O uso atual dos
"recibos-verdes"
eletrónicos
Todos nós sabemos que os hábitos podem ser
bastante difíceis de mudar. Um dos que parece ainda estar bastante
enraizado na nossa sociedade é o da emissão dos designados
"recibos-verdes" por parte, sobretudo, dos profissionais liberais.
Mesmo com a Reforma da Tributação do Rendimento que entrou em vigor
em 2001, em que se passou a prever também a emissão da fatura para os
ditos profissionais liberais, a tal prática enraizada não parece ter
sofrido grandes alterações. E até se compreende, pois tal era uma forma
de cumprir as obrigações de faturação estabelecidas no Código do IRS e
sem grandes custos administrativos: o seu preenchimento era
relativamente fácil dada a sua elevada padronização e era uma
alternativa barata em relação a encomendar blocos de faturas em
tipografia autorizada ou a comprar um programa de faturação.
Mas os "recibos-verdes" surgiram e têm a sua validade circunscrita
aos casos em que se aplica um regime de caixa em IRS e quando não ocorre
primeiro a obrigação de emitir documento de faturação em IVA ou quando
tal obrigação de faturação pelas normas do IVA coincida com o momento do
recebimento das importâncias cobradas pela prestação do serviço.
O facto é que, ao longo dos anos, o regime de caixa em IRS tem vindo a
ficar mais restrito. Pelo Orçamento do Estado para 2003, passou a
alinhar-se o momento de sujeição a IRS com o momento em que, para
efeitos de IVA, fosse obrigatória a emissão de fatura. Isto para quem
não tivesse contabilidade organizada, porque tendo-a o rendimento em
causa seria imputável ao ano fiscal de acordo com o princípio de
especialização dos exercícios.
A expressão constante da redação do art. 3.º do CIRS, anterior à
Reforma da Tributação do Rendimento, determinando que os rendimentos dos
profissionais liberais "(…)ficam sujeitos a tributação desde que pagos
ou colocados à disposição dos respetivos titulares" parecia fazer
esquecer a necessidade dos sujeitos passivos, sujeitos e não isentos de
IVA, cumprirem os prazos para faturarem, em regra, nos cinco dias úteis
seguintes à conclusão dos serviços. Claro, que tal "esquecimento" era
potenciado pelo facto de o controlo dessa obrigação em relação aos
serviços ser sempre mais difícil do que quando estão em causa
transmissões de bens.
Assim, generalizou-se a ideia de que qualquer atividade que fosse
exclusivamente de prestação de serviços podia ser titulada apenas por um
"recibo-verde", que podia ser emitido quando os montantes devidos
fossem recebidos.
Por via da alteração acima descrita, que entrou em vigor em 2003, o
controlo dos prazos de faturação em IVA, passou também a ser
necessariamente realizado em sede de IRS. Mas, na prática, só quando os
"recibos-verdes" assumiram o formato eletrónico, passando a designar-se
de «faturas-recibo eletrónicas» é que a verificação destes prazos passou
a ter mais eficácia.
Apenas podiam emitir "recibo-verde" ou, já depois, a "fatura-recibo
eletrónica" os sujeitos passivos que recebessem as quantias faturadas no
momento da realização do serviço, ou no prazo de emissão da fatura ou,
no caso de operações a crédito, os sujeitos passivos totalmente isentos
de IVA sem direito à dedução, quer por via do art. 9.º do Código do IVA
quer pelo art.º 53.º do mesmo Código. Apenas estes, porque não adstritos
a obrigações de faturação por via das normas do IVA, nomeadamente
quanto ao cumprimento de prazos, podiam faturar apenas quando os
montantes fossem recebidos, sem incorrerem em infração fiscal.
Alterações para os sujeitos passivos no regime especial de isenção de IVA
No final de julho de 2013, os sujeitos passivos isentos de IVA ao
abrigo do regime especial de isenção do Código do IVA previsto no art.º
53.º, passaram a ficar, obrigatoriamente, sujeitos à obrigação de emitir
documento de faturação (fatura, fatura-recibo, fatura simplificada ou
fatura-recibo eletrónica) de acordo com os prazos estabelecidos nas
normas de IVA. Para estes sujeitos passivos, na prática, passou a ficar
vedada a emissão de fatura-recibo eletrónica quando o pagamento do
serviço prestado não seja feito de imediato.
Como indicam os nomes, o "recibo-verde" (cujo nome real era "recibo
de modelo oficial") e a atual "fatura-recibo eletrónica" são documentos
que, além de cumprirem a obrigação de faturação, também traduzem o
recebimento. Assim, ao emitir-se uma "fatura-recibo eletrónica" está a
dar-se quitação ao devedor, o que tem consequências em termos legais se
efetivamente não houve recebimento e depois se pretende reclamar a
dívida, e também se está a dar indicação à Autoridade Tributária que é
esse o momento em que o devedor terá de fazer retenção na fonte.
Exceto em algumas atividades que, pela sua natureza o pagamento é
feito no momento da prestação de serviço, cada vez mais se generaliza a
dilação dos prazos de pagamento, ainda que o adquirente seja particular.
Por isso, o universo de contribuintes que podem beneficiar da aplicação
da Autoridade Tributária que permite a emissão de "faturas-recibo
eletrónicas", naturalmente, vai diminuindo.
Continua a ser relativamente simples e acessível emitir uma
fatura-recibo eletrónica. Não há custos de aquisição de blocos de
faturas, nem de programa informático certificado e de futuras e
frequentes atualizações (do SAFT, de taxas, de novos requisitos
técnicos) e nem há a preocupação quanto à comunicação da faturação
emitida. Mas, em virtude da sua elevada padronização, estes documentos
de faturação não possuem muita flexibilidade: apenas podem titular
prestações de serviços, pelo que, por exemplo, a venda de um bem do
ativo fixo terá de ser suportada por uma fatura; e as retificações em
caso de incorreções na sua emissão ou da concessão de descontos
tornam-se mais difíceis e podem até não dispensar o recurso à emissão de
notas de crédito.
As vantagens inerentes ao uso desta forma de faturação, nomeadamente,
a ausência de custos, direciona-a sobretudo para os pequenos
contribuintes. Mas a alteração acima referida quanto aos sujeitos
passivos no regime especial de isenção de IVA, obrigando-os a emitir
fatura no prazos do Código do IVA, leva-nos a questionar a existência da
disponibilização desse serviço de faturação por parte da Autoridade
Tributária e Aduaneira, nos moldes atuais, ou seja, em que não é
possível desagregar o documento de faturação do documento em que se dá
quitação.
Seria importante analisar rigorosamente quem é que, atualmente,
usufrui desse serviço (gratuito), em que medida é usado no estrito
cumprimento das normas fiscais e identificando o impacto do seu uso
indevido, com distorções na arrecadação de receitas e na existência de
divergências nas declarações dos contribuintes.
Consultora da OTOC
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
28/07/14
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