HOJE NO
"OBSERVADOR"
Educação sexual. Como se faz lá fora
e com que resultados?
A partir de que idade é que os alunos devem ter Educação Sexual? O que é
suposto aprenderem? Quem deve dar as aulas? E este ensino resulta?
Alexandre Homem Cristo foi conhecer os melhores exemplos.
- A partir de que idade é possível ter e com que idade os alunos têm Educação Sexual?
- Que designação se atribui à Educação Sexual e que orientações existem?
- Quem dá as aulas de Educação Sexual?
- Que evidências existem sobre os resultados da educação sexual?
- So what? Três pontos para o debate em Portugal
O tema é controverso, já se sabe. Desde que foi introduzida nas
escolas portuguesas, a Educação Sexual gera reacções diversas na
sociedade civil. Uns concordam, outros discordam. Uns gostariam que os
conteúdos ensinados fossem mais longe e envolvessem aspectos sociais,
outros acham que mesmo a limitação à biologia já é ir longe demais. Uns
gostariam que as crianças tivessem Educação Sexual logo no 1.º ciclo,
outros acreditam que antes dos 15 anos é demasiado cedo. É, digamos, um
debate cristalizado e que, pontualmente, ressuscita – sem novidades ou
novos argumentos. Foi o que aconteceu recentemente face às alterações
apresentadas pelo governo (áreas da Educação e da Saúde).
Nomeadamente,
face a uma alteração em concreto: antecipar o contacto dos alunos com o
tema do aborto, trazendo-o para o 2.º ciclo (i.e. para alunos entre os
10 e os 12 anos de idade). No debate público, voltou o braço-de-ferro
entre apoiantes e críticos.
Esse braço-de-ferro é, sem dúvida, uma
parte importante do debate (e a mais visível), onde se discutem visões
sobre o papel do Estado na educação para a sexualidade. Mas é,
sublinhe-se, apenas uma parte do debate. Sim, é fundamental discutir o
papel do Estado na educação sexual e estabelecer os seus limites. Mas,
depois, é igualmente fundamental escolher abordagens, definir idades,
orientar os conteúdos, formar os professores. E, claro, colocar o tema
em perspectiva: não sendo este debate um exclusivo nacional, como é que
fizeram os outros países europeus?
É esta a pergunta que aqui se tenta responder. E ‘tentar’ é a
expressão adequada. Porque o primeiro problema em lidar com este assunto
numa perspectiva comparada é a constatação de que existe pouca
informação para comparar entre países, de que esta nem sempre está
actualizada e de que há matérias (como o conteúdo das orientações para a
educação sexual) onde a comparação se aparenta inviável.
Dito isto, há
contudo pistas interessantes que a comparação dos dados disponíveis
permite realçar. Tomando consciência dos limites, são essas pistas que
aqui se exploram.
A partir de que idade é possível ter e com que idade os alunos têm Educação Sexual?
Quando é que é demasiado cedo? E quando é que fica demasiado tarde? Faz
sentido exigir ao Estado que tome essa decisão ou deve confiar-se nas
escolas? O timing é tudo e os factores em causa são muitos
(maturidade, possibilidade de primeiras experiências sexuais, abordagem
pedagógica adequada), pelo que a idade em que a Educação Sexual entra na
sala de aula é uma das questões mais debatidas – pelos pais, claro, mas
também nas próprias escolas.
######////######
EDUCAÇÃO SEXUAL/ IDADE
Tabela 1
A idade a partir da qual Educação Sexual (ED) é oficialmente permitida e idade quando os alunos têm primeiro contacto com ED
Fonte:
relatório "Sexuality Education in Europe" de The Safe Project (2005) e
relatório "Policies for Sexuality Education in the European Union"
(2013) do Parlamento Europeu
Idade ED começa (oficial) | Idade alunos no 1º contacto com ED | ||
---|---|---|---|
Portugal | 5 | ? | |
Bélgica | 6 | 12.5 | |
França | 6 | 13.1 | |
Grécia | 6 | 13.3 | |
Irlanda | 6 | 12.5 | |
Suécia | 6 | 12.1 | |
Rep. Checa | 7 | 13.7 | |
Finlândia | 7 | 11.8 | |
Reino Unido | 7 | 12.1 | |
Alemanha | 9 | 11.3 | |
Áustria | 10 | 11.6 | |
Hungria | 10 | 12.8 | |
Bulgaria | 11 | 13.3 | |
Dinamarca | 12 | 12.2 | |
Noruega | 12 | 12.5 | |
Polónia | 12 | 13.1 | |
Eslováquia | 12 | 12.5 | |
Holanda | 13 | 12.1 | |
Itália | 14 | 12.6 | |
Espanha | 14 | 12.8 |
######///######
Como lidam os países europeus com esse dilema? Os dados falam por si
(Tabela 1) e realçam uma curiosa tendência: mesmo quando formalmente a
Educação Sexual é possível desde muito cedo (por vezes aos 5/6 anos de
idade), as escolas tendem a adiar (até cerca dos 11 anos de idade).
