19/03/2016

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HOJE NO 
"OBSERVADOR"


“O ‘call center’ deu-me cabo da vida”

O que fazem não é reconhecido como profissão. Mas o trabalho em "call centers", apesar de precário, não é mais ocasional; há quem o faça há décadas. Com que consequências na saúde? Muitas. E graves.
  1. Proibiam-nos de ir à casa de banho”  
  2. Síndrome de burnout: “O tratamento começa na chefia”  
  3. Mas quem são, afinal, os “donos disto tudo” nos call centers em Portugal?
  4. O que há a fazer por uma profissão que não o é? Tudo
  5. Sim, sou precário. Mas prefiro sê-lo num call center do que na minha área. É menos humilhante”
— Estás logada!

Mal escuta a frase, o seu corpo curva-se na cadeira. Uma cadeira ruça no assento, bamboleante nas rodas, a ranger no encosto. Aproxima-se do ecrã. A visão de Alice já não é o que era. Encaixa o headset no melhor dos ouvidos. 
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No começo “era cada um melhor que o outro”, garante. Aproxima o microfone à boca — nos ouvidos há escolha, nas cordas vocais não, está rouca. Cai uma chamada, depois outra. Chegam a ser dezenas por hora. Ora se vende um cartão de crédito – e quando não se vende, não há comissão ao fim do mês –, ora se resolve em três tempos o problema de um cliente de telecomunicações ou eletricidade. O supervisor, lá de longe, diz que há mais chamadas em espera e é tempo daquela acabar.
 Do outro lado da linha ouve-se de tudo, desde agradecimentos mil a impropérios de fazer corar o mais despudorado dos poemas de Bocage.

Alice Caetano tem hoje 50 anos e é operadora em call centers desde 2002. No começo deste ano, deslogou-se de vez. A expressão “logar” (aportuguesada do inglês login) é usada nos call centers para que o operador saiba que está pronto a atender. A decisão tomou-a para preservar a saúde, a mental e a física, que se deteriorou com tantos anos na mesma rotina: sentar, atender, desligar; atender, desligar; atender; desligar; respirar; atender, desligar. Horas a fio. Anos a fio.

Formou-se em gestão bancária, mas nunca trabalhou na área. O mais próximo que Alice esteve de o fazer foi num call center do Banco Espírito Santo. Estávamos em 2008. E o ordenado que trazia para casa estava longe de ser o de um gestor bancário: 550 euros. Foi em 1986 que teve o primeiro emprego como administrativa. Chegou a ter uma papelaria sua, na Penha de França, que abriu em 1996 e fechou, anos depois, em 2002, “por causa da crise”. 
Mas antes mesmo de a fechar, e com os jornais à mão de semear, foi folheando os classificados à procura de emprego. Foi a dezenas de entrevistas, em bancos, seguradoras, tudo o que aparecesse. Entre a precariedade do call center e o desemprego, não hesitou.
“Precária? Precária eu sempre fui. Mas se soubesse o que sei hoje, não tinha aceitado. Arrependo-me”, confessa Alice.

“Proibiam-nos de ir à casa de banho”
 Mas afinal, do que se arrepende Alice? O que a desiludiu? “Nos últimos anos estive no call center da PT – se não é o pior call center onde trabalhei, é certamente um dos piores. O ordenado é o mínimo nacional. Estive lá quatro. Fazia a retenção de clientes que queriam desistir do serviço da Meo. O primeiro ano até correu bem: havia formação para quem chegava ao call center, havia um supervisor que se deslocava de lugar em lugar para nos ajudar se preciso fosse, era tudo um mar de rosas”, lembra.

* Escravatura "de ponta"

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