11/03/2015

MIGUEL GUEDES

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O amparo pesa menos

Da mesma forma como o presidente do Novo Banco, Stock da Cunha, não sabe quanto vale o banco que todos os dias avalia, também eu não sei quanto vale o Benfica deste ano, já o tendo visto jogar bem mais do que 24 vezes. A questão futebolística não se prende só com números financeiros ou com a incompetência, claro. Pelo contrário. Prende-se com pontos e com competência. Por isso mesmo, quase todos os que vêem futebol tentando manter alguma equidistância - amando os seus clubes mas não deixando que a falta de sensatez lhes tolde a razão - desconhecem verdadeiramente quanto vale este Benfica, tendo algo como certo: o Benfica não vale os 62 pontos que a classificação indica à 24ª jornada.

Alguns adeptos alimentam a ideia de que quem tece críticas às arbitragens nesta Liga é um antibenfiquista primário. Acontece que o antibenfiquismo primário é uma ilusão de grandeza. É uma ideia de estatura que acompanha décadas e décadas de grandes conquistas, percebo. Mas é uma ilusão de grandeza atroz no momento actual. Como é qualquer forma de acoplar a palavra "anti" a algo primário no desporto. Não pode ser assim tão importante. Quem exerce o direito de opinião, apontando os sucessivos erros que beneficiaram o Benfica este ano ao ponto de não haver já tempo ou dimensão para o equilíbrio que costuma nivelar os fins de época (é verdade, as coisas acabam normalmente por ficar equiparadas no fim e em benefício dos três denominados "grandes" clubes) não é portador de uma voz solitária. Dos comentadores mais díspares, das mais diversas origens, proveniências ou percursos de solidariedade ou afecto clubista surgem vozes unânimes. Este ano, aqueles que desmentem - a todo o custo - que o Benfica tem sido beneficiado por erros de arbitragem sistemáticos, tentam comprar uma parte da realidade que não existe. E a realidade, desculpem, não está à venda.

E como a realidade não está à venda, então imagine-se! Imagine-se que isto se estava a passar exactamente ao contrário. Que era o F. C. Porto que tinha sido beneficiado directamente com pontos nos jogos com o Boavista no Bessa, com o Estoril no António Coimbra da Mota, com o Nacional na Choupana, com o Rio Ave e o Gil Vicente na Luz. Sim, nem me refiro à Académica ou ao Moreirense nos seus redutos. Apenas e só aos resultados "amarradinhos" por um golo de diferença. Imagine-se! O que se diria, o que se escreveria, os pedidos de audiência às mais altas instâncias políticas e desportivas, o regabofe ao quadrado, as capas dos jornais e as insinuações, os livros e os filmes, o circo sem palhaços. Na corrida de fundo por mais uma Taça da Liga, o Benfica faz da conquista do bicampeonato a razão maior da sua existência desportiva esta época. E faz muitíssimo bem. Há 30 épocas que não ganha dois campeonatos consecutivos e, tendo sido este ano eliminado das competições europeias enquanto o Sol nascia, não pode alegar a maldição de Béla Guttmann que o "impede" de conquistar qualquer título internacional há 53 anos. Aposta tudo, distribui jogo e as coisas vão sucedendo das mais diversas formas mas sempre com o bom feitio, bonomia e complacência da maioria porque em relação ao Benfica continuamos num país de "brandos costumes". A maioria.

Para além dos pontos referidos que caíram ao colo (entre 8 a 10 pontos, com alguma benevolência), à 24.ª jornada o Benfica teve 16 jogadores de adversários castigados na jornada anterior e, como tal, impedidos de jogar (não contabilizando 4 outros casos "estranhos" com impedimentos físicos que, convenhamos, já aconteceram com todos os clubes); 2 casos "nada estranhos" de Deyverson e Miguel Rosa...; 10 jogadores adversários expulsos em confronto directo; 4 golos limpos anulados a adversários (Boavista, V. Setúbal, Rio Ave, Nacional); 3 expulsões mal assinaladas a seu favor (Estoril, Penafiel, Arouca); 7 golos precedidos de irregularidades (Académica, Estoril, Gil, V. Setúbal, Boavista, Belenenses, Moreirense); 3 penalties mal marcados que o favoreceram (Belenenses, Paços, Moreirense), 8 penalties por marcar a favor dos adversários (V. Setúbal nos dois jogos, Estoril, Arouca, Braga x2 no Axa, Paços, Boavista). Viu serem perdoadas 3 expulsões a jogadores seus nos primeiros 50 minutos de jogo (Moreirense, Marítimo, Estoril) em jogos apertados. Felizmente que não sofreu qualquer golo ferido por qualquer irregularidade. Podem achar que estou a exagerar. Então cortem os números para metade. Continua a ser impressionante, não?

Como adepto do F. C. Porto, já nem refiro erros que nos penalizaram em Guimarães e no Estoril. E não venham com o ladainha de Penafiel, onde nos dois primeiros golos o passe é realizado para trás ou, no mínimo e com honestidade intelectual, sempre subsistirão dúvidas. Futebolês? Não. Essa é uma linguagem própria que o futebol apresenta dentro das quatro linhas. Como é evidente que todos os clubes em diferentes épocas já foram prejudicados e beneficiados, não é isso que está em causa. Como não estão em causa 41 anos de futebol no Estado Novo e pouco mais de 41 anos de futebol em democracia. Como não estão em causa escutas ilegais que geograficamente pararam cirurgicamente no centro do país. Como se, na realidade, fosse relevante se o ano passado foi assim ou assado ou se há dois anos tenha sido diferente ou igual... Falemos claro, é deste ano que falamos! Branqueamento, não. Este campeonato está poluído de erros, demasiados erros. E é por isso que afirmo que é mais possível (não escrevo a palavra "fácil") ganhar a Liga dos Campeões do que a Liga nacional. Parabéns a Jorge Jesus que tem feito o que deve e até mais do que suporia poder fazer. Onde estaria ele, fora da Europa do futebol e da Taça de Portugal, sem os erros a que temos assistido jornada após jornada? Que contestação enfrentaria, neste momento, Luís Filipe Vieira? Em que encruzilhada estariam fora da luta pela Liga portuguesa? Seria um caminho em curto-circuito. Até o jornal espanhol "As" se refere aos erros da arbitragem desta Liga, reconhecidos como crassos. Em Portugal, brandos costumes, como no antigamente. Assim vai o amparo, já que o andor nem pesa. 

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
10/03/15


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