A política segundo
António Costa
Costa espera fazer recolher ao redil o PSD anti-passista e o PS socrático, responsáveis pela maior parte do clamor mediático dos últimos tempos. O regime voltará, finalmente, a cheirar a consenso.
Enquanto o país comentador continua entretido com a disputa do PS,
António Costa pensa já noutros campeonatos: por exemplo, na liderança do
PSD ou na Presidência da República. E não, não quero insinuar que
Costa, além de secretário-geral do PS e primeiro-ministro, também aspire
a ser presidente do PSD e ainda presidente da república. O que quero
dizer é que Costa parece pensar a sua candidatura como o vértice de um
triângulo que, além da direcção do PS, inclui a chefia do PSD e a
Presidência da República. Daí os patrocínios que esta semana concedeu às
possíveis candidaturas de António Guterres à Presidência da República e de Rui Rio à liderança do PSD.
Mais do que o candidato da revanche socrática ou de uma quimérica
“unidade de esquerda”, Costa gostaria de ser o candidato de toda a
oligarquia política – uma oligarquia decidida a restaurar o esplendor do
seu poder após três anos de tremor.
O projecto pressupõe três coisas. Primeiro, a submissão do PSD, com a
redução do seu líder a uma espécie de lugar-tenente do secretário-geral
do PS. É esse o sentido da insistência de Costa na “maioria absoluta”:
não quer dizer que espere mesmo uma maioria absoluta, mas convém-lhe que
se pense que o primeiro lugar será do PS. E a verdade é que, no debate
de terça-feira, Rui Rio pareceu conformar-se com a posição, pelo menos
ao ponto de secundar a proposta de calendário eleitoral que mais jeito
dá a Costa, com eleições legislativas logo em Abril de 2015.
A segunda
coisa de que Costa precisa é de um Presidente da República devidamente
sintonizado. E como retoque final, terá certamente o cuidado de colher
alguns malmequeres ao jardim do Bloco de Esquerda, a fim de compensar os
entendimentos à direita, como Mário Soares fez em 1978, ao ir buscar
Jorge Sampaio quando se aliou ao CDS.
O Bloco Costista começaria por condenar e apagar tudo o que se passou
nos últimos três anos em Portugal. Passos, Seguro e Cavaco Silva seriam
os bodes expiatórios do regime: Passos não devia ter ido “além da
troika”, Seguro devia ter feito “outra oposição”, Cavaco devia ter sido
“mais interventivo”. Só por causa deles houve recessão, e só por causa
deles não houve compromissos. Ou seja, tudo esteve sempre bem: a
economia pujante, a classe política sensata. O que tivemos foi azar com
os líderes do momento.
Com isto, Costa espera fazer recolher ao redil o PSD anti-passista e o
PS socrático, responsáveis pela maior parte do clamor mediático dos
últimos tempos. O regime voltará, finalmente, a cheirar a consenso. De
fora, ficariam o PCP e o CDS: o primeiro para provar, com as suas
manifestações, que Costa está a mudar alguma coisa; o segundo para
demonstrar, com as suas críticas, que Costa não está a mudar nada. Como
qualquer oligarca, Costa traz sempre os cidadãos na boca. A única coisa
que lhe importa, de facto, é a organização da elite partidária.
Não sabemos se os outros oligarcas estão disponíveis. Talvez estejam.
A classe dirigente apanhou um grande susto. Receou pela sua cadeira nos
conselhos europeus, teve de aparar as unhas ao Estado social, perdeu
alguns dos seus banqueiros de estimação. Costa propõe-lhe agora um
grande arranjo (“um compromisso político generalizado”), que seque
alternativas e permita reparar “entendimentos”. Seria de facto, como ele
diz, “repor a política no comando dos destinos do país”– se por
“política”, claro, entendermos os dirigentes partidários e as suas
clientelas. A única questão é: como vai Costa pagar tudo isso? Ele não quer dizer. Mas da última vez que esta “política” esteve no “comando”, tudo nos saiu muito caro.
IN "OBSERVADOR"
24/07/14
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