Mais: se a idade mínima oficial for igual ou superior a 13 anos, nas
escolas também se observa uma tendência para antecipar até aos 11/12
anos de idade). Ou seja, o Estado define um ponto de partida mas confia
que as escolas saberão decidir quando iniciar a Educação Sexual. E isso é
válido independentemente do limite mínimo fixado pelo Estado. Na
prática, vai tudo dar ao mesmo ponto: as escolas tendem a introduzir a
Educação Sexual, em média, aos alunos que têm 11 ou 12 anos.
Que designação se atribui à Educação Sexual e que orientações existem?
Na maioria dos casos, o Estado fixa orientações gerais ou conteúdos
mínimos para a Educação Sexual. Mas calma. Não está em causa um projecto
ideológico, não há programas escolares detalhados ou sequer manuais
para adquirir e estudar sobre Educação Sexual. Tal como acontece com a
idade, a opção acerca das orientações curriculares é quase sempre a
mesma: o Estado define orientações gerais e, depois, confia nas escolas e
nos professores para as implementar à medida do que consideram mais
adequado para os seus alunos.
Dito isto, é a partir daqui que a
coisa complica. Afinal, de que forma entra a educação sexual no
currículo e nas salas de aula? Existe, geralmente, a percepção de que a
Educação Sexual deve ser transversal no currículo, uma vez que aborda
questões que estão relacionadas com diferentes áreas disciplinares. No
entanto, no contexto europeu, é pouco comum encontrar situações onde
essa transversalidade seja alargada a mais de duas disciplinas. A
situação mais comum é a de um enfoque especial nas aulas de Biologia e,
complementarmente, numa outra disciplina. Por exemplo, isso é muito
claro no caso belga, onde as dimensões relacionadas com o corpo humano
estão na disciplina de Biologia e onde as dimensões morais estão nas
disciplinas de Ética e de Filosofia. Os exemplos multiplicam-se: de país
para país, a complementaridade às aulas de Biologia pode surgir em
várias disciplinas – na Holanda é através de uma disciplina chamada
‘Sociedade’, na Estónia através da disciplina de ‘Estudos Humanos’.
######///######
EDUCAÇÃO SEXUAL/DESIGNAÇÃO
Tabela 2
Designação geral da Educação Sexual e existência (ou não) de orientações curriculares mínimas, por país
Fonte:
relatório "Sexuality Education in Europe" de The Safe Project (2005) e
relatório "Policies for Sexuality Education in the European Union"
(2013) do Parlamento Europeu
Designação Educação Sexual | Orientações mínimas de conteúdo | |
---|---|---|
Alemanha | Educação Sexual | Sim |
Áustria | Educação Sexual | Sim |
Bélgica | Relacionamentos e Educação Sexual | Sim |
Bulgária | Educação Sexual | Não |
Chipre | Relacionamentos e Educação Sexual | Não |
Dinamarca | Educação Sexual | Sim |
Eslováquia | Planeamento Familiar | Não |
Espanha | Educação Sexual | Não |
Estónia | Outro | Sim |
Finlândia | Educação Sexual | Sim |
França | Educação Sexual | Sim |
Grécia | Educação Sexual | ? |
Holanda | Outro | Não |
Hungria | Planeamento Familiar | Não |
Irlanda | Relacionamentos e Educação Sexual | Não |
Islândia | Educação Sexual | Sim |
Itália | Educação Sexual | Não |
Letónia | Outro | Sim |
Lituânia | Educação Sexual | ? |
Luxemburgo | Relacionamentos e Educação Sexual | Sim |
Noruega | Educação Sexual | Sim |
Polónia | Planeamento Familiar | Sim |
Portugal | Educação Sexual | Sim |
Reino Unido | Relacionamentos e Educação Sexual | Sim |
Rep. Checa | Educação Sexual | Sim |
Suécia | Relacionamentos e Educação Sexual | Sim |
######///######
Há, por isso, em média, maior enfoque nos aspectos biológicos do que nos
aspectos sociais e relacionais da sexualidade. Mas isso não significa
que, em alguns países, não se tenha optado deliberadamente por ir para
além da biologia e discutir os próprios relacionamentos e os afectos.
