20/07/2016

CLARA MACEDO CABRAL

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The Elephant in the room

Uma irlandesa minha conhecida, recebeu um mail do empregador a recomendar-lhe que tire o passaporte britânico ou, pelo menos, a permissão de residência permanente. Só podem estar a gozar comigo”, desabafou .

Sabem qual é o elefante no quarto da maioria dos londrinos? O Brexit. A questão dos londrinos é só uma: vamos ignorar o elefante ou vamos falar dele? Vá, escolham. Apostem. Porque – de certeza, certezinha – ele é o centro de gravitação consciente ou inconsciente desta metrópole. Da House of Commons, à City de Londres, aos Ministérios e ao Whitehall, às pequenas, médias ou grandes empresas, multinacionais, NHS, reuniões da família Real ou da família da esquina. E já nem falo do vendaval que o elefante levantou além fronteiras: em Bruxelas, Itália ou EUA. Este elefante indesejado, metido à força nas nossas vidas pelo resto do país (pelo país descontente) e que para mal dos nossos pecados não podemos devolver à procedência. O Sr. Elefante, de peso maciço, aterrado sem pára-quedas sobre as nossas cabeças: é preferível falar dele ou sublimá-lo? É que custa admitir não haver território à prova das balas que, à sua conta, se disparam. “Ai votaste Brexit/Remain? Isso é crime de lesa –majestade, com potencial para estragar famílias e amizades.

Custa ver os políticos a matarem-se e esfolarem-se para conquistar o poder. Recobre-se, agora, o fôlego para a maratona que temos pela frente, porque o elefante não vai dispersar. Esse hóspede que consome grande parte das energias emocionais e nos desfoca do que antes era a vida – Ai, o que é feito dessa vida? E as saudades que temos dela – vai continuar no sofá a marcar passo, a marcar presença. A despertar o medo de se tornar morador perpétuo. De que nos roubou o futuro. De que nos atirou – no mínimo – para uma recessão; no máximo, aí uns dez anos pela escada abaixo. Tudo o que resta é manter a esperança – o wishful thinking- de que, amanhã de manhã, o paquiderme será menos mau do que parece.

Desde o dia 23/06 que os europeus de Londres convalescem de uma nódoa negra; e os ingleses de Londres de uma vergonha ignóbil. E em três semanas, já a grande maioria ousou ter conversas inimagináveis em tempos prévios ao Sr. Elefante. Gente que aqui vive há décadas, deu tudo por esta cidade – nela investiu carreira, poupanças, enraizou os filhos – pondera se terá de deitar tudo a perder. Tornar-se-á esta terra pouco amistosa, ao negociar o seu divórcio com a UE?

Casais estrangeiros ou mistos avaliam um cenário B - uma saída de emergência do país - se o peso do elefante arruinar as contrapartidas de aqui viverem. Secretamente, nunca se apreciou tanto estar casado com um cônjuge europeu e poder “dar de frosques”. Nem nunca se cobiçou deste modo um passaporte europeu. “Tu vais poder sair daqui? Eu não..” - já me disseram dois ou três amigos, antecipando a claustrofobia do isolamento ilhéu.

Como era boa, gostosa e sossegada a vida antes deste elefante. Em três semanas, já o governo reverteu a política de austeridade prosseguida sem desvios desde 2010. Porque a prioridade deixou de ser o défice público, passou a ser acalmar investidores, estimular o consumo, evitar a escalada do desemprego.

As reações individuais são extremadas. Há quem decida que é tempo de lutar por permanecer no país, preencha 90 páginas, faça um teste e pague emolumentos, na saga de adquirir cidadania britânica. Há quem se recuse a ser forçado a dar esse passo. Uma irlandesa minha conhecida, recebeu um mail do empregador a recomendar-lhe que tire o passaporte britânico ou, pelo menos, a permissão de residência permanente. “Só podem estar a gozar comigo”- desabafou – “Eu sou visceralmente anti-inglesa.” Há quem aproveite a oportunidade para negócio singulares, como pôr a casa à venda num mercado que atingiu o pico dos picos, e arrende provisoriamente enquanto aguarda o inevitável desabamento.

Na rua, uma artista distribui crachás com dísticos “Amo a UE”. De alto a baixo do seu casaco, há um painel de letreiros: “Estou despedaçada” (I’m shattered)“Uma de 48%” (One of 48%)“Refém Europeia” (EU Hostage).Há quem diga que nos vamos habituar de tal modo ao elefante que ele irá progressivamente apagar-se, tornar-se invisível. Por agora, só há mesmo uma forma de lhe escapar. É fazer as malas e ir de férias. E quando voltar, esperar que estejamos todos mais habituados à sua presença. Ou quem sabe, esquecidos dela. Existiu alguma vez um elefante destes? Neste país?

Relembrem-me, por favor.

IN "i"
18/07/16

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