Ajam ou calem-se
Na política, conversações de paz, campanhas
eleitorais, ou estratégia empresarial, nas quais são definidas
intenções, promessas e compromissos, nunca são demais.
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É apenas o primeiro passo para um fim
desejado - e completamente desprovido de sentido, a não ser que o
segundo, terceiro e todos os passos subsequentes sejam tomados.
Adicionalmente, dar o primeiro passo inicia o relógio da confiança e da
confidência dos outros, de que os próximos passos serão de facto
tomados, ou então corremos o risco de criar uma falsa impressão de que o
falhanço em atingir um objectivo particular reflecte intenções erradas
(ou irrelevantes), em vez de uma execução inadequada. Podemos ver
exemplos virtuais disso mesmo em todo o lado.
Tenha em conta o anúncio em Janeiro do Banco Central Europeu de que
iria implementar um programa de alívio quantitativo (QE). Nessa altura,
muitos líderes pareceram pensar que a actuação do BCE seria suficiente:
feito o anúncio, impresso o dinheiro, a economia volta aos trilhos.
Infelizmente, não é assim que a política monetária funciona: o QE não
será suficiente e ninguém deve ser ingénuo em relação a isso.
De modo a pôr as economias de novo nos eixos, o QE é uma ferramenta
útil, mas apenas parte de um maior pacote de medidas. Na ausência de
outras reformas económicas, o QE não consegue, por si próprio, efectuar
as mudanças necessárias para impulsionar o crescimento. E se as reformas
não forem implementadas e o crescimento não se materializar, os
políticos irão provavelmente culpar o QE e não o seu próprio falhanço,
ao não darem todos os outros passos necessários que devem suceder, num
caminho de recuperação económica.
Agora considere a comunicação livre. Após o massacre em Janeiro na
revista satírica Charlie Hebdo em Paris, os líderes mundiais acorreram
ao local, deram as mãos e marcharam em apoio à liberdade de expressão,
enquanto um princípio fundamental das sociedades civilizadas.
Naturalmente, o próximo passo para muitos deles teria sido voltar a casa
e implementar de forma imediata esse princípio. Em vez disso, voltaram a
casa.
Verdade é que o regime militar egípcio - cujo ministro dos Negócios
Estrangeiros, Sameh Shoukry, causou espanto, quando apareceu perto da
dianteira da marcha em Paris - libertou o jornalista da Al Jazeera Peter
Greste da prisão e, desde então, libertou mais dois jornalistas,
Mohamed Fahmy e Baher Mohamed, sob fiança. Contudo, antes disso, onde
estava a renúncia do regime ao poder de prendê-los?
Noutra arena - a das negociações de paz -, o recente acordo de
cessar-fogo na Ucrânia foi a última tentativa de pôr fim à guerra entre o
governo do país e os separatistas apoiados pela Rússia, que têm travado
desde grande parte do ano passado, na região de Donbas. Entre as lutas,
tentativas de acabar com as mortes foram e vieram e as vítimas
inocentes da guerra - para não dizer grande parte da comunidade
internacional - tornaram-se fatigadas e cínicas.
Os processos de paz mais eficazes são parte integrante de um processo
de paz. O primeiro passo - assinar o acordo - representa os
compromissos das partes, em tomar os passos subsequentes necessários.
Todos voltam a casa a saber exactamente o que têm de fazer, o que
esperar dos outros e quais serão as consequências, caso não o façam.
Quando os acordos falham, normalmente não é graças ao conteúdo, mas sim
ao que falta, ou ao que fazem os signatários, apesar daquilo com que
concordaram. Um guia para a paz é útil, apenas de todos o seguirem. Caso
contrário, o objectivo está perdido.
As campanhas eleitorais são o exemplo de excelência do fenómeno e o
mundo está agora a iniciar outra "Temporada do primeiro passo". Pelo
menos sete eleições gerais irão ocorrer em países-membros da União
Europeia este ano (e França irá ter eleições regionais em Março). A
Grécia já votou (elegendo o governo que, até agora, parece não ser capaz
de ir além de intenções e promessas) e os próximos meses trarão
eleições na Estónia, Reino Unido, Dinamarca, Portugal, Polónia e
Espanha. Acrescente a isto as eleições presidenciais nos EUA, no próximo
ano - precedidas por uma campanha que já começou -, e pode esperar
muitas promessas no ar.
Tendo em conta que os eleitores nestes países estão inundados de boas
intenções, crescentes garantias e sinceros compromissos, irão esperar
que os partidos e os candidatos cumpram, caso sejam eleitos. Obviamente,
os partidos e os candidatos irão tentar persuadir os eleitores através
das suas reputações (e ao impugnar a reputação dos seus oponentes). Se
não forem em frente com as suas intenções, promessas e compromissos, o
acesso a informação e a comunicação instantânea é tanta, que essas
promessas vazias simplesmente não vão persuadir a maioria das pessoas.
As empresas também fazem campanha. Enviam os seus líderes para
expressarem, perante os órgãos legislativos, o arrependimento pelos
graves actos de má-fé e prometerem um bom comportamento no futuro. E
ainda assim as manchetes estão mais repletas do que nunca de histórias
de comportamento empresarial não ético, se não criminoso. Infelizmente,
demasiados líderes empresariais persistem em ver o mundo como um "nós"
contra "eles", em vez de tentarem perceber o porquê de, na ausência de
uma acção vigorosa, ninguém confiar neles.
Os começos são vitais. Mas são apenas isso. Não há soluções fáceis
para a economia da Zona Euro, para a Grécia, para a Ucrânia, ou para
qualquer outro grande desafio que enfrentamos nos dias de hoje. Contudo,
a não ser que os protagonistas estejam certos de que os seus anúncios,
promessas eleitorais e acordos de paz irão dar lugar a acções claras e
intencionais, devem pensar duas vezes antes de abrirem a boca.
CEO da Marcus Venture Consulting
© Project Syndicate, 2015.
www.project-syndicate.org
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
10/03/15
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