29/12/2016

CRISTINA PERES

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Começou a queda 
de Angela Merkel?

O que for apurado relativamente à responsabilidade do ataque de Berlim vai determinar qual será o tom da campanha eleitoral para as eleições do próximo outono na Alemanha. A segurança nacional é assunto capaz de eleger e derrubar governos e antes de ter sido reivindicada a inspiração do atentado pelo autodenominado Estado Islâmico, já a extrema-direita alemã estava pronta a crucificar aquilo que classifica de permissividade da política de portas abertas aos imigrantes da chanceler. A polícia está a fazer um bom trabalho na defesa dos cidadãos, mas a política do Governo está errada, defende a Alternativa para a Alemanha (AfD). A líder do partido, Frauke Petry, declarou prontamente ao Telegraph que Angela Merkel já está a dever tempo à sua saída de cena após o ataque que matou 12 pessoas e feriu 48 na capital. Na sua primeira declaração pública após o atentado, a chanceler exprimiu que seria lamentável provar-se que o culpado fosse um refugiado acolhido pela Alemanha: “Seria muito difícil aceitar que foi um refugiado a fazer isto”. Enquanto prossegue a caça ao homem e as autoridades aconselham os cidadãos da capital a manterem o estado de alerta, os berlinenses mantêm a calma, como prova uma reportagem da revista Spiegel, que percorreu vários mercados pelo país e falou com feirantes dos 60 mercados de Natal da cidade, que encerraram por “compaixão e piedade”, mas “não por medo”. O dia foi muito pesado, mas os berlinenses não cedem ao medo. Ao final da noite de ontem, um deputado democrata-cristão sustentava à Deutsche Welle ser demasiado cedo para ligar o atentado à política de imigração alemã, tal e qual o que defendia à RTL uma deputada do Partido dos Verdes. Há 1.500 mercados de Natal em todo o território, é impossível defender a 100% todos os pontos fracos como estes: é uma evidência. A Spiegel TV fez um resumo dos acontecimentos neste video (em alemão e não integralmente legendado). Leia aqui a opinião de Ricardo Costa, que defende que o ataque da Breitscheidplatz resume o ano de 2016 e as mudanças políticas que se instalaram no continente europeu, o qual passará por uma série de processos eleitorais/provas de fogo em 2017.

The Atlantic reporta as reações opostas de Obama e de Trump ao ataque de Berlim. O modo como Barack Obama se reservou a falar em atentado contrastou com a classificação imediata e gritante de Trump que logo lhe chamou "atentado terrorista". Mostra bem a diferença entre os últimos oito anos da administração americana e o futuro que começa já esta mês com a tomada de posse do presidente eleito em 8 de novembro.

​​​​​​​O ataque foi descrito por analistas políticos alemães como uma cópia do massacre de Nice em 14 de julho último. A New Yorker diz que é copiado tal e qual dos manuais de terrorismo, mas há quem acredite que “A luz é mais poderosa do que a escuridão”, como se lê numa mensagem deixada junto às velas na vigília do mercado. Leia comentários neste texto que analisa os acontecimentos em conjunto com o assassínio do embaixador russo em Ancara.

OUTRAS NOTÍCIAS
O corpo do embaixador russo assassinado em Ancara voou ontem ao final do dia para a Rússia. Andrei Karlov foi baleado nove vezes nas costas por Mevlut Mert Altintas, um polícia turco do corpo anti-motim de 22 anos, aparentemente em protesto contra o envolvimento da Rússia na guerra na Síria. A segurança às embaixadas na Turquia foi reforçada enquanto a Rússia e a Turquia rapidamente acordaram que o assassínio do diplomata tinha sido um ato de “provocação”. Vladimir Putin declarou que o ato “sem dúvida tinha por objetivo perturbar a normalização” dos laços bilaterais e do “processo de paz na Síria”. O Washington Post comenta a chegada de uma equipa de detetives russos a Ancara para investigar o assassíno de Karlov.

