07/03/2016

DOMINGOS DE ANDRADE

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E ao menos demitir-se, não?

O embaraço não é de Maria Luís Albuquerque. Deputada, ex--ministra das Finanças, ex-responsável por assinar por baixo a utilização de instrumentos de gestão de risco financeiro (os chamados swap) para empresas públicas, futura ex--estrela em ascensão no PSD. Ela seguirá a vida, e sem pudor, parece, manter-se-á como deputada da nação.

O embaraço só pode ser de Pedro Passos Coelho, ex-primeiro--ministro do Governo da ex-ministra, deputado da nação, líder do PSD, candidato a ser novamente primeiro-ministro. Ele, sim, tem razões para estar embaraçado. Às vezes não sabemos quem acolhemos dentro de casa, mas a responsabilidade é sempre nossa por não sabermos. E é nossa se os mantivermos.

Já para não falar do líder da bancada parlamentar do PSD, Luís Montenegro (é preciso pôr os nomes todos hoje), bem como dos outros 102 deputados que todos os dias se sentam juntos no Parlamento. Estes não cabem cá todos. Mas cabe José Matos Correia, "vice" de Pedro Passos Coelho, que se refugia na legalidade e para quem "não há nenhuma incompatibilidade que pudesse obstar à aceitação do convite". Estamos conversados.

O embaraço também não está na legalidade ou ilegalidade da contratação de Maria Luís Albuquerque por uma empresa anglo--saxónica cuja missão principal é analisar o risco, angariar e recuperar dívida pública e privada. O que fez, direta ou indiretamente, com o Banif quando o Estado era detentor de 60% do banco e a ministra das Finanças era a agora deputada.

A vergonha mesmo é sabermos que é assim. Que os cargos da política parecem ser ocupados por gente que não serve o público mas se serve do público. E que a promiscuidade (assim de memória seria capaz de citar uma dezena de casos), transversal aos três partidos de poder e sem imunidades governativas, já se entranhou nos corredores da Assembleia e dos ministérios.

Ao menos podiam disfarçar. Só para nós também fazermos de conta que os respeitamos.

P.S.: O Banco Santander Totta ganhou o braço de ferro com o Estado português sobre a validade dos contratos swap assinados pelas empresas públicas Metropolitano de Lisboa, Carris, Metro do Porto e STCP. A decisão de romper com os contratos, suspendendo os pagamentos devidos, foi da ex-ministra das Finanças Maria Luís Albuquerque. A dos parágrafos anteriores. E então foi aplaudida. A questão aqui não é essa. É de presente e de futuro. O ministro Mário Centeno já veio dizer que os 1,8 mil milhões de dívida vão ter impacto nas contas públicas. Que é como quem diz, lá vem mais um retificativo e um aumento de impostos. Preparem-se.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
05/03/16

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