Re:“Qual o maior perigo:
Trump ou os inimigos de Trump?”
Depois desta semana e meia de Trump no poder, estou curioso para
saber se Rui Ramos e Alexandre Homem Cristo mantêm a mesma opinião e se
pensam que o perigo tanto vem de Trump como dos seus opositores
Há uma semana e meia, Rui Ramos escreveu,
no Observador, um artigo em que se mostrava preocupado com os perigos
dos “anti-trumpistas”. Três dias depois, Alexandre Homem Cristo, também
aqui, escreveu um artigo na mesma linha, com vários argumentos
coincidentes. Ambos alertam para o perigo que vem de quem se opõe a
Trump. Homem Cristo nomeia mesmo o sociólogo Boaventura Sousa Santos e o
realizador Michael Moore como representantes desse perigo de esquerda.
Confesso que tenho dificuldades em perceber que, perante um
presidente do país mais poderoso do mundo — que se comporta como uma
criança a responder por twitter a uma actriz; que se comporta
como um adolescente preocupado com o tamanho da sua inauguração; que se
comporta como um herói de um filme violento, a defender a tortura de
prisioneiros —, alguém se lembre de dizer que o perigo para a
estabilidade mundial vem de Boaventura Sousa Santos.
Uma das queixas de Rui Ramos é a de que “Donald Trump já [estava]
sentado no Tribunal de Nuremberga antes mesmo de tomar posse”, ou seja,
antes de ter “tempo para fazer fosse o que fosse”.
Não sei se o problema
era porque Rui Ramos achava que Trump não ia fazer nada do que
prometia, ou porque achava que aquilo que ele prometia não era nada
perigoso. Fosse como fosse, a verdade é que Trump não havia ainda tomado
posse. Mas agora, depois de 11 dias de presidência, já não há como
fingirmos a nossa inocência. Salena Zito, num famoso artigo
sobre a personagem, descreveu-o como alguém que, apesar de ser levado a
sério pelos seus apoiantes, não era interpretado literalmente: “his
supporters take him seriously, but not literally”. Já a imprensa, porque
o interpretava literalmente, não o levava a sério.
Neste momento, é claro que Trump deve ser levado tanto a sério como
literalmente. Prometeu acabar com o Obamacare e, ainda antes de ter
apresentado uma alternativa, já deu ordem para a sua destruição.
Prometeu impedir a entrada de muçulmanos nos Estados Unidos e já deu uma
ordem nesse sentido. Prometeu (acabar de) construir o muro a separar os
EUA do México e enviar-lhes a conta e já ameaçou criar uma tarifa de
20% sobre produtos mexicanos para os obrigar a pagar o muro — que a
tarifa seja paga por americanos e não por mexicanos apenas mostra que
Trump, como a maioria dos políticos, pouco percebe de economia. Depois
desta semana e meia de Trump no poder, estou curioso para saber se Rui
Ramos e Alexandre Homem Cristo ainda mantêm a mesma opinião e se
consideram que o perigo tanto vem de Trump como dos seus opositores.
Há, no entanto, um argumento com que estou totalmente de acordo. Uma
democracia saudável exige que os derrotados aceitem a derrota.
Argumentam, e com razão, que é mau para a democracia quando o derrotado
não aceita a legitimidade do vencedor. A este respeito, Rui Ramos é
bastante incisivo, acusando os adversários de Trump de tentativas de o
“deslegitimar”. Homem Cristo é também muito eloquente: “a solidez de uma
democracia não se avalia só pela forma como se ganha, mede-se sobretudo
pela forma graciosa como se perde.”
“Pela forma graciosa como se perde”. Inevitavelmente, quando li isto,
lembrei-me da forma como, em Portugal, se acolheu o governo de Costa. A
procura pela sua deslegitimação dura até hoje. Não é necessário citar
todos os colunistas e responsáveis políticos que o fizeram, basta ler
Rui Ramos. A 8 de Outubro de 2015, publicou um artigo com o título de “A fraude pós-eleitoral”. A 21 de Outubro, escreveu que só novas eleições poderiam dar legitimidade ao governo que Costa tinha em preparação.
A 23 de Outubro,
depois de o Presidente convidar, como se esperava, Passos Coelho a
formar governo, Rui Ramos fala em “Restauração constitucional”, como se a
ordem constitucional estivesse a ser subvertida pelas negociações à
esquerda, que, naturalmente, se mantiveram. A 27 de Outubro, volta a dizer que só novas eleições podem dar legitimidade a um governo. A 3 de Novembro,
declarava que “o poder corrompe, e o poder de uma maioria parlamentar
forjada no desespero e no cinismo da derrota, corrompe muito mais”.
Falava também em golpadas e argumentava que a oligarquia se tinha
libertado dos eleitores.
Penso que não vale a pena continuar com estas citações. Apenas chamo a atenção que quem, além dos artigos referidos, escreveu outro
a avisar que “isto poderia não acabar bem”, que os líderes de direita
não podiam aceitar este roubos e a vaticinar uma radicalização da
sociedade portuguesa tal que acabaríamos “entre ‘fachos’ e ‘comunas’
como em 1975”, devia ser mais ponderado antes de acusar os apoiantes de
Clinton de querer “voltar os cidadãos contra o sistema democrático”,
como fez há semana e meia.
Enfim, todos temos muito a aprender com Trump. Pode ser que parte da
esquerda, ao ver esta personagem a implementar políticas
proteccionistas, perceba que políticas liberais não são um papão. Mais
importante ainda, pode ser que parte da esquerda aprenda a não se deixar
enganar por populistas providenciais como Chávez. Já a direita
portuguesa também pode aprender umas coisas essenciais. Por exemplo, que
com o discurso anti-politicamente correcto vem o racismo e xenofobia;
e, já agora, aprendiam a perder eleições com “graciosidade”.
IN "OBSERVADOR"
01/02/17
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