Declínio e Queda
Um “projeto” que visava garantir a sobrevivência da democracia no continente alimenta os vários populismos de sentido contrário consoante se está num país com orçamentos “à grega” ou “à alemã”.
No espaço de poucos dias, quatro notícias despertaram-me a
atenção por serem, se lidas em conjunto, bastante reveladoras da
condição em que a União Europeia se encontra. A coisa começou com o anúncio
da Comissão Europeia de que não iria aplicar sanções ao Estado
português pelo défice excessivo verificado em 2015. Depois, o presidente
do Banco Central alemão deu uma entrevista
ao Financial Times, em que lamentou o que lhe parece ser a
“desistência” de zelar pelo respeito das regras do Pacto de Estabilidade
e Crescimento por parte da Comissão. Dias mais tarde, uma sondagem da Ipsos
dava a Marine Le Pen, a líder da populista Frente Nacional francesa,
uma vantagem relevante nas próximas eleições presidenciais. E no domingo
seguinte, enquanto os Republicanos franceses votavam na primeira ronda
das suas primárias, na Alemanha, Angela Merkel anunciava a sua recandidatura a chanceler.
Como não poderia deixar de ser, o Governo português deu asas à
bazófia e logo se apressou a apresentar o anúncio da Comissão como um
resultado da confiança desta em si e nos esforços que supostamente está a
encetar para resolver o problema das finanças públicas deste nosso
pobre país. Não sei se o primeiro-ministro e seus subordinados acreditam
no que dizem ou se apenas lhes falta vergonha. Mas não tenho dúvidas de
que a postura da Comissão pouco ou nada tem a ver com Portugal e Costa,
antes tudo com a França e Le Pen: temendo a corrente populista que
parece varrer o mundo das Filipinas aos EUA, e que a sua “austeridade”
ajude a que a França seja incluída na lista, a “Europa” prefere
aligeirar a sua trela, esperando que sem o fantasma “austeritário” a
pairar sobre as suas cabeças, os eleitores franceses prefiram a
“normalidade” de um Fillon ou de um Macron à revolução lepenista.
O problema está em que as eleições francesas não são as únicas que se
vão realizar para o ano. Na Alemanha, o que alimenta o populismo
nacionalista local – para além do partilhado ódio a tudo o que seja
estrangeiro com uma tez mais escura na pele, claro – é, não a
“austeridade” que incomoda os franceses, mas a insuficiência da dita nos
países “esbanjadores” do continente, que os contribuintes alemães têm
depois de pagar. Por isso o senhor do Bundesbank se queixa, e por isso a
senhora da Alternativa para a Alemanha (e Putin, que está em todas)
esfrega as mãos de contente.
Esta é a grande tragédia do Euro: ao juntar numa mesma área monetária
países com economias e um comportamento orçamental tão distintos,
acabou por assegurar que todos têm razão de queixa; os “despesistas” por
não terem flexibilidade para “reanimar” a economia, e os
“disciplinados” por terem de fazer um maior esforço orçamental para
pagar os desvarios dos primeiros. E assim, um “projecto” que visava (nas
suas melhores versões) garantir a sobrevivência da democracia no
continente alimenta os vários populismos de sentido contrário consoante
se está num país com orçamentos “à grega” ou “à alemã”.
Haverá certamente quem veja tal resultado com agrado. No meu caso,
tenho pena que a obsessão federalizadora do “europeísmo” tenha
contribuído para o declínio e potencial queda de algo que melhorou tanto
as nossas vidas. No fundo, a “Europa” está a assistir a uma lição que
muitas crianças têm dificuldade em aprender: em excesso, até uma coisa
boa acaba por fazer mal.
* POLITÓLOGO
IN "OJE/JORNAL ECONÓMICO"
28/11/16
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