O programa eleitoral
da coligação e o PSD
Digamos que o
programa eleitoral da coligação está na linha da reforma de Estado
apresentada por Paulo Portas: algo tão vago que foi esquecido horas
depois de ser apresentado. Mas há alguns detalhes importantes, contudo. E
o diabo, bem o sabemos, está nos detalhes.
Há uma razão bem mais
simples do que as apontadas, como já está estar tudo no programa de
estabilidade e crescimento ou se apontar para a simples continuação do
que se fez, para o programa eleitoral ser uma mão-cheia de nada: é não
se querer pura e simplesmente dizer o que se quer fazer. E a razão para
nada se querer dizer, é que se se dissesse, o próprio eleitorado
tradicional do PSD ficaria muito preocupado.
Apesar disso, há os tais detalhes que não enganam, os que apesar de muito disfarçados estão lá.
Trazer
o plafonamento horizontal, a "liberdade" de escolha na saúde ou na
educação indica um caminho. E, diga-se, um caminho defensável e que
permitiria um debate sério na sociedade portuguesa. Defender que a
partir dum determinado nível de salário, um cidadão pode optar por o
esquema de pensão do Estado ou dum qualquer fundo privado, ou que se
deve apostar mais no ensino privado do que no público, são opções
ideológicas que merecem debate e que são até o cerne de opções
fundamentais para a comunidade. Mais, um debate desse género permitiria
que ficassem absolutamente claras as opções dos partidos da coligação.
Sobretudo em política, não há mal nenhum em querer. Agora o que não é
admissível é não dizer o que de facto se quer escondendo-o dos
eleitores. E parece claro que é o que este PSD está a fazer. Estes temas
são demasiado importantes para serem abordados com a ligeireza, com a
vacuidade que este programa mostra.
Há, no entanto, a perceção por
parte dos dirigentes atuais do PSD de que o seu eleitorado tradicional
está muito longe de querer que o sistema de pensões seja em parte
privatizado ou que a educação pública seja posta em causa. É por isso
que se fala de plafonamento, mas não se fala a partir de que valor é que
se pode optar por um sistema privado. Ser, por exemplo a partir de 2000
ou próximo ou 10 000 euros é radicalmente diferente, e no primeiro caso
faria que a solidariedade entre mais ricos e mais pobres praticamente
desaparecesse, que existisse uma verdadeira privatização da segurança
social ou, na melhor das hipóteses, se prescindisse em grande parte do
Estado como motor de equilíbrios sociais.
Do mesmo modo, fala-se
de liberdade para a educação, mas não se explica de que forma isso será
implementado. E não se diz porque isso inevitavelmente conduziria a uma
degradação do ensino para os mais pobres (vide exemplos tentados em
rigorosamente todos os países - o mais flagrante é o dos Estados Unidos -
que tentaram esse caminho com consequências desastrosas) e ao bloqueio
definitivo daquele que foi o principal fator de mobilidade social criado
no pós-25 de Abril: a educação pública.
O eleitorado do PSD
parece entender que a governação dos últimos quatro anos foi uma
inevitabilidade. Que foi preciso gerar muito desemprego, que não era
possível investir, que era preciso cortar pensões, salários, prestações
sociais que se tinham de expulsar quase 500 000 portugueses do país, que
o risco de empobrecimento tenha tido de atingir proporções dantescas.
Mais, acredita que a partir de agora se pode olhar para a frente com
outros olhos. Mas, lá está, convinha dizer-lhe qual o caminho a partir
de agora. E dentro das opções fundamentais estão, exemplarmente, aquelas
duas.
É através delas, entre outras, que se vai definir o futuro
ideológico do PSD e o que ele quer para o país. Por um lado, temos
aqueles que sabem que a raiz profunda do PSD e das suas bases estão
longe de apoiar uma viragem do partido para uma direita à espanhola ou
ainda mais radical. Por outro, temos uma espécie de Tea Party à
portuguesa que rodeia o primeiro-ministro, com o apoio e a inspiração da
Fox News à portuguesa, ou seja, a opinião do jornal online Observador.
A
questão é que manda neste PSD são os segundos. Gente que quer impor uma
agenda e uma ideologia que nada tem que ver com a história, com os
valores e com o eleitorado tradicional do PSD (não confundir com o
aparelho, esse não se preocupa com essas coisas mesquinhas como
ideologia ou valores, mas apenas poder). E, sabendo-o, não dizem ao que
vêm.
Para o país era muito importante saber o que de facto o
governo quer. Não se propõem mudanças radicais na maneira como a
comunidade está organizada - financiamento da Segurança Social,
educação, saúde - não explicando exatamente ao que se vem.
Não se
pode também ignorar que o PSD é fundamental na nossa democracia. É assim
da maior importância saber o caminho que está a tomar. É que a tomada
de poder em curso - e que se consolidou nos últimos quatro anos - pode
transformá-lo definitivamente em algo que ele nunca foi. Estará em causa
até a sua sobrevivência como partido central no nosso sistema político.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
02/08/15
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