tanto há colheitas fantásticas como posso, em
outro ano, ter um produto de menor qualidade, ou nem ter produto para
continuar a fornecer os meus clientes. Nem sequer compro nada a
prestações”.
Já passou dos 30, mas ainda vive com os pais, ajuda-os com a terra e compra-lhes alguns dos produtos que depois revende.
Está a pensar construir uma casa, mas está solteiro e daí que, casar,
ou ser pai, não seja uma coisa que possa garantir à mãe a curto prazo.
“Os meus pais gostam muito de me ter aqui, mas a minha mãe está sempre a
perguntar quando é que eu penso em casar e que na minha idade já me
tinha a mim. Não se cala com isso, mas eu entendo que seja um desejo
perfeitamente normal e que para eles a construção de uma família seja
algo diretamente associado à estabilidade e à felicidade”, diz Pedro.
"O 25 de abril foi um grande marco, a entrada na UE foi
outro, e aí ficamos expostos ao mundo, tanto económica como
culturalmente, mas não é necessariamente verdade que a estas mudanças se
tenha sucedido uma imediata e transversal evolução de mentalidades"
Não faltou quem lhe dissesse que estava a começar do zero quando já
podia estar numa situação confortável em uma das empresas onde
trabalhou. “O que falta a Portugal é acompanhar a mentalidade de outros
países, europeus mas não só. A ideia de que o trabalho não tem que te dar prazer é estranha para mim e para muita gente da minha geração”, diz
Pedro que, nas suas viagens, encontrou muita gente que sempre trabalhou
para poder estudar. O facto de em Portugal os jovens não terem estas
experiências de emprego esporádicas e variadas pode contribuir, no seu
entender, para aquela mentalidade de “o emprego é para sempre”.
“O
25 de abril foi um grande marco, a entrada na UE foi outro, e aí
ficamos expostos ao mundo, tanto económica como culturalmente, mas não é
necessariamente verdade que a estas mudanças se tenha sucedido uma
imediata e transversal evolução de mentalidades”, afirma Pedro, que
considera que o que falta no país é mesmo as pessoas entenderem que esse
regime “dito normal” do trabalho das nove às cinco, por conta de
outrem, com obrigatoriedade de apresentar números simplesmente não é nem
“mais respeitável” nem “necessariamente mais lucrativo”.
Esta evolução de mentalidade passa muito pela forma como as chefias se relacionam com os trabalhadores. Por cá,
“as chefias assumem uma autoridade muitas vezes desmesurada e pouco
motivadora e os funcionários não se sentem obrigados a responder
ativamente ao exigido. Há uma mentalidade de confronto e não de
colaboração”, refere Céu e Silva, que completa com uma breve
explicação para os elevados números de imigrantes entre estas camadas
etárias: “A ida para fora, mais do que um desafio, é o reconhecimento
das qualidades profissionais que em Portugal é desvalorizado. Ir para
fora não é virar costas ao país, mas pode ser a resposta diplomática (e
forçada) de dizer que o país não valoriza e acarinha os seus e que os
políticos e responsáveis não têm uma visão clara de futuro e vivem
apenas a roer a corda frágil que é o presente”.
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Pedro escolheu investir num novo negócio, mas este modelo não serve a
toda a gente. Há uma tendência para achar que o desemprego se resolve
criando os próprios empregos, mas nem sempre isso é possível. “O Estado
não se devia subtrair ao investimento cultural, porque nem todos os
artistas são marketeers. Posso ser muito boa artista mas não
ser boa a vender o meu trabalho. É preciso que se invista em organismos
com financiamento suficiente para apoiar os artistas e investir no
trabalho dos artistas para que eles não tenham que pensar como
vendedores que não são. O trabalho de marketing não tem nada a ver com a produção artística nem como o valor do trabalho criado”, diz Rosa.
Uma posição ingrata
Também Ana Cabral se vê como uma espécie de equilibrista. Entre a realização pessoal e profissional e a procura de um contrato estável e de um ordenado que garanta uma vida mais independente ficam os dias ansiosos de Ana, que tem 31 anos, vive em Lisboa e tem um doutoramento em Média Digitais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Trabalha como produtora de conteúdos e o trabalho que faz não é perfeito, mas permite-lhe estar ligada ao meio jornalístico e fazer algumas coisas que a maioria dos jornais e revistas já deixaram de ter fundos disponíveis para fazer. O problema é mesmo a instabilidade.
* Um trabalho soberbo de ANA FRANÇA.
