Casillas e a nossa autoestima
Esta história do Iker Casillas, dos pais do Iker
Casillas, da mulher do Iker Casillas, da imprensa que fala dos pais e da
mulher do Iker Casillas, das redes sociais que atiram o Iker Casillas
para a lama ou honram o Iker Casillas, seja a sua realidade como
guarda-redes do FC Porto seja pela sua memória como guarda-redes do Real
Madrid, diz muito mais de todos eles – e de nós – do que do próprio
Iker Casillas.
Ele, jogador que chegou aos 34 anos, agora
malquerido no clube onde sempre jogou e que o tornou grande, campeão em
queda, guarda-redes angustiado, resolveu ir à sua vida. Procurou e terá
percebido que poderia ter no FC Porto uma boa oportunidade. Uma
segunda vida. Não só para continuar a brilhar – o que é bem possível,
que nisto do jogo psicológico as hormonas e os químicos que fazem
funcionar o cérebro são mais importantes do que a matemática dos
corpos. Mas também para voltar a ter o conforto da massa associativa
numa cidade que, girando à volta do seu clube, está cada vez mais
interessante e cosmopolita.
«Carinho», ouvi dizer a vários comentadores como
sendo aquilo de que o espanhol precisava. «Carinho», ouvi e
espantei-me. No meu dicionário carinho não rima com nada que se possa
relacionar com o futebol. Respeito, admiração, raça… sim. Agora,
carinho… Julguei que a virilidade futebolística seria uma das únicas que
estavam a salvo da lamechice dos tempos contemporâneos, entre os
livros de autoajuda e a exposição íntima e facebookiana. Pelos vistos
enganei-me e parece que Iker Casillas precisa de carinho. Um homem
daquele tamanho.
Mas voltemos pois ao que as polémicas sobre Casillas
dizem de nós, portugueses, lusitanos, portuenses, portistas. Que uma
madame espanhola, cujo filho já nem fala com ela, segundo se soube nas
notícias, tenha a lata de vir muito normalmente ofender gratuitamente um
grande clube como o Futebol Clube do Porto – grande a todos os níveis,
mesmo aquele dos campeonatos que a senhora citou – explica, em parte, a
nossa baixa autoestima que nos leva a ficar ofendidos com as ofensas
dela. É assim uma espécie de pescadinha de rabo na boca psicológica.
O mesmo aconteceu com Sara Carbonero. Primeiro
surgiram rumores de que teria dito que não queria vir para o Porto
viver. Depois, soube-se que, afinal, a decisão de Casillas de preferir o
FC Porto teria algo que ver com a proximidade a que queria manter-se da
mulher. Mais tarde ela própria anunciou que ia tirar uma licença sem
vencimento no canal televisivo onde é jornalista para acompanhar o novo
guarda-redes do FC Porto. E em todas estas reviravoltas ficámos, nós e a
nossa baixa autoestima, de respiração contida, à espera da próxima
novidade para nos podermos ou vergastar com mais uma ofensa ou alegrar
com mais um elogio.
É a tal história. Nós não somos pequenos mas
consideramo-nos pequenos também porque todos os outros nos consideram
pequenos. E os outros consideram-nos pequenos porque apesar de não
sermos pequenos achamo-nos pequenos. E ainda não conseguimos mostrar que
não o somos… Ufa. Isto tudo apesar de o Porto ser uma nação – como
todos sabemos.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
19/07/15
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