Sobre uma irritação
com dedos em riste
Nos vídeos do Estado Islâmico há sempre dedos espetados. Ameaçadores. Dadores de lições de que não precisamos.
Um dedo estendido. O vídeo do ISIS – ou ISIL, ou DAESH, escolham como
chamar-lhe porque a mim só me apetece nomeá-lo por palavras que não
podem ser escritas numa revista séria –, o vídeo pós-atentados de Paris,
passa uma e outra vez nas televisões internacionais. Tem homens
barbudos de turbantes e com armas na mão. Alguns têm lenços
descolorados, outros, pretos. Todos têm armas na mão que empunham como
quem o faz com um troféu. Nenhum soldado normal agarra na sua arma
assim.
Nenhum soldado tem tanto orgulho na sua arma – costuma ter mais
orgulho em si próprio ou nos valores que defende e por que faz a guerra.
Os guerrilheiros do tal ISIS, ISIL ou DAESH dependem daquelas armas,
elas são a única coisa que atesta a sua força num mundo inteiro que lhes
é completamente hostil.
E há os dedos. Espetados, em riste. Em todos os vídeos. Com todas as
personagens. Acusando. Ameaçando. Todos os porta-vozes têm, nestes
vídeos, o dedo estendido e, enquanto falam, apontam na nossa direção. Já
repararam? Empunham-no perante as câmaras que os filmam e sabem que o
fazem na nossa direção, dos que os estaremos a ver através da internet.
Não ameaçam apenas Obama, Hollande ou Cameron. Fazem-no com todos
nós, cidadãos do mundo. Somos os seus alvos e a nós se dirigem. Com o
dedo em riste. E não, não lhe chamem máquina de propaganda altamente
organizada, por favor. Os vídeos têm qualidade, é verdade. Mas qualquer
adolescente que tira selfies sabe o que é fazer um vídeo e parecer ameaçador.
Este é um pormenor que me poria com os nervos em franja, não houvesse
todas as outras razões para ter raiva. O que dizem, a estupidez da
ameaça, o vazio do que significam. E as consequências trágicas que tudo
isso já teve. Ora há, descobri depois da irritação, explicações
simbólicas para o dedo em riste. Diz que é um sinal religioso. De um só
Deus, que faz parte das primeiras partes de todas as orações sobre o
profeta, e Deus, o único.
A última coisa de que me apetece falar é de religião, por estes dias.
Mais uma vez, como em todas as circunstâncias recentes, pós-internet, o
mundo ganhou nesta última semana mais uma mão-cheia de especialistas em
religião, em geral, e em islamismo em particular. Há-os que já sabem os
princípios que dividem sunitas de xiitas, o que levou ao aparecimento
de salafitas, e conseguem quase dizer de cor as suras. Os que conhecem
todas as razões para o aparecimento deste bando de radicais e, lá está,
porque põem o dedo para cima.
O dedo em riste. Já me irritava quando havia dedos em riste a tentar
educar-me, e havia razões para isso. Agora, não há. Ou haverá, sim, mas
não as lições que me podem ser dadas por uns rapazolas que o que sabem
da vida é como resolver problemas a rajadas de Kalashnikov. Dizem que me
estão a dar lições de moral. Talvez. Porque eu vejo-os, com o dedo em
riste, e apetece-me imediatamente soltar os cabelos, beber uma bebida
bem forte numa esplanada de Paris. Ir ouvir o concerto de uma banda de
que nunca ouvi falar. Dançar a noite inteira. Ou mandá-los a eles
fazerem bom uso do seu próprio dedo em riste.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
22/11/15
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