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Também Ana Cabral se vê como uma espécie de equilibrista. Entre a realização pessoal e profissional e a procura de um contrato estável e de um ordenado que garanta uma vida mais independente ficam os dias ansiosos de Ana, que tem 31 anos, vive em Lisboa e tem um doutoramento em Média Digitais, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Trabalha como produtora de conteúdos e o trabalho que faz não é perfeito, mas permite-lhe estar ligada ao meio jornalístico e fazer algumas coisas que a maioria dos jornais e revistas já deixaram de ter fundos disponíveis para fazer. O problema é mesmo a instabilidade.
"A ida para fora, mais do que um desafio, é o
reconhecimento das qualidades profissionais que em Portugal é
desvalorizada. Ir para fora não é virar costas ao país mas pode ser a
resposta diplomática (e forçada) de dizer que o país não valoriza e
acarinha os seus"
“Tenho um doutoramento, um contrato a seis meses, renovável,
já na segunda edição, mas sem grandes poupanças, sem casa própria,
filhos, sempre a fazer coisas “extra”, sem grande salário ou
segurança. Sinto-me um pouco perdida, porque não sei exatamente qual
poderá ser o próximo passo para sair desta situação; insegura, porque há
sempre a possibilidade de não conseguir melhor ou, pior, perder o pouco
que tenho”, conta Ana.
Sobre as acusações de que os jovens
adultos “são uns reizinhos”, Ana diz que apesar de já ter lido isso não
entende as acusações. “Deveríamos então, para não sermos
‘reizinhos’, deixar de querer ganhar mais ou abdicar de sentir
satisfação através do trabalho?” As acusações passam “pela
diferença geracional”, mas não só. Os pais de Ana não a pressionam para
ter filhos, nem para encontrar um companheiro, mas há “pais, avós e
patrões” que escolhem analisar as gerações posteriores à luz daquela
máxima “a minha vida não foi assim”. A questão é então entender: porque é
que o modo de estar na vida, os hábitos, os “vícios” de uma geração têm
que ser analisados em relação à anterior?
"Há todas as coisas que sentes que devias ter e vês à
tua volta e depois há o lado racional que pensa 'será que quero isto
mesmo? ou será que quero isto porque é suposto e porque vejo os outros
terem?'" E as perguntas não param de cair: "Como é divorcias o que é
'suposto' da tua vontade? E se forem a mesma coisa? E se pura e
simplesmente as circunstâncias da vida são o que são e logo se vê?"
Não há dúvidas para Ana: “Esta geração foi colocada num posição ingrata, em Portugal e não só”.
Uma situação que está ligada à crise financeira “que talvez tenha
inexorável e genuinamente hipotecado o futuro”. Por outro lado,
continua, “há ideias diferentes entre gerações (pais, avós, patrões)
sobre o que é que se devia estar a fazer e talvez uma ideia diferente do
que é o sucesso.
“Especialmente quando começamos a fazer muitas
coisas que são traduzidas em dividendos e dinheiro”, explica. Os pais de
Ana, tal como os de muitas pessoas nesta faixa etária, conseguiram uma
vida estável. No caso dos millenials: “Ou não temos uma vida
estável ou se temos uma vida estável ela é, muitas vez ou pelo que vejo à
minha volta, uma vida que não dá satisfação”, diz Ana. A
insegurança que vê em si e nos seus amigos advém de “não se conseguir
corresponder às expectativas que havia sobre nós, seja isso auto-imposto
ou não”.
As coisas ficam um pouco mais difíceis ainda para as mulheres.
Quantos inquéritos de supermercado, inscrições no arrendamento jovem,
formulários nas Finanças se podem preencher sem se ficar a pensar
naquele quadradinho que pergunta o números de pessoas no agregado
familiar? Ana diz que “ter mais de 30 anos e ser mulher é uma forma especial de inferno”
porque “há todas as coisas que sentes que devias ter e vês à tua volta e
depois há o lado racional que pensa ‘será que quero isto mesmo? ou será
que quero isto porque é suposto e porque vejo os outros terem?'” E as
perguntas não param de cair: “Como é que divorcias o que é ‘suposto’ da
tua vontade? E se forem a mesma coisa? E se, pura e simplesmente, as
circunstâncias da vida são o que são e logo se vê?”.
Soluções?
Passam todas pela educação, pais atentos, professores preparados. É bom
“estar aberto à mudança sem andar ao sabor do vento” e ter consciência
de que “as fronteiras ainda existem dentro de nós, quer as emocionais
quer as existenciais”.
“Isto lembra-me o filme ‘Tokyo Story'”, diz Ana que, depois, cita o diálogo em questão:
“A vida é uma desilusão não é?”, diz uma das personagens. E a outra
responde, com o sorriso sincero, de quem não considera que essa
axiomática realidade impeça ninguém de ser feliz: “Sim, é.”
* Um trabalho soberbo de ANA FRANÇA.
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