HOJE NA
"VISÃO"
"Nenhuma criança consegue ter
sucesso escolar se a sua vida
for só escola e estudo"
"Passamos o tempo a dizer à criança, ‘cala-te, não digas disparates’. Ela cresce, vai trabalhar e quando lhe pedem para fazer 'brainstorming' bloqueia, porque reprimiu a sua imaginação", defende Jorge Rui Cardoso, Professor universitário e autor, em entrevista à VISÃO
Olá! Bem disposto? Esta pergunta não é de circunstância. Na realidade,
sem estares minimamente bem-disposto será difícil seres bom aluno”.
Assim se dirige aos leitores o homem que, aos 58 anos acaba de lançar
mais um livro no mercado. Este Ano Vais Ser o Melhor Aluno – ‘Bora Lá?
(Guerra & Paz, 196 págs., €14,99) alcançou o segundo lugar no top de
vendas de não ficção da GFK e tem uma missão: combater o insucesso
escolar e promover a cidadania.
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Há 26 anos a lecionar no
Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, da Universidade de
Lisboa, o economista doutorado em Ciências Sociais não se cansa de
percorrer escolas de norte a sul do País, desdobrando-se em palestras e
sessões coletivas para alunos, pais e professores, sendo igualmente
conhecido pela sua presença nas redes sociais. O método de estudo que o
tornou popular há quase uma década volta a estar na ordem do dia, logo
no início do ano letivo, com uma mensagem a reter: “A escola e os pais
devem preparar as crianças para serem bons cidadãos e investir nas
competências relacionais e cívicas.” Além de professor e pai, e de
exercer funções no Banco de Portugal, sobra-lhe tempo para projetos
voluntários na área educativa, em Portugal e no estrangeiro.
É muito ativo nas redes sociais. Por gosto ou estratégia?
É
um veículo bom para fazer chegar a mensagem dos livros aos meus
públicos--alvo. Às vezes chegam-me perguntas por esse meio e eu procuro
responder a todas elas com a maior brevidade que consigo.
Porque voltou ao Método do Ser Bom Aluno, que criou há quase 10 anos?
Nas
conversas que fui tendo nas sessões coletivas com alunos e pais, nas
escolas, desde 2008, apercebi-me de que existem pelo menos sete razões
para o insucesso escolar. A desmotivação é a mais comum, mas há outras,
para as quais há sempre uma solução possível. O livro que lancei há
quatro anos centrava-se apenas na minha experiência enquanto aluno.
Também se sentia desmotivado quando era aluno ou tinha outro tipo de dificuldades?
Eu
tive insucesso escolar e chumbei no 4º ano e no 7º ano. Foram
experiências marcantes e, nessas idades, tendemos a pensar que os
outros, pais e professores, já não gostam de nós. Felizmente, encontrei o
atletismo, que me trouxe competências novas, como a disciplina, a
capacidade de cumprir horários, de respeitar o treinador e de adiar a
gratificação. Foi também a oportunidade de vencer medos e arriscar, de
dizer o que pensava. O sucesso escolar veio a partir daí.
Mudar de ciclo ou de escola são etapas mais propícias ao insucesso?
A
sensação de insegurança pode ser grande, por exemplo, quando se passa
de um professor no 1º ciclo para vários no 2º. Ou do ensino secundário
para o superior, que muitas vezes está associado à mudança de local de
residência e de cidade. Muitas vezes, os alunos apanham--se com uma
liberdade a que não estavam habituados. Daí a importância das regras e o
estar atento a indicadores de alerta.
O que é isso de ser melhor aluno?
A
intenção é comparar-se consigo próprio e não com o melhor da turma.
Isso gera frustração. Mais do que ter conhecimento interessa saber
pensar com imaginação e resolver problemas em conjunto. E isso
aprende-se desde pequeno, com hábitos de estudo e outros, como aprender a
respirar, a exercitar o corpo, a dormir com regras e, claro, a brincar
no meio disso tudo. A programação do estudo começa logo no primeiro
ciclo, com técnicas para organizar apontamentos e preparação para os
testes, que deve ocorrer algumas semanas antes das avaliações.
Em que é que o brincar é tão vital para o aluno bem sucedido?
Um
jogo implica regras. Brincar é uma atividade não estruturada, um gesto
anárquico. Até defendi uma disciplina no primeiro ciclo sobre
disparates: não é má educação, é pensamento divergente. Passamos o tempo
a dizer à criança, “cala-te, não digas disparates”. Ela cresce, vai
trabalhar e quando lhe pedem para fazer brainstorming bloqueia, porque
reprimiu a sua imaginação.
