HOJE NO
"OBSERVADOR"
"OBSERVADOR"
Há um mestre que ensina organaria,
mas que não pode passar diploma
O mestre organeiro Dinarte Machado, cujo restauro dos órgãos do
Palácio de Mafra foi reconhecido internacionalmente em 2011, teme que o
futuro desta arte esteja em risco.
O mestre organeiro Dinarte Machado, cujo restauro dos órgãos do
Palácio de Mafra foi reconhecido internacionalmente em 2011, vê com
apreensão o futuro de uma arte e de um património, por falta de formação
reconhecida pelo Estado.
Para o mestre, um dos três organeiros existentes em Portugal, o
património pode vir a estar “em causa”, por falta de especialistas no
restauro de órgãos históricos portugueses, cuja escola de organaria cedo
se começou a diferenciar da espanhola e de outras europeias, não só
pelas técnicas de construção, mas também pela música tocada por esses
instrumentos.
“Tenho jovens que se querem formar comigo e aprender a arte da organaria portuguesa, mas qualquer diploma que eu possa passar não tem qualquer validade, porque não tenho essa acreditação do Estado”, explica o mestre.
A impossibilidade decorre da legislação, cuja última alteração data
de 2009. Apesar de tudo, pela oficina do mestre, no concelho de Mafra,
têm passado muitos aprendizes, mas poucos ficam.
Depois de estudar música, o interesse pela construção dos
instrumentos levou Henrique Rodrigues, 24 anos, a deixar a família e o
curso superior de música no Porto, para vir aprender, como noutros
tempos, com o mestre e já lá vão dois meses.
“Deixei tudo para vir investir na formação. Quero ter aqui um
percurso, para aumentar o meu currículo gostaria que me passassem um
diploma e não ter essa hipótese é um problema”, refere desanimado o
jovem, que fala com paixão pela arte.
“Acho que não gosto, eu amo. Não gosto de fazer sempre a mesma coisa e
quando pego num tubo para restaurar… Os tubos têm sempre problemas de
gravidade diferente”, acrescenta.
“O meu país não tem vergonha que o livro ‘O Tratado Prático da
Organaria Portuguesa’, que vai ser um manual para os estudantes de
organaria ou de musicologia, tenha sido feito por um autodidata que não
seja reconhecido pelo país?”, questiona Dinarte Machado, coautor desta
obra, que reúne os únicos livros publicados sobre o património organeiro
português.
Com 27 anos da arte, Dinarte Machado vê-se obrigado a não concorrer a
concursos públicos, por não ter uma licenciatura, condição imposta pela
legislação a partir de 2015.
“É um absurdo”, classifica o organeiro, adiantando que os concursos
vão ficar desertos, justificando que, por um lado, não existem
universidades com licenciatura em organaria em Portugal e na Europa e,
por outro lado, Portugal não dá equivalência das competências aos
organeiros estrangeiros.
Dinarte Machado já restaurou quase 80 órgãos dos cerca de cem que
compõem o acervo histórico português, entre os quais os seis órgãos do
Palácio Nacional de Mafra que, ao tocarem em conjunto, são únicos no
mundo. Devido ao restauro destes, empreendido ao longo de uma década,
foi condecorado pelo Presidente da República e ganhou o prémio
internacional Europa Nostra, em 2010.
No seu currículo, consta ainda o restauro do órgão do Mosteiro do
Lorvão, Penacova, o maior construído em Portugal, o da Basílica da
Estrela, em Lisboa, e de outros nos Açores, na Madeira e por todo o
país, assim como o órgão histórico do Palácio Real de Madrid e o da
igreja de S. Francisco, em Lorca (Múrcia), em Espanha.
* Os últimos responsáveis pelo pelouro da cultura e educação em Portugal têm sido de uma inutilidade vergonhosa.
Se Relvas tem equivalências para ser licenciado, se Socrates fez cadeiras por e-mail, porque não se há-se atribuir a um verdadeiro sábio de organaria um grau equivalente a licenciatura que lhe permita certificar os seus alunos?
Só por pacóvice burocrática.
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