Por exemplo, na Bélgica a educação sexual é intitulada de
“Relacionamentos e Educação Sexual” – o que não será alheio aos
escândalos sexuais e pedófilos que o país conheceu. Ou, por exemplo, nos
países do leste Europeu, onde está culturalmente enraizado o conceito
de planeamento familiar, devidamente reflectido nas orientações às
escolas. Inevitavelmente, os contextos nacionais (históricos, culturais,
religiosos) têm uma grande influência na forma como a sexualidade é
encarada na sociedade e ensinada nas escolas. E esse contexto surge
espelhado na própria designação oficial da Educação Sexual. Mas há,
igualmente, uma crescente consciencialização de que a sexualidade é mais
do que biologia e que a dimensão afectiva deve estar presente (Tabela
2).
Quem dá as aulas de Educação Sexual?
No final de contas, (quase) tudo na educação se pode resumir ao que
acontece na sala de aula. Como tal, um dos aspectos mais discutidos
sobre a Educação Sexual é quem a deve leccionar. Deve ser um professor
designado e preparado para esse efeito? Devem ser vários professores?
Deve ser um especialista de saúde? Ou, antes, deve ser uma equipa
composta por todos estes? Olhando para os dados (Tabela 3), não parece
haver uma resposta certa. Mas há pelo menos duas opções dominantes.
Primeiro, não existe qualquer caso onde a Educação Sexual chegue aos
alunos exclusivamente através de especialistas de saúde – isto é, sem a
participação ou coordenação de um professor. Segundo, o cenário mais
comum é, em conjunto, um professor designado e um especialista de saúde
serem os responsáveis pela Educação Sexual perante os alunos – assim
cumprindo o propósito de uma abordagem partilhada entre as áreas da
Educação e da Saúde.
######///######
EDUCAÇÃO SEXUAL/PROFESSORES
Tabela 3
Quem dá Educação Sexual nas escolas, por país
Fonte:
relatório "Sexuality Education in Europe" de The Safe Project (2005) e
relatório "Policies for Sexuality Education in the European Union"
(2013) do Parlamento Europeu
Quem dá Educação Sexual? | |
---|---|
Áustria | Professor Designado |
Bélgica | Tripartido (Prof. Designado + Qualquer prof. + Especialista Saúde) |
Bulgária | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Chipre | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Rep. Checa | Professor Designado |
Dinamarca | Bipartido (Vários prof. + Especialista Saúde) |
Estónia | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Finlândia | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
França | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Alemanha | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Grécia | Bipartido (Vários prof. + Especialista Saúde) |
Hungria | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Islândia | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Irlanda | Vários professores |
Itália | Professor Designado |
Letónia | Professor Designado |
Lituânia | Vários professores |
Luxemburgo | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Holanda | Professor Designado |
Noruega | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
Polónia | Professor Designado |
Portugal | Vários professores |
Eslováquia | Professor Designado |
Espanha | Vários professores |
Suécia | Vários professores |
Reino Unido | Bipartido (Prof. Designado + Especialista Saúde) |
######///######
Isto leva-nos à questão que faz toda a diferença: estão os professores
escolhidos para dar Educação Sexual preparados para o desafio? É difícil
de fazer essa avaliação a nível internacional, uma vez que as
realidades na formação de professores variam muito (e a informação sobre
o tema em concreto escasseia). Mas, em Portugal, é um facto público que
há muito que os professores se queixam de falta de formação no âmbito
da Educação Sexual. De resto, num estudo de caso (2015) da implementação
da Educação Sexual no Algarve, cujo artigo científico foi publicado em 2015
na Revista Portuguesa de Educação, essa situação emergiu com clareza.
Inquiridos sobre a sua experiência com a Educação Sexual, os
responsáveis queixam-se do pouco apoio do Ministério, da falta de
formação e de experiência e, aliás, evidenciam algum pouco à-vontade com
a matéria da Educação Sexual face aos constrangimentos sentidos. Ou
seja, pelo menos em Portugal, parece haver um consenso à volta da
necessidade de dar aos professores mais instrumentos e mais formação
sobre Educação Sexual.
Que evidências existem sobre os resultados da educação sexual?
É comum que os debates marcados por algum activismo de ambos os
lados, como acontece com a Educação Sexual nas escolas, sejam
preenchidos por argumentos de resultados contraditórios entre si.