As queixas de pais e professores sobre a irrequietude das crianças têm razão de ser?
Há
que desmistificar: a energia, nos miúdos, é uma coisa positiva. O que
não é positivo é querer que tenham notas altas a todo o custo, muitos a
poder de medicamentos, ou estarem de volta dos filhos a fazer os
trabalhos de casa por eles, com prejuízo da autonomia.
Quais são as principais dificuldades que encontrou nos alunos, de norte a sul do País?
O
não saberem programar-se. Chegam à véspera dos exames com um amontoado
de folhas, ainda por cima mal escritas, e começam a ficar com suores
frios. Logo no arranque do ano é essencial que aprendam a equilibrar os
tempos de estudo e de lazer. A vida dos alunos com bom rendimento
escolar não se resume, nem pode, a aulas, TPC e preparação para
avaliações.
O que falta à escola, aos programas curriculares e aos estilos de ensino?
A
capacidade de estimular os alunos a aprender, sem inundá-los apenas de
teoria, de conhecimento. Sabemos que o cérebro fixa melhor coisas que
são essenciais à sua sobrevivência. Tendo isto em conta, o ensino deve
ser orientado para realidades práticas, com exemplos quotidianos. Áreas
como cursos de suporte à vida (primeiros socorros) ou a educação sexual,
podem fazer a diferença e tornar a escola mais apelativa e menos
“seca”.
As políticas de educação seguidas até agora não deram frutos nesse campo?
Há
uma tentativa de melhoria. A substituição dos exames pelas provas de
aferição, por exemplo, pode ter essa vantagem. Todavia, faz falta
substituir a avaliação somativa, com base nos exames e notas
quantitativas, por uma avaliação mais qualitativa, que prepare para a
cidadania, sem apoiar-se em excesso no modelo expositivo. Talvez seja
mais útil apostar no modelo formativo, que fomenta a proximidade entre
professores e alunos em torno de um projeto conjunto. Os pais também
precisam mudar de atitude porque a nota já não é tudo, aprender e
aplicar o conhecimento na vida é mais importante.
O que determina o sucesso escolar?
Os
miúdos precisam de confiar e de acreditar neles, na sua motivação
intrínseca, para investirem tempo e atenção no estudo. E de ter hábitos
de trabalho e método. Nenhuma criança consegue ter sucesso escolar se
estiver triste ou deprimida e se a sua vida for só escola e estudo. Para
viverem a cidadania as crianças precisam de ter equilíbrio emocional,
reconhecer e gerir as suas emoções e perceber que o mundo não gira só à
volta delas. São essas as bases da cidadania, que se aprende cedo na
família: partilha de tarefas, respeito mútuo e regras. Caso contrário, a
criança estranha que alguém lhe venha impor regras na escola quando os
pais não o fazem. Ou têm dificuldade em dizer “não”.
Defende o uso do castigo?
Isso
pode ser interpretado pela criança ou jovem como uma vingança dos pais.
Eu defendo regras e limites: entre ballet e estudo, primeiro o estudo.
Se chegar a casa à noite à hora combinada e sem estar alcoolizado, vai
ter mais autonomia porque foi responsável. Excessos de qualquer espécie,
como o uso de telemóvel na hora de dormir, implicam a retirada de
benefícios ou de autonomia. Isto faz-se logo no jardim de infância, não é
depois.
A procura crescente de explicações é um sintoma da sociedade orientada para o sucesso?
Sou
contra uma cultura de facilitismo e defendo até que haja até uma
educação em termos financeiros. A gestão da mesada, por exemplo, serve
para a criança se habituar a gerir e a fazer escolhas... e não pode vir o
avô ou a avó por trás. Se o aluno perdeu o comboio da disciplina e
precisa de ajuda extra, vai ter de perceber que isso tem custos, que a
família pode ter que deixar de jantar fora ao domingo. E tudo isto deve
ser feito com amor incondicional.
Em que é que isso se traduz na prática?
Na
capacidade de estar presente, de mostrar que estamos tristes. Com a
nota, não com ele, que fez esforço, se realmente o fez. Digo aos pais
para não se focarem tanto no rendimento e no resultado, antes na forma
como os filhos organizam o estudo, ver o que é que eles não perceberam e
identificar o que não está a correr tão bem, para poder melhorar.
Se houve um chumbo no ano anterior, o que devem os pais ter em conta?
