Pirâmide de Maslow?
Dizem que sempre chegamos ao sítio onde nos esperam, não é? Portanto, eu vou continuar a levar a dedicação às costas, persistência nos dedos, sonhos no sorriso, amor no coração
Ultimamente tenho dedicado muito tempo a pensar na pirâmide de
Maslow. Tenho tentado ver a minha vida através desse triângulo com um
vértice brilhante, como se fosse um farol com luz isofásica. Sempre me
fascinou a forma como Maslow estratificou hierarquicamente as nossas
necessidades, desde as mais intestinais às mais etéreas. Era de facto um
homem extraordinário que conseguiu materializar todas as nossas ganas
desde as físicas às mais subjectivas.
Partimos sorrateiramente das mais primárias, básicas das básicas como
as fisiológicas, pois ninguém escala a pirâmide do Everest de estômago
vazio… Depois, munimo-nos do respectivo equipamento, cordas, arnês e
afins, tudo para nos aferir segurança e tranquilidade. Temos um
trabalho, somos alpinistas na montanha da vida. Quando temos tudo isso
bem seguro passamos para dois níveis diferentes, a necessidade de amor,
afecto e, no outro patamar, de estima e reconhecimento.
Bem, aqui podemos descansar um bocadinho porque são patamares que
exigem muita dedicação e preparação física, não basta carbonato de
magnésio para secar a transpiração das mãos e aumentar a aderência, não,
não! Aqui, transpira-se na mesma e a aderência escasseia… Estes níveis
são difíceis de passar e já não temos “vidas “para usar, já se foram
todas.
Estamos na antecâmara do último nível, de ganhar o jogo, de chegar ao
vértice da pirâmide, portanto, há que sedimentar bem estes patamares
para esta construção não oscilar com as nortadas! Aqui temos de nos
instalar, dedicar, nutrir, mimar. Aqui, temos de nos dar, de nos
entrelaçar. Temos de amadurecer ideias, deixá-las maturar e respirar.
Aqui, as coisas partem do coração, tem de existir oração. Então, mas, e
se eu não tiver cara metade? E se não gostarem de mim? Como enterro eu a
minha bandeira no vértice da montanha? Posso saltar etapas? E se eu
achar que a minha auto-realização passa por uma vida nómada, sem uma
casa fixa, sem uma zona de conforto? Nunca vou sentir o sentimento de
auto-realização? Fico aqui presa a ensurdecer num jogo de espelhos
sociais? Esta pirâmide mais parece um labirinto então, ou será que pode
ser deformada?
Tendo em conta os dias que correm, esta pirâmide já é obrigada a ter
escadas de emergência porque quando nós achamos que a fase dois está
completa com sucesso solta-se uma corda e lá vamos nós outra vez
“procurar emprego” e estabilizar essa fase. Ai que desassossego!
Querido Maslow,
estou confusa! Espero que os patamares sejam permeáveis e que, de vez
em quando, façam umas permutas amigáveis, porque senão está o caos
instalado e isto mais parece a pirâmide de Babel. Dizem que sempre
chegamos ao sítio onde nos esperam, não é? Portanto, eu vou continuar a
levar a dedicação às costas, persistência nos dedos, sonhos no sorriso,
amor no coração e "maktub" no pensamento. Um dia escrevo em cima do
farol.
* Advogada e tem alma de escritora emigrante
IN "PÚBLICO"
04/05/16
.
Sem comentários:
Enviar um comentário