Justiça exemplar
em Ponte de Sor?
Uma semana depois da escaramuça em Ponte de Sor e da violenta agressão a um jovem da terra pelos filhos do embaixador iraquiano em Portugal, a investigação criminal está a decorrer e o pedido de levantamento da imunidade diplomática dos mesmos já foi feito pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE). Quem nos dera que a Justiça funcionasse assim, bem e tão rapidamente, todos os dias e em todas as situações.
É verdade que o caso tem contornos
inéditos e a exigir resposta célere. Embora tudo tenha sido muito
potenciado pela silly season de agosto e por notícias postas a circular
de que os agressores teriam já fugido para escaparem à Justiça (o que
não aconteceu, pelo contrário, até vieram assumir as agressões em
entrevista à SIC, alegando legítima defesa e tentando atenuar a
gravidade dos seus atos).
Mas logo se criou aqui um ‘caso’ em torno da questão da imunidade de
que gozam os membros das missões diplomáticas em cada país, incluindo os
respetivos familiares como é o caso, o que por muitos foi classificado
como um escândalo. Daí a acusarem-se os filhos do embaixador de andarem a
cometer crimes porque sabem que nada lhes pode acontecer foi apenas um
passo. E, claro, logo se exigiram «interpretações mais modernas» e
«atualistas» de regras que foram acordadas entre Estados em 1961 do
Séc. XX, na Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.
Chegou a defender-se, mesmo, que o MNE, Augusto Santos Silva, perante
as notícias sobre o caso, devia antecipar-se à Justiça e levantar por
sua iniciativa a imunidade diplomática! Só faltou mesmo defender-se um
julgamento imediato, uma vez que as provas já tinham sido todas reunidas
pela comunicação social, naquilo que seria o regresso à chamada Justiça
de pelourinho.
O que diz a Convenção de Viena é muito simples e não pode ficar
sujeito à interpretação de cada um a seu bel-prazer: para salvaguarda de
relações civilizadas entre os Estados e para prevenir que os seus
representantes sejam alvo de processos judiciais e detenções arbitrárias
como forma de pressão ou arma política, prevê-se que gozam de imunidade
penal, civil e administrativa no país acreditador.
É claro que isto tem o risco de algum agente diplomático ou seu
familiar se servir dessa imunidade para cometer crimes - e por isso
mesmo se fixou também que a imunidade não os isenta de responderem
perante a Justiça do seu próprio Estado ou então, se dela abdicarem, dos
tribunais do país em que foi cometido o crime. Se se refugiarem na
imunidade, este país é livre de os expulsar.
E isto tem de ser assim porque nem todos os Estados do mundo têm
sistemas políticos e de justiça democráticos e independentes como nos
habituámos há muito em Portugal e todos os dias vemos em ação nas séries
americanas de TV.
Ponham-se as coisas ao contrário e imagine-se, por hipótese, que um
caso semelhante era protagonizado pelos filhos menores de um embaixador
português num país cujo sistema de Justiça não desse à partida as
garantias de um Estado de Direito democrático como o nosso. E imagine-se
até o contrário do que aconteceu aqui e que esses filhos negavam ter
agredido alguém. Ou que diplomaticamente Portugal tomara decisões que
tinham desagradado ao governo desse país. De certeza que, em tais
circunstâncias, gostaríamos que a Convenção de Viena fosse respeitada.
No caso de Ponte de Sor, deixemos, portanto, a Justiça seguir o seu
curso. Sendo certo que seria lamentável que o Estado iraquiano não
permitisse que os filhos do seu embaixador sejam aqui responsabilizados.
Imunidade não é impunidade.
30/08/16
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