Tribunal Constitucional
- do ataque ao pretexto
Anunciada a saída limpa, uma das marcas que fica deste
governo regressado a 1640, na versão CDS, ou ao 25 de Abril, na versão
PSD, que ficará inscrita na história é sua relação com o Tribunal
Constitucional (TC).
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O governo é propositadamente bipolar. Não há memória
de um Executivo passar do discordar legitimamente de decisões do TC para
ameaçar este órgão de soberania elementar na defesa dos direitos
fundamentais dos cidadãos, pressionar os juízes despudoradamente, e,
pior, desrespeitar teimosamente as decisões daquele.
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No primeiro orçamento de estado (OE), quando o
Governo, ao arrepio de promessas claras na campanha eleitoral, teve por
bom ultrapassar a troica na dose e nos alvos cortando dois subsídios
(natal e férias) aos funcionários públicos e aos pensionistas,
aposentados e reformados, em cima das reduções remuneratórias de 2011, o
TC foi claríssimo. No Acórdão 353/2012 pode ler-se isto "A referida
situação e as necessidades de eficácia das medidas adotadas para lhe
fazer face não podem servir de fundamento para dispensar o legislador da
sujeição aos direitos fundamentais e aos princípios estruturantes do
Estado de Direito, nomeadamente a parâmetros como o princípio da
igualdade proporcional. A Constituição não pode certamente ficar alheia à
realidade económica e financeira e em especial à verificação de uma
situação que se possa considerar como sendo de grave dificuldade. Mas
ela possui uma específica autonomia normativa que impede que os
objetivos económicos ou financeiros prevaleçam, sem quaisquer limites,
sobre parâmetros como o da igualdade, que a Constituição defende e deve
fazer cumprir".
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O TC decidiu e a sua decisão é vinculativa, apesar de
o Governo ter argumentado, e inscrito no OE, que as medidas que "deixam
muita gente de fora" - esse discurso indecente que se alegra com haver
tanta gente abaixo dos 600 euros mensais - teriam a duração do programa
de ajustamento. Esta foi sempre a promessa escrita na lei:
transitoriedade.
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O Governo leu o Acórdão e decidiu desrespeitar o TC.
Em 2013, apesar de toda a fundamentação do TC, e novamente ao arrepio
das promessas eleitorais, teve por bem continuar a ultrapassar a troica
na dose e nos alvos, pelo que tratou de insistir no corte dos subsídios -
que são remuneração - exatamente dos mesmos. Desta vez, como se a
fundamentação do TC não matasse a tentativa à partida, o OE previu
cortar um subsídio exatamente aos mesmos.
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Sem espanto, o Acórdão 187/2013 foi claríssimo: "Na
última dessas decisões, o Tribunal considerou, porém, que os efeitos
cumulativos e continuados dos sacrifícios impostos às pessoas com
remunerações do setor público, sem equivalente para a generalidade dos
outros cidadãos que auferem rendimentos provenientes de outras fontes,
corresponde a uma diferença de tratamento que não encontra já fundamento
bastante no objetivo da redução do défice público. E implica por isso
uma violação do princípio da igualdade proporcional, assente na ideia de
que a desigualdade justificada pela diferença de situações não está
imune a um juízo de proporcionalidade e não pode revelar-se excessiva".
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O Governo, mentindo na atitude e nas palavras,
revelou-se espantadíssimo com este TC, uma "força de bloqueio", mandou
teorizar falsidades acerca das decisões em causa e acerca da natureza da
Constituição (CRP). Uma Constituição igual à que nos rodeia passou a
socialista, rígida e ultrapassada. Não ocorreu a ninguém perguntar a
Passos e companhia se os princípios invocados pelo TC (igualdade,
proporcionalidade e, mais tarde, tutela da confiança) serão alvo de uma
proposta de revogação num novo e louco projeto de revisão
constitucional.
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Ainda hoje, Passos Coelho, que anda alegre, como é de
campanha, exalta o esforço "apesar" de tanta e inédita intervenção do
TC. E avisa que se o TC declarar inconstitucionais os cortes de salários
terá de aumentar ainda mais os impostos. Esta mentira na postura e nas
palavras devia fazer gritar qualquer democrata, porque os democratas
sabem que o TC só decide se alguém, como foi o caso de Cavaco, lho
solicitar e a austeridade travada pelo Tribunal que nos defende deve-se à
produção propositada de leis inconstitucionais e não a quem, na
qualidade de órgão de soberania mandatado para tal, trata de repor a
legalidade.
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Governar contra o TC é governar mentindo e é governar contra a democracia.
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Quando foi anunciada a vergonhosa "convergência das
pensões", duvido que alguém de boa-fé não esperasse uma decisão do TC
por unanimidade. O Acórdão 862/2013 fundamentou profundamente a violação
do princípio da proteção da confiança que decorre do Estado de Direito
democrático e disse isto e é isto que vem sendo desmentido por um
Governo sem cara: "No juízo de ponderação que é imposto pela
proteção da confiança, onde se confronta e valora a condição de
pensionista, em princípio, sem possibilidade ou impossibilidade de
regressar a uma vida ativa que permita recuperar o que lhe é retirado,
com os referidos interesses públicos, que podem ser satisfeitos no
horizonte mais alargado, a solução justa à luz do princípio da
proporcionalidade imporia também que a implementação da medida se
fizesse de forma gradual e diferida no tempo. Aplicá-la de uma só vez,
seria ultrapassar, de forma excessiva, a medida de sacrifício que a
natureza do direito à pensão poderá admitir".
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O TC não acolheu a argumentação de que estávamos
perante uma "reforma estrutural" e denunciou bem que se tratava apenas
de uma medida "avulsa". Explicou que a pensão não é um direito absoluto,
mas que mexidas em valores atribuídos só podem ser admitidas no âmbito
de uma verdadeira reforma estrutural do sistema de público de pensões.
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Espetacularmente, vem agora o Governo mentir outra vez usando o antigo inimigo (o TC) como pretexto.
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Recapitulando: os cortes (que estão a ser mais uma vez
analisados pelo TC) acabariam com a saída da troica; os cortes nas
pensões acabariam com a saída da troica; não haveria mais aumento de
impostos.
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Anúncio súbito: os cortes são para continuar mas em
menor dose; as pensões terão o seu tempo de reposição; os impostos vão
ser aumentados.
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E por quê? Por causa da leitura que o Governo faz dos
acórdãos do TC. Mas haverá limites para o descaramento? Nem um cão
acredita na dita leitura. Pois se o TC deixou passar cortes porque o
Governo garantiu a sua caducidade com a saída da troica, que "leitura"
anda o Governo a fazer?
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O Governo prometeu e não fez. O Governo feriu,
propositadamente e sucessivamente, a CRP. O Governo usa agora o TC como
pretexto para a sua desfaçatez. É pedir a um membro do Governo que nos
explique onde, em que página dos acórdãos do TC, encontra o comando para
aumentar impostos e insistir nos cortes.
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Chegará o dia em que quem nos desgoverna passa a ter a gentileza de não nos tomar por acéfalos?
IN "EXPRESSO"
17/05/14
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