Falemos de rigor
e de seriedade
Está a aumentar o número daqueles que ficam retidos nos anos intermédios.
Uma análise do discurso de Nuno Crato, antes e depois de ser
ministro, tropeça profusamente na recorrência com que se encontra o
termo “rigor”. Mas o rigor é inatingível sem conhecimento profundo do
universo em que se opera e sem seriedade intelectual e política. Em fim
de mandato, Nuno Crato não será recordado pelo rigor.
A ignorância a que me refiro, sobre a
complexidade de um sistema de ensino, está particularmente patente na
escabrosa reforma curricular que Nuno Crato promoveu, marcada por
reminiscências doutrinárias do seu debute político. Com efeito, adoptou o
clássico princípio do materialismo dialéctico (aumentando a quantidade
transformamos a qualidade da realidade) ao desenvolvimento curricular.
Aumentou a carga horária das disciplinas a que chamou de estruturantes (desconhecendo que a natureza estruturante ou instrumental das disciplinas se altera em função de contextos e não resulta de simples enunciação mas sim de fundamentação, coisa que nunca fez) e despejou avalanches de exames sobre as escolas, convencido de que, assim, o saber aumentaria. Mas não aumentou nem aumentará, só por isso.
Aumentou a carga horária das disciplinas a que chamou de estruturantes (desconhecendo que a natureza estruturante ou instrumental das disciplinas se altera em função de contextos e não resulta de simples enunciação mas sim de fundamentação, coisa que nunca fez) e despejou avalanches de exames sobre as escolas, convencido de que, assim, o saber aumentaria. Mas não aumentou nem aumentará, só por isso.
O tempo
para aprender é importante. Mas mais importante é o que se faz com esse
tempo. Aumentar a carga horária a um aluno que não entende o que lhe
dizem é, tão-só, aumentar-lhe o suplício e desenvolver-lhe o ódio à
Escola. Manter sentado, durante o mesmo tempo, um infante de 10 anos ou
um jovem de 18, um aluno interessado ou um aluno justificadamente
desinteressado, dá resultados diferentes.
A revisão curricular de
Nuno Crato obedeceu a uma lógica invertida: iniciou-se com a
distribuição das horas por cada disciplina, prosseguiu com a definição
das metas de aprendizagem e terminou com a aprovação de novos programas.
Ou seja: sem se saberem as razões da necessidade de consignar
determinado número de horas a determinada disciplina, porque programas e
metas ainda estavam para vir, consignou-se. O recém homologado programa
de Português para o ensino básico, com as suas quase 1000 metas (leu
bem, leitor, mil metas) é um belo paradigma da insanidade pedagógica a
que chegámos.
O problema é que a inadequação deste e de outros programas
aos estudantes a que se destinam é algo impossível de explicar a quem
chamou ocultas às ciências da Educação e substituiu a pedagogia pela
contabilidade. A quem privilegiou umas ciências em detrimento das
outras, que explicam o sentido da vida e a natureza do Homem. A quem, em
nome da formação técnica, estreitou a porta de entrada das humanidades,
das artes, do desporto e da cidadania completa.
A falta de
seriedade intelectual e política supera a ignorância. Colhamos exemplos
neste fecho de ano escolar. A subida da média do exame de Matemática A,
acabada de conhecer, um dos melhores resultados de sempre, diz o quê? O
que se afirmou no editorial do Público de segunda-feira, isto
é, que sim, os exames são um instrumento político. Só que o ministro é
neste momento o comentador que, em 2008, acusava Maria de Lurdes
Rodrigues de fazer o mesmo que agora se verificou. É aquele que
vociferava no Plano Inclinado contra a impossibilidade de se
fazerem comparações de resultados de um ano para o outro, exactamente
como agora, no dizer do presidente da Sociedade Portuguesa de
Matemática, a mesma que era presidida por Nuno Crato em 2008. É aquele
que nos toma por tolos, invocando a independência de um IAVE que ele
paga, cujos órgãos de direcção, com uma única excepção, são nomeados
pelo Governo, sob proposta dele. E que disse o presidente do Conselho
Científico do IAVE, o único órgão não nomeado pelo Governo, em Coimbra,
em 16 de Maio passado? Que o Ministério da Educação e Ciência condiciona
o IAVE, preordenando o resultado dos exames. Como acabamos de
verificar.
A diminuição da taxa de reprovações nos anos de exame,
tão celebrada pelo Ministério da Educação e Ciência, tem uma razão para
quem não se fica pelas letras gordas: é que, em contrapartida, está a
aumentar o número daqueles que ficam retidos nos anos intermédios.
Penalizadas pelos resultados das classificações (créditos de horas),
pressionadas pela febre dos exames, as escolas deixam para trás os que
têm dificuldades de aprendizagem e os que pertencem a famílias social e
economicamente mais débeis. Circunstância para que contribui, do mesmo
passo, a crescente desmotivação dos professores, sobrecarregados de
trabalho, sujeitos há anos ao congelamento de carreiras e a cortes
salariais, muitos sem projecto de vida e expostos a despedimentos
sumários.
Se na próxima legislatura a Educação continuar governada
apenas por paradigmas utilitários e econométricos, não conseguiremos
compreender socialmente, quanto mais resolver, os grandes problemas que
se colocam aos alunos, às famílias, aos professores, numa palavra, ao
país.
Professor universitário
IN "PÚBLICO"
15/07/15
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