Os
pais devem por uma pedra em cima de tudo o que é passado e, se a
criança ainda não for autónoma, programar as coisas com ela. Evitem
medir as coisas em termos de horas. Pensem em tarefas e façam perguntas:
“explica lá o que aprendeste... “ Porque é um incentivo que lhes dão.
E na adolescência?
É
fundamental saberem dizer o tal “não” desde cedo. Nesta altura, os
rapazes tendem a formar grupos maiores em que o líder permanece durante
algum tempo. Nas raparigas, há as best friends num dia, mas no outro já
não... são mais voláteis. E os rapazes têm provações, regras mais
rígidas e riscos estúpidos que mostram perante outros para serem aceites
no grupo. É aqui que entra o valor desse “não” dado antes. O “não” que
lhes vai permitir renunciar à droga, ao charro, porque caso contrario é
fácil entrar na onda.
O que sugere aos pais que se mostram aflitos com os comportamentos de oposição dos filhos?
Os filhos só querem dizer “eu tenho direito à minha opinião” e há que respeitar isso, de forma serena.
A ideia é poder discordar e treiná-los a defenderem os seus pontos de
vista. Só consigo respeitar uma coisa quando a conheço e, além disso, é
com o erro que se aprende.
A escola e a universidade preparam os alunos para o mercado de trabalho?
O
ensino ainda é muito teórico. Há uma preocupação excessiva em dar
respostas ao nível das hard skills, as competências técnicas. Porém, já
se começa a investir no campo das soft skills, as capacidades
relacionais, como o saber ouvir, ter empatia, cooperar e ter um espírito
crítico e construtivo. São essas que fazem bons cidadãos, bons pais e
boas mães.
O que pensa do gap year? Eles são um passo importante para os cidadãos digitais, da Europa?
Se
esse ano de pausa for aproveitado para enriquecer enquanto pessoa, ter
contacto com outras realidades culturais, a trabalhar de preferência,
faz sentido. Agora, isso não deve ser confundido com um ano de férias.
Como foi consigo?
Eu
acabei o curso em julho e em outubro estava a trabalhar. Tive a
vantagem de ficar como assistente estagiário na Universidade Nova e,
dois anos depois, fiz exames de admissão para o Banco de Portugal e
deixei a Faculdade de Economia. E três anos mais tarde voltei ao ensino,
que é a minha paixão.
A sociedade estigmatiza ofertas
formativas que fogem ao modelo universitário? Estou a pensar no ensino
profissional, no Qualifica (que substitui o Novas Oportunidades) e até a
universidade para a terceira idade.
Todas as formas de
adquirir conhecimento são bem vindas e à medida. Temos de aprender todos
uns com os outros e não desqualificar outras iniciativas que podem ser
interessantes, embora diferentes entre si. Na economia temos um
princípio que é o do custo/oportunidade, em que se pergunta o que
estaria alguém a fazer em alternativa à atividade que tem no momento. Se
as alternativas forem piores, é sempre de louvar a que está empenhado,
porque isso tem valor per si e as soluções ideias não existem. Os
estigmas que ainda existem vão acabar por ser ultrapassados.
O que significa para si a responsabilidade social?
Eu
estudei no ensino público, no tempo em que não havia propinas e senti
necessidade de retribuir essa dádiva. Nas palestras que faço, sem cobrar
honorários, digo aos jovens que é importante cultivarem a motivação
intrínseca e o altruísmo para se sentirem pessoas melhores na
comunidade. Além disso, pertenço a um grupo, em Lisboa, que se junta
para distribuir alimentos a pessoas sem abrigo.
Voltamos ao que é ser um melhor aluno. Quer acrescentar alguma coisa a esse respeito?
Os
adultos devem preocupar-se menos com o Ter e ensinar a criança a Ser.
Colocá-la em contacto com desportos, artes, museus, voluntariado. Se o
modelo de ensino for orientado só para a competição, quando os jovens
entrarem no mercado de trabalho não sabem cooperar. O objetivo último é a
cidadania, e se fossemos mais longe, podia resumir-se a esta pergunta:
“Como é que quero ser reconhecido depois de morrer?” Como “uma boa
pessoa” ou por deixar muita coisa?
Como reage o seu filho, com 23 anos, a todas estas iniciativas?
O
Guilherme acompanha estas coisas e posso dizer que é um rapaz
solidário. Estamos em completa sintonia no desporto, costumamos correr
juntos, um vício bom que lhe peguei e ajuda a vencer desafios e testar
limites. Confesso que já me agradou mais, porque ele ganha-me sempre!
* Excelente entrevista da jornalista e psicóloga CLARA SOARES.
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