Se isto fosse um blogue
Eu fazia um post todos os dias. Ou quando calhasse. Mas isto não é um
blogue. Pois não. Mas posso fazer de conta que é. Se fosse esta semana
tinha sido assim.
Segunda-feira, 21 de Julho de 1014
António José Seguro cantou, dançou e tocou ferrinhos em Coimbra |
Finalmente Seguro percebeu que é líder do PS. Deixou de estar sempre a
olhar para o lado a pensar no que vai dizer a família Soares, no que
vão os jornalistas pensar, no que vai criticar Pacheco Pereira. Acabou.
Fosse antes destas primárias e Seguro não tocaria nem deixaria de tocar
ferrinhos. Fazia de conta. Agora toca e até ri. Parece aliás sentir-se à
vontade nesta deambulação pelo país e pelo PS em busca de apoios.
Libertou-se dos galambas, das medeiros, das moreiras… Mas libertou-se
tarde. António José Seguro deve ficar para os futuros líderes ou
candidatos a tal como o exemplo vivo de que não se pode chefiar quando
se leva a vida a olhar para trás. Não é neste momento primeiro-ministro
porque não quis desagradar aos soaristas e aos socráticos cujo ódio a
Cavaco os levou a rejeitar a antecipação das eleições para 2014 proposta
pelo Presidente da República.
Estas primárias estão a ser o seu prémio de consolação: Seguro pode
ser derrotado mas só é derrotado quem luta e lutar era coisa que até
agora não se tinha visto Seguro fazer. Infelizmente para ele em política
às vezes é tarde para começar.
Terça-feira, 22 de Julho de 1014
António Costa e Rui Rio em clima de felicitações e entendimentos |
Estes dois homens têm em comum o facto de se considerarem muito acima
daqueles que dirigem os respectivos partidos. Mas não é apenas isso que
os une. Ambos consideraram que uma espécie de vaga de fundo os havia de
levar até ao lugar que acham que lhes é devido. E quando perceberam que a
vaga não existia caso eles não se chegassem à frente e se expusessem
então avançaram. Ou mais propriamente Costa avançou enquanto Rio se vai
mexendo nos bastidores. Mas é óbvio para ambos que já o deviam ter feito
antes. Estes dois homens, Rio e Costa, têm de facto muito em comum se
por ter muito em comum se entender apostar na mesma estratégia que no
caso foi esperar que o tempo desgastasse Passos e reduzisse Seguro ao
papel de personagem de transição. Enganaram-se e agora são eles, os que
majestaticamente se deixaram ficar quietos, que, frenéticos, querem que o
tempo corra e que as legislativas sejam antecipadas. Rio e Costa
contavam que os erros e o azar de Passos e Seguro lhes estendessem uma
passadeira até ao poder. Mas para isso teriam tido de avançar eles
mesmos muito antes. Agora Seguro dá luta e Passos tem o tempo a seu
favor. Em resumo quem espera sempre alcança. Pode é não alcançar aquilo
para que se achava predestinado ou ter de amargar muito mais para lá
chegar.
Terça-feira, 22 de Julho de 1014
Professores invadem escola no Porto durante a prova |
Esta imagem vale mil palavras. Foi a isto que Mário Nogueira conduziu
a FENPROF: professores contra professores ou, mais propriamente dito,
pessoas que se apresentam como professores tentando impedir por todos
meios que outros que querem ser professores não façam a prova de acesso à
profissão. Se houvesse provas para se ser sindicalista, e entendendo
por sindicalista alguém que tem como objectivo defender os interesses
dos trabalhadores, Mário Nogueira tinha chumbado rotundamente.
Pode dizer-se que a afinidade entre a FENPROF e o PCP leva a que os
objectivos deste tipo de performances seja mais político que sindical. É
certo. Mas não é só isso. O que temos aqui nesta imagem é muito mais
social do que ideológico: de um lado, com apito e megafone na mão, estão
pessoas com ordenado e progressão na carreira garantidos. A maior parte
deles foram professores há muitos, muitos anos. Depois tornaram-se
sindicalistas, uma espécie de emprego vitalício em Portugal numa
corporação que tem garantido pela Constituição o monopólio da
representação dos trabalhadores. Tanto se lhes dá que aquilo que fazem
seja ou não adequado: eles não precisam que os trabalhadores os apoiem.
Os trabalhadores são apenas uma figura de estilo no seu discurso. Do
outro estão pessoas que não têm emprego ou temem perdê-lo e que muito
menos têm quem as represente. No acesso à profissão terão de enfrentar
vários obstáculos e a milícia sindical protegendo sempre os mais
protegidos não será o menor.
Quinta-feira, 24 de Julho de 1014
Ricardo Salgado foi detido esta quinta-feira para interrogatório |
Nunca percebi como treinam os banqueiros o olhar para a câmara. Mas
deve haver um sítio onde isso se aprende porque mais ninguém consegue
que as objectivas os captem assim: políticos, empresários e jornalistas
bem tentam mas não conseguem. Mas esse olhar quase florentino que nos
outros talvez seja uma técnica no caso de Ricardo Salgado parecia um dom
tão geneticamente natural quanto os apelidos que carrega.
É claro que esta fotografia é prévia a essa quinta-feira, 24 de Julho de 2014, em que o Correio da Manhã
escreveu no seu site “Ricardo Salgado foi detido” e os jornalistas
correram em busca da imagem e das palavras que mostrassem a descida aos
infernos de um poderoso. Era apenas o começo. Simbolicamente, e o mundo
do dinheiro vive de símbolos (o que é esta foto senão um símbolo?), na
página institucional do BES não consta Ricardo Salgado.
Estão lá José Maria do Espírito Santo e Silva (1869-1915), José
Ribeiro do Espírito Santo e Silva (1916-1932), Ricardo Ribeiro do
Espírito Santo e Silva (1933-1945), Manuel Espírito Santo Silva
(1955-1972), Manuel Ricardo Espírito Santo e Silva (1973-1990). Sobre ele, Ricardo Espírito Santo Silva Salgado, bisneto, neto e sobrinho desses homens não consta nada.
Quando na sua página na wikipedia se carrega na Nota Biográfica de Ricardo Salgado que constava no site do BES surge agora Vítor Bento numa nota assinada a 21 de Julho
afirmando “Estimado Cliente, Os Clientes são a razão de ser do BES. A
sua confiança é a base de todo o valor que geramos. Ao tomar posse como
presidente da Comissão Executiva sinto, com orgulho e responsabilidade, o
peso da valorosa confiança que em nós está depositada.”
Se há momentos em que um banqueiro pode em Portugal ter saudades do
PREC este é um deles: na prisão esqueceram-se azedumes familiares, o
mundo dava-lhes razão e sobretudo ele, Ricardo, era novo. Agora é tarde.
Muito tarde. Já não haverá tempo para recuperar este olhar diante das
câmaras e inscrever o seu nome nessa dinastia familiar que na página
institucional do BES nos contempla e o contempla sob o lema “Um percurso
a criar valor”.
IN "OBSERVADOR"
27/07/14
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