O atirador da mesquita de Zurique que matou três homens em oração na segunda-feira é suíço e a investigação não encontrou nenhuma prova de ligação islamita, como explica a agência Reuters. Suspeito de ter morto outra pessoa no domingo, o homem de 24 anos, com ascendência do Gana, cujo nome não foi revelado pelas autoridades, apareceu morto a cerca de 300 metros de distância da mesquita. Há suspeita de suicídio e a policia sabe que o suspeito abandonou o emprego na passada sexta-feira, mas as suas motivações permanecem envoltas em mistério.

No Cairo, a chefe da diplomacia europeia condenou os atentados do Egito, Jordânia, Alemanha e Turquia e apelou à “cooperação entre a Europa e o mundo árabe para combater o terrorismo”.

Entretanto na Síria, a evacuação de Alepo deverá estar terminada “dentro de dias”. A data foi avançada pelos ministros dos Negócios Estrangeiros da Rússia e da Turquia e até ontem à noite já tinham partido de Alepo 37.500 pessoas. Como reporta a Al-Jazeera, o Governo sírio autorizou pela primeira que as Nações Unidas enviassem um reforço de 20 observadores para o leste de Alepo para observarem e controlarem o processo de evacuação da cidade destruída.

Já era esperado que uma transição política na República Democrática do Congo não fosse suave nem tranquila, porém a escala e as consequências do protesto contra a permanência do Presidente Joseph Kabila no poder após o termo do seu mandato, que expirou esta segunda-feira, poderão vir a tomar proporções descontroladas. Dos confrontos entre os manifestantes e a polícia já resultaram 20 mortos segundo The Guardian. A Al-Jazeera refere nove mortos na capital Kinshasa e dois em Lubumbashi, no sul, números confirmados pelas autoridades de Kinshasa. O site sul-africano News24 reporta que foram disparadas balas de borracha para dispersar os manifestantes congoloses à porta da embaixada da RDC na capital sul-africana, Pretória. A oposição exige que Kabila, 45 anos, abandone a presidência que ocupou por dez anos nos dois mandatos que cumpriu. Para diminuir as chances de os chefes de Estado se perpetuarem no poder, a nova constituição do país prevê este limite, que Kabila pretende ignorar. As negociações entre o Governo e a oposição não se deram por terminadas, mas o passado pesa: o último conflito no país espalhou-se a nove países limítrofes e afetou durante anos milhões de pessoas, entre mortos e desalojados.

Foram 4.901 as vítimas mortais da travessia do Mediterrâneo contabilizadas pela Organização Mundial das Migrações entre 1 de janeiro e 19 de dezembro de 2016, das 358,156 pessoas que chegaram à Europa, principalmente à Grécia e a Itália. Comparando 2015 com 2016, as proporções mudaram: no ano passado morreram 3.777 dos 1.007.492 migrantes e requerentes de asilo chegados àqueles países.

Um novo grupo armado matou 50 pessoas e obrigou 17 mil outras a abandonarem as suas casas e aldeias na República Centro Africana, denuncia a Human Rights Watch. Os 3R (Retorno, Reclamação, Reabilitação) foram criados no final de 2015 para proteger das milícias cristão anti-balaka a população muçulmana da minoria de pastores Peul e tornaram-se uma ameaça à frágil paz do país. Os 3R são atualmente tropas numerosas (20 mil) e bem armadas capazes de desafiar o exército nacional, como reporta a Reuters.

Em Jacarta, três suspeitos foram mortos pela brigada anti-terrorismo numa troca de tiros relacionada com um engenho explosivo descoberto pela polícia no sul da capital Indonésia.

E os arredores da Cidade do México foram abalados por uma explosão e subsequente incêndio numa fábrica de fogo de artifício em El Pablito, cujo mercado já tinha sido devorado pelas chamas em 2005. Morreram 31 pessoas.

Por cá, o Governo concertou com o Bloco de Esquerda as cedências relativas ao salário mínimo, como faz hoje manchete o Público. A proposta prevê que o salário mínimo nacional suba para €557 em 2017.

