06/09/2016

ANA PAULA AZEVEDO

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Justiça exemplar 
em Ponte de Sor?

Uma semana depois da escaramuça em Ponte de Sor e da violenta agressão a um jovem da terra pelos filhos do embaixador iraquiano em Portugal, a investigação criminal está a decorrer e o pedido de levantamento da imunidade diplomática dos mesmos já foi feito pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). Quem nos dera que a Justiça funcionasse assim, bem e tão rapidamente, todos os dias e em todas as situações.

É verdade que o caso tem contornos inéditos e a exigir resposta célere. Embora tudo tenha sido muito potenciado pela silly season de agosto e por notícias postas a circular de que os agressores teriam já fugido para escaparem à Justiça (o que não aconteceu, pelo contrário, até vieram assumir as agressões em entrevista à SIC, alegando legítima defesa e tentando atenuar a gravidade dos seus atos).

Mas logo se criou aqui um ‘caso’ em torno da questão da imunidade de que gozam os membros das missões diplomáticas em cada país, incluindo os respetivos familiares como é o caso, o que por muitos foi classificado como um escândalo. Daí a acusarem-se os filhos do embaixador de andarem a cometer crimes porque sabem que nada lhes pode acontecer foi apenas um passo. E, claro, logo se exigiram «interpretações mais modernas» e «atualistas»  de regras que foram acordadas entre Estados em 1961 do Séc. XX, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.

Chegou a defender-se, mesmo, que o MNE, Augusto Santos Silva, perante as notícias sobre o caso, devia antecipar-se à Justiça e levantar por sua iniciativa a imunidade diplomática! Só faltou mesmo defender-se um julgamento imediato, uma vez que as provas já tinham sido todas reunidas pela comunicação social, naquilo que seria o regresso à chamada Justiça de pelourinho.

O que diz a Convenção de Viena é muito simples e não pode ficar sujeito à interpretação de cada um a seu bel-prazer: para salvaguarda de relações civilizadas entre os Estados e para prevenir que os seus representantes sejam alvo de processos judiciais e detenções arbitrárias como forma de pressão ou arma política, prevê-se que gozam de imunidade penal, civil e administrativa no país acreditador.

É claro que isto tem o risco de algum agente diplomático ou seu familiar se servir dessa imunidade para cometer crimes - e por isso mesmo se fixou também que a imunidade não os isenta de responderem perante a Justiça do seu próprio Estado ou então, se dela abdicarem, dos tribunais do país em que foi cometido o crime. Se se refugiarem na imunidade, este país é livre de os expulsar.
E isto tem de ser assim porque nem todos os Estados do mundo têm sistemas políticos e de justiça democráticos e independentes como nos habituámos há muito em Portugal e todos os dias vemos em ação nas séries americanas de TV.

Ponham-se as coisas ao contrário e imagine-se, por hipótese, que um caso semelhante era protagonizado pelos filhos menores de um embaixador português num país cujo sistema de Justiça não desse à partida as garantias de um Estado de Direito democrático como o nosso. E imagine-se até o contrário do que aconteceu aqui e que esses filhos negavam ter agredido alguém. Ou que diplomaticamente Portugal tomara decisões que tinham desagradado ao governo desse país. De certeza que, em tais circunstâncias, gostaríamos que a Convenção de Viena fosse respeitada.

No caso de Ponte de Sor, deixemos, portanto, a Justiça seguir o seu curso. Sendo certo que seria lamentável que o Estado iraquiano não permitisse que os filhos do seu embaixador sejam aqui responsabilizados. Imunidade não é impunidade.

IN "SOL"
30/08/16

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