18/08/2015

ADRIANO MOREIRA

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A casa comum política

A expressão "casa comum" que o Papa Francisco usou para a sua Segunda Carta Encíclica, e que tem relação com o conflito humano com a mãe Terra, tem precedente de uso em ambiente mais guerreiro, que foi o de pôr um ponto final naquilo que foi chamado a Guerra Fria. De facto foi a referência essencial de Mikhail Gorbachev, quando adotou a política de instauração de regras de jogo para a coabitação que deveria assentar em "medidas de confiança" entre os dois pactos militares - Confidence-Building Measures.

Infelizmente nesse tempo foi necessária a crise dos mísseis de Cuba e a serenidade levada ao limite por Kennedy para evitar um conflito nuclear, receio que estava presente na Conferência de Helsínquia de 1975, e finalmente levou à formação da OSCE - Organização para a Segurança e Cooperação na Europa. Nesta data de verdadeira crise interior na União Europeia, com o amor à unidade posto em causa por formações políticas novas e contestatárias, e pelas pequenas pátrias continuando a contestar a unidade do Estado em que se integram, não parece que o estado de espírito do presidente Putin esteja cheio de memória da "casa comum" que animou Dmitri Medvedev, segundo o pressentimento e aviso do observador Montbrial (2014), e o seu projeto em desenvolvimento de "império do meio" obriga a interpelar a eurocracia que governa de facto a União, falando ao ouvido do príncipe, para não limitar a agenda europeia à orçamentologia.

Para não termos uma progressiva perda de tempo para acudir aos sinais, que exigem resposta, para que o facto não seja "a guerra em toda a parte". É uma inquietação que se agrava ao verificar que organizações fundamentais sonhadas para que "o desenvolvimento sustentado" seja o nome da paz, a convencer todos os Estados que aderiram à ONU, hoje pareçam em pousio em muitos setores, sem desmerecer todavia o muito que se lhe deve, e que sem essa contribuição estaríamos pior. Os exemplos são gritantes, e por isso, designadamente, erros como os cometidos no Iraque levaram a desastres que incluem o terrível confronto causado pela revisão de fronteiras, a insistência na democracia atómica aconselha a transformar em acordo casos como o do Irão, dramas como os dos palestinos, que há gerações não sabem o que é viver em liberdade, não consentindo que Israel viva em paz, e o mundo sem a paz de espírito da justiça restabelecida, esperam solução. A igualdade dos Estados que a Carta da ONU prega não é compatível com os receios causados pelos emergentes, enfim: a "casa comum" precisa de uma "excelentíssima e reverendíssima" reforma, talvez a começar pelos vários regionalismos, de que a União Europeia apareceu como exemplo de esperança, e que ela própria parece tender para preferir o exemplo das divergências entre ricos e pobres, entre ambições diretoras em vez de conceito estratégico, esquecida do "bem comum" com a crise financeira, a economia de caminho único, e o liberalismo repressivo que desse modo dispensa o Estado social.

De tempos a tempos a história regista o medo de ter chegado o fim do mundo, e para muitos povos, Estados e nações o século passado foi semeado de acontecimentos com dimensão para despertar tal convicção. Nesta entrada de um século sem bússola em que estamos, a desordem internacional abrange a própria capacidade de a Terra se manter em termos de sustentar a vida.

O balanço político, económico e diplomático, que as publicações especializadas vão fazendo, não é animador em relação à maioria dos Estados filiados na ONU. Os conflitos militares dos últimos tempos, por exemplo a intervenção no Afeganistão, ou o Darfur, ou a Palestina, e agora o Estado Islâmico, mais as crises económica e financeira mundial, fazem concluir que Estados de grande potência, pequenos Estados, Estados falhados, todos finalmente estão em igual incerteza global quanto, pelo menos, ao "fim do mundo único", em um dos vários sentidos que cabem na expressão.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
12/08/15


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