Carta a um jovem universitário
Querias ser um universitário e aqui estás
tu a poucos dias de cumprir esse sonho. Estes serão anos inesquecíveis.
Torna-os singulares. Traça o teu percurso. Constrói a tua aprendizagem.
Faz amigos para a vida. E ganha coragem para recusar práticas de
carneirada que renegam o espírito universitário. Como as praxes.
Daqui
a pouco tempo, estarás em anfiteatros cheios de jovens iguais a ti.
Mesmo assim correspondem a um pequeno grupo de portugueses. Parecem
muitos, mas não serão assim tantos como seria ambicionável. Os
professores que, em cada unidade curricular, encontrarás uma vez por
semana terão dificuldade em saber o teu nome. Estarás integrado num
grupo que se renova em cada semestre e não há capacidade para dominar
rapidamente todos os nomes. Isso não será o mais importante. Tu sabes
que és singular e é isso que importa tornar distintivo. Não encares as
aulas como momentos para tirar irrefletidamente apontamentos ou como um
tempo para consultares o Facebook ou os teus sites preferidos, tendo
como ruído de fundo a voz do professor. Cada aula deverá ser sempre uma
oportunidade para aprenderes alguma coisa, mesmo quando o docente é
monocórdico e a matéria parece não ter qualquer interesse.
Para
além das aulas, há um curriculum paralelo que convém integrar num tempo
onde cabe tudo. Lembrava Abel Salazar que "o médico que só sabe medicina
nem de medicina sabe". Em qualquer universidade, há inúmeras atividades
(desportivas, culturais, sociais...) que poderás incorporar numa rotina
que todos os dias terá sempre inesperados elementos. Isso tornará os
teus dias únicos, mas tu terás de fazer com que essa singularidade
aconteça a cada momento. E, mais tarde, perceberás que essas
oportunidades se constituem como uma valiosa fonte de aprendizagem.
É
claro que, por esta altura, deverás experimentar algum receio daquilo a
que chamam praxes. Não tem qualquer fundamento esse teu temor. Os
praxistas mais radicais são, por norma, um conjunto de estudantes que
costuma aparecer por esta altura nas universidades cujo curriculum se
circunscreve a uma vergonhosa acumulação de matrículas. Findo este
período, desaparecem. São aquilo que outrora poderíamos considerar os
burros do sistema. Eles denominam-se "doutores". Cabe-te, a ti,
legitimar tão abusivo título. Resiste. Diz não. Eles não têm qualquer
poder. Claro que encontrarás também os outros. Os colegas mais velhos
que vão fazer brincadeiras contigo, que te ajudarão a integrar nesta
nova comunidade estudantil. Rapidamente saberás diferenciar uns dos
outros. É claro que as universidades poderiam aqui ajudar mais, mas
alguns reitores, aqueles que gostam de dizer que não sabem o que são as
praxes, têm receio de se pronunciar publicamente sobre o assunto e mais
medo têm de tomar medidas que impeçam práticas abjetas. Mas isso agora
também interessa pouco. Importas tu. Tu e a tua determinação em dizer
não a todas as indicações que ponham em causa a tua dignidade.
Há
também que falar dos amigos. Vão ser para a vida. Por mais voltas que
dês, não irás esquecer meia dúzia de colegas que fizeram grupo contigo
em trabalhos académicos, que te levaram para as noitadas e entraram
contigo nas aulas depois de uma direta, que partilharam alegrias e
momentos menos bons... Eles vão ser parte da tua vida e tu vais
transportá-los contigo por muitos e muitos anos...
Estou certa de
que enfrentarás esta nova etapa da tua vida com determinação. Com garra.
Com criatividade. Com generosidade. Hoje a universidade deixou de ser
aquele elevador social que transportou os teus pais e os pais dos teus
colegas para outros estatutos. Também não te formará numa área à qual tu
te agarrarás para sempre. Hoje é tudo mais indeterminado e mais
flutuante. Mais líquido. E isso não é forçosamente mau. É claro que
vives hoje num país que abre pouca esperança aos jovens. Mas há que
encontrar vias alternativas para um destino que está muito longe de ser
predeterminado. O que importa agora é aproveitar tudo. Tudo constitui
uma enorme fonte de aprendizagem que será sempre transformadora da tua
vida. Boa sorte! Sê feliz.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
04/09/15
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