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* Professor da Universidade de Coimbra
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
19/05/16
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Pior era impossível
Ao
insistir no financiamento público dos colégios privados mesmo havendo
vagas suficientes na rede pública na área correspondente, a direita
mostrou o seu pior como “direita dos interesses”. Nunca se viu tanta
hipocrisia na arte de capturar e saquear o Estado em proveito privado.
1. Na questão dos colégios privados, o
Governo mostrou uma enorme generosidade na hora de decidir e a direita
mostrou o pior de que é capaz na instrumentalização do Estado ao serviço
de interesses privados.
O Governo não só vai cumprir os contratos de financiamento em vigor
até ao termo do ciclo plurianual a que respeitam, apesar de a maior
parte deles serem ilegais, por não preencherem falhas da rede pública,
mas também se propõe fazer contratos de financiamento para novos ciclos
letivos no próximo ano em quase metade dos casos, apesar de há uns anos
um estudo ter mostrado que cerca de 80% dos colégios financiados não
correspondiam a carências efetivas da rede pública. Ora, entretanto, a
procura escolar diminuiu por razões demográficas e a rede escolar
pública expandiu-se, pelo que os casos de carência deveriam ter-se
reduzido.
Contudo, em vez de agradecerem a deferência governamental, parece que
há colégios privados que se preparam para impugnar nos tribunais a
decisão do Governo quanto à redução dos novos contratos. Arriscam-se
obviamente a ficar sem nada. De facto, se os colégios avançarem contra o
Estado, é evidente que o Governo pode (e deve) invocar a ilegalidade da
maior parte dos contratos existentes, a fim de deixar de os cumprir.
Quem tudo quer, arrisca-se a tudo perder.
2. Ao insistir no financiamento público dos
colégios privados mesmo havendo vagas suficientes na rede pública na
área correspondente, a direita política mostrou o seu pior como “direita
dos interesses”, apostada em fazer pagar aos contribuintes uma choruda
renda a um poderoso grupo de interesses.
Em geral, a direita acha que o Estado não deve subsidiar atividades
privadas –, exceto quando são as dos seus. A direita acha em geral que
os serviços públicos devem ser pagos pelos utentes –, mas nesta questão
defende que os contribuintes devem pagar um serviço privado. A direita
acha em geral que os Estados devem evitar gastos públicos supérfluos –,
exceto quando se trata de servir uma dileta clientela sua. Nunca se viu
tanta hipocrisia e tanto farisaísmo político na arte de capturar e
saquear o Estado em proveito privado.
Um dos mais tristes espetáculos neste debate foi o de alguns juristas
sem escrúpulos que vieram tentar tresler a Constituição para concluir
que afinal o Estado tem a obrigação de financiar todos os colégios
privados para garantir a “liberdade de escolha” e que, portanto, o
Estado anda há quarenta anos a fugir às suas responsabilidades.
Patético!
3. O financiamento público de escolas privadas no
ensino obrigatório só existe porque o Estado não tem cumprido a sua
obrigação constitucional de manter uma rede de escolas públicas que
cubram adequadamente toda a população. Por definição, os “contratos de
associação” devem ser uma solução transitória e destinada a desaparecer,
por desnecessária.
Por isso, a poupança com a redução dos novos contratos deve ser
destinada prioritariamente a torná-los dispensáveis num futuro próximo,
colmatando as falhas da rede pública e apostando na qualidade da escola
pública, como garante da universalidade e igualdade no acesso ao ensino e
da realização do direito constitucional ao ensino, sem privilégios nem
exclusões. O direito público ao ensino é o direito à escola pública.
* Professor da Universidade de Coimbra
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
19/05/16
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