Não é
novidade que, se devidamente torturados, os números dizem-nos o que
queremos ouvir. E esse parece ser o mote de ambos os lados da
trincheira. Quem defende o alargamento da Educação Sexual nas escolas
garante ter evidências dos seus efeitos positivos para o comportamento
sexual dos alunos (através da acentuada diminuição dos factores de
risco). E quem é contra a Educação Sexual assegura que esta formação tem
o efeito negativo nos alunos de acelerar a sua iniciação sexual (e,
pela imaturidade, aumentar os factores de risco). Sim, há estudos para
todos os gostos. Mas há conclusões predominantes, acerca das quais é
possível ter maior confiança sobre a sua fiabilidade.
A primeira dessas conclusões é que há uma relação entre ter apenas informação sobre abstinência sexual e uma menor utilização de contraceptivos.
Ou seja, os alunos que, em vez de Educação Sexual com informação sobre
contracepção, têm apenas informação acerca de abstinência sexual
utilizam menos métodos contraceptivos fiáveis (comparativamente aos
alunos que tiveram informação sobre contracepção). Dito de forma
simples: o método de informar os jovens apenas sobre abstinência sexual
não é tão eficaz quanto outros métodos de Educação Sexual, em termos de
prevenção de comportamentos de risco.
A segunda das principais
conclusões é que há, em média, uma diferença comportamental entre as
raparigas adolescentes que tiveram Educação Sexual na escola e as que
não tiveram. As que tiveram exibem uma menor probabilidade de engravidar
do que as raparigas que não frequentaram aulas de Educação Sexual. Ou
seja, utilizam meios mais eficazes de contracepção. Contudo, a
significância dessa diferença (se é mais ou se é menos acentuada) varia
bastante em função dos estudos.
A terceira das principais
conclusões é que, apesar dos referidos efeitos a curto e médio prazo, a
longo prazo não parece haver diferenças significativas entre os alunos
que tiveram e os que não tiveram Educação Sexual, em termos de benefícios para a sua saúde. Ou seja, não existe associação de longo prazo entre esta formação nas escolas e uma vida mais saudável.
So what? Três pontos para o debate em Portugal
1. A Educação Sexual está consolidada em quase todos
os países europeus e com particular incidência nos jovens a partir dos
11 anos. Independentemente da idade a partir da qual as escolas podem
legalmente oferecer Educação Sexual aos alunos, esse parece ser o
entendimento das escolas e dos professores sobre o momento adequado para
introduzir o tema. Não tendo a Educação Sexual orientações muito
rígidas em termos de conteúdo, isso permite aos professores tomar as
melhores decisões para os seus alunos em termos de timing,
abordagem e conteúdo. Traduzindo: o critério a preservar é o da
confiança. Se, enquanto pai, está desconfortável com o tema ou tem
dúvidas, nada como levar essas dúvidas aos professores do seu filho. E
sem esquecer que é possível falar de temas sensíveis, como o aborto, sem
se parecer com a Isabel Moreira ou a Isilda Pegado.
2.
A Educação Sexual tem, como finalidade número um, educar para a saúde,
para prevenir comportamentos de risco que exponham os jovens a doenças
sexualmente transmissíveis ou a situações de gravidez indesejada. Daí
que seja grande a tentação de abordar a Educação Sexual de uma
perspectiva meramente biológica, neutra e quase mecânica. Será até, do
ponto de vista de um professor, a perspectiva mais confortável. Mas
talvez, hoje, isso já seja insuficiente e esse possa ser um debate que
vale a pena ter: num tempo de exposição constante da intimidade e do
sexo na televisão e internet, o que parece faltar aos jovens não é
informação sobre a mecânica biológica do sexo ou sobre a contracepção,
mas sim sobre os relacionamentos afectivos e a preservação da
intimidade. Há, por isso mesmo, países europeus que já deram o passo de
integrar a dimensão afectiva e relacional na Educação Sexual – como
evidenciam as múltiplas designações que essa formação tem na Europa.
3.
O professor é o elemento-chave da Educação Sexual. Sendo um tema
delicado, a boa preparação de um professor pode fazer a diferença para
melhor – por exemplo, para quebrar receios nos alunos de fazer perguntas
e de expor as suas dúvidas. Isto serve para lembrar o óbvio: importa,
claro, discutir as orientações para a Educação Sexual, mas importa tanto
ou mais proporcionar meios para uma adequada formação dos professores.
Se os professores não estão à-vontade com o tema e sentem que lhes falta
formação para o abordar com os seus alunos, como reconhecem geralmente
os professores portugueses, então aí está um problema. E a sua resolução
deve ascender a prioridade.
O AUTOR
Alexandre Homem Cristo foi
Conselheiro Nacional de Educação e, entre 2012 e 2015, foi assessor
parlamentar do CDS na Assembleia da República, no âmbito da Comissão de
Educação, Ciência e Cultura. É autor do estudo “Escolas para o Século
XXI”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos, em 2013.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário