Quando se confunde
a obra-prima do mestre
com a prima do mestre-de-obras
1. Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e
política para governar, o desemprego voltou a subir, a emigração não
parou, o investimento não cresceu, o débil crescimento económico
estagnou e os casos TAP e Novo Banco agigantaram-se (na TAP vendem-se
terrenos e prédios para pagar a factura da compra e no banco há que
injectar 1400 milhões até ao fim do ano).
Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e
política para governar, António Costa foi dizendo, cá, que havia chegado
o novo tempo: o da recuperação de salários e pensões, da descida de
impostos, do investimento na Saúde, na Educação, na Ciência e na
Cultura, do fim da austeridade. E foi dizendo, lá, em Bruxelas, que
cumpriria as regras orçamentais acordadas, baixando défice e dívida.
Subida a ladeira do poder, também aqui o tempo é novo: o de cumprir, fazendo.
2.
Enquanto se discutiu o problema da legitimidade constitucional e
política para governar, vieram a público dois importantes relatórios em
que se analisa a Educação nacional. Refiro-me ao Estado da Educação
2015, do Conselho Nacional de Educação, e ao Education at a Glance 2015,
da OCDE. Pelo primeiro, ficámos a saber que o insucesso escolar
aumentou nos últimos três anos, em todos os anos da escolaridade,
enquanto diminuiu, pela primeira vez em 41 anos de democracia, a taxa de
cobertura do pré-escolar. Com o segundo, verificamos que a diferença
entre gerações, no que a qualificações respeita, é a maior de todos os
países que integram a OCDE e que o esforço das famílias para financiar
os estudos superiores é o maior da União Europeia. A um e a outro
registo não é alheia a natureza da ideologia que pontificou na última
legislatura, durante a qual todas as políticas públicas foram marcadas
por uma “economização” bruta, que as redefiniu e geriu como se de
simples mercadorias se tratasse, propalando-se mesmo a ideia segundo a
qual os direitos humanos fundamentais, as dimensões básicas da vida, em
que a Educação se inclui, dependem da conjuntura económica por que se
passa.
3. Se relativamente ao tópico 1 aguardo para ver, relativamente ao 2 já vi, de António Costa, que chegue.
Vi
disparates de quem não sabe do que fala em matéria de concursos de
professores e banalidades no mais, quando apresentou 55 propostas de
intervenção, a que chamou “o primeiro capítulo do programa de Governo”.
Referi-o nesta coluna em 6 de Maio transacto.
Vi generalidades,
recuperação de tristes conceitos de Maria de Lurdes Rodrigues, propostas
ocas e ideias implícitas de pouca consideração pelos professores
portugueses, em sede de programa eleitoral. Tratei-o em artigos de 12 de
Agosto e de 9 de Setembro.
E vi, por fim, o epílogo de um
percurso, que desvaloriza a complexidade dos problemas do sistema de
ensino, quando nomeia para a pasta um jovem cientista de 38 anos, de
mérito reconhecido internacionalmente na sua área, mas que saiu do país
aos 23, viveu os últimos 15 no estrangeiro e de quem não se conhece uma
linha escrita sobre Educação, ou um pensamento expresso sobre o tema. A
naturalidade e a candura com que Tiago Brandão Rodrigues fala das coisas
que viveu geram empatia imediata e genuína. Isto, que é muito para uma
primeira impressão, é pouco mais que nada para fazer rápido o que é
urgente, em matéria de Educação.
Que se seguirá? O Parlamento a governar e Tiago Rodrigues na lapela de Costa, a ver?
O
fim dos exames nacionais de Matemática e Português do 1º ciclo do
ensino básico, que sempre defendi, merecia um processo diferente daquele
que igualmente sempre critiquei: a mesma lógica impositiva que os criou
foi usada para os abolir.
Estes exames, de que sempre discordei,
repito, são um epifenómeno menor de uma questão maior, qual seja a de
conferir coerência à avaliação educacional, dando instrumentos e meios
para tornar eficaz a sua vertente mais nobre, a formativa, a única que
pode resolver o insucesso e o abandono. Gostaria de ter visto serenidade
onde se pode apontar ímpeto revanchista. Gostaria de ter visto um
normativo global do Governo em vez de uma intervenção casuística da
Assembleia. Gostaria de ter visto preocupação democrática para obter
compromissos de prazo suficiente, que parassem o faz/desfaz em que
vivemos há 41 anos, perdendo recursos e tempo, sem audição dos que
estudam e investigam, sem respeito pelos alunos, pelos pais e pelos
professores. Gostaria de ter visto uma Esquerda superior, preocupada com
o que a Direita sempre desprezou.
Oxalá me engane e a breve
trecho o jovem ministro da Educação me tenha aqui a retractar-me do que
hoje escrevo. Mas a convicção de momento é que perdemos um cientista de
gabarito sem ganharmos um ministro capaz, porque António Costa confundiu
a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras.
IN "PÚBLICO"
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