O Conselho de Estado "analisou o futuro da Europa, num contexto de incerteza e desafios para a própria Europa e para o mundo", e "manifestou ao engenheiro António Guterres o júbilo e o orgulho nacional pela sua eleição, por aclamação, como secretário-geral das Nações Unidas", lê-se na nota distribuída aos jornalistas no Palácio de Belém.

O fundo que irá reembolsar os lesados do BES poderá ser enquadrado por diploma legal que defina em primeiro lugar a sua missão, capacidade de endividamento, isenção de custas judiciais e a possibilidade de contratar empresas de recuperação de crédito. Leia como. O PCP sustenta que o Estado deveria apenas resolver os casos dos pequenos investidores, defende Jerónimo de Sousa.

Uma boa notícia dá da conta da melhoria do estado de saúde de Mário Soares. Ao fim de uma semana de internamento, o antigo Presidente “mantém uma melhoria progressiva”. Os prognósticos continuam reservados.

Os ministérios das Finanças e Segurança Social decidiram prorrogar o prazo de adesão ao Plano Especial de Redução do Endividamento ao Estado (PERES) por três dias, até ao próximo dia 23 de dezembro. Na origem da decisão esteve a forte adesão dos contribuintes.

FRASES
O Papa Francisco une-se a todos os homens de boa vontade que se empenham para que a loucura homicida do terrorismo já não encontre espaço no nosso mundo”, Papa Francisco a propósito do atentado de Berlim

“Só pode haver uma resposta a isto: os bandidos vão senti-la”, Vladimir Putin referindo-se ao envio de investigadores para a Turquia para perseguirem quem está por trás do assassinio do embaixador russo

"O Estado não deve pagar o regabofe dos banqueiros”, Jerónimo de Sousa à agência Lusa a propósito dos lesados do BES

“Quem dá a casa não tem Natal, não é? A noite acaba e parece que aconteceu ali a II Guerra Mundial”, Cristina Carrasqueira ao Público a propósito de os portugueses escolherem com cada vez maior frequência passarem o Natal em hotéis

O QUE ANDO A LER
“Passei 15 anos a cobrir segurança nacional. Nunca vi nada como o ataque pirata da Rússia” é o título de um artigo que a Vox publicou ontem sobre o ataque aos servidores do Comité Nacional Democrata e à conta de email do diretor se campanha de Hillary Clinton, John Podesta, ambos destinados a roubar e revelar de seguida informação que pudesse prejudicar a candidata democrata à Casa Branca. É como aqui descreve Yochi Dreazan que Vladimir Putin conseguiu denegrir a credibilidade de Clinton perante dezenas de milhar de eleitores norte-americanos.

Mês de dezembro, mês de balanços. Depois de consultar aqui uma serie de fotografias que a agência Reuters selecionou em todo o mundo para figurar o ano que está prestes a terminar, não resisto a recomendar-lhe a leitura desta investigação da Reuters sobre migrantes e refugiados, um dos temas quentes destes dois últimos anos com os quais temos de aprender a viver nas próximas décadas. Mais do que um long read, é uma reportagem multimédia que resulta de muitas horas de trabalho e recolha de dados. Chama-se “The Migration Machine - millions of people, billions of dollars and Europe’s struggle to cope”.

Por falar em fotografia, o britânico The Guardian fez uma seleção dos melhores livros de fotografia que pode aqui consultar.

A seguir ao balanço do que ficou para trás, a futurologia. A revista The Economist preparou uma história séria cujo link aqui fica. É um artigo (não pago) da edição de 27 de dezembro (facultada a assinaturas digitais). “Future Forces: From Politics to Science, our World is Changing. What Will the Future Bring?”.

Se lhe apetecer recuar para tomar balanço, volto a recomendar que use a História do Mundo escrita e adaptada a uma serie da BBC pelo jornalista Andrew Marr, que o Expresso distribuiu em seis edições no final do verão. Nada como condensar milénios em 700 páginas para se verificar - não que a história se repete -, mas que os impérios tiveram sempre uma duração limitada no tempo e que frequentemente acabaram num ambiente de excesso de conforto, ociosidade, riqueza/corrupção e notória desigualdade da distribuição.

IN "EXPRESSO"
21/12/16

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