16/04/2014

HELENA MATOS

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O discurso que 
Cavaco devia fazer 
a 25 de Abril

Em primeiro ligar quero pedir desculpa aos portugueses por ter sido eleito.
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Não é possível que milhares e milhares de portugueses me tenham dado o seu voto quando há tanto poeta, sociólogo, jornalista, actor, militar e arquitecto de esquerda a dizer que eu não os represento.

Na verdade eu represento um País que a esquerda magnanimamente tolera. Um País que faz falta para que a esquerda possa governar em democracia. Pois apesar da imensa superioridade das teses revolucionárias, solidárias e resistentes da esquerda, este regime de partidos em que vivemos implica a existência de oposição. Mas uma oposição que saiba ser oposição. Ou seja que se adeque ao seu papel de oposição e assim sirva para confirmar a superioridade moral e intelectual da esquerda que é quem natural e constitucionalmente deve governar.

Inadvertidamente às vezes os líderes da não esquerda têm o topete de ir além desse seu papel histórico - eu mesmo padeci dessa ousadia - e ganham as eleições. Ou, igualmente contra natura, ocupam altos cargos em instâncias internacionais. Ora, senhores, como bem se tem visto, quando tal acontece perdemos todos: os líderes da oposição tolerada perdem aquele ambiente de simpática condescendência com que os brindais. Vossas Excelências perdem por momentos os lugares que são Vossos por direito natural - como esquecer que tantos dos Vossos irmãos já andaram ao lado do dr. Afonso Costa a explicar por métodos directos aos ultramontanos, aos reaccionários, aos monárquicos e aos jesuítas (os jesuítas daquele tempo não eram como os de agora que em hora bendita Vós já haveis apadrinhado!) esta ordem natural dos factos e sobretudo esta ordem natural de Portugal.

Porque a primeira regra a saber sobre Portugal é que aqui não se distingue o País de quem o governa e por isso os factos ora são valorizados ora depreciados consoante a cor do regime. E em boa verdade só nos podemos orgulhar quando a esquerda governa e do que a esquerda aprova: do fado à recuperação económica, do cozido ao futebol, o País só é motivo de orgulho quando a esquerda lhe põe o visto "Aprovado". Até lá não existe e se existe é fascista. Ou, numa versão mais benemérita, atávico e ignorante.

Quarenta anos depois do 25 de Abril a não esquerda deve aceitar com alegria o seu papel de legitimadora do poder. E sobretudo as almas conservadoras como a minha vêem-se obrigadas a pedir à esquerda que governe, que governe mesmo quando perder e, acrescento eu, após anos de experiência, sobretudo quando perder. Porquê? Porque só assim se podem salvar as instituições.

Veja-se a transformação desta mesma Assembleia da República de centro da democracia em espaço cercado, depreciado e onde entre correrias de polícias e sindicalistas, cantorias e gritos, todos os dias somos confrontados com este dilema: ou a esquerda volta rapidamente ao poder ou este parlamento acabará completamente desprestigiado. Não duvido que mal volte ao poder "quem de lá nunca deveria ter saído" não mais haverá qualquer tolerância para aqueles que ousarem tais performances.

O mesmo se passará com tantos outros problemas - o flagelo da emigração voltará a ser a mais-valia da diáspora; os escritores voltarão a fazer discursos redondos quando receberem os respectivos prémios; as confederações falarão baixinho que o respeitinho é muito bonito; a fome tornar-se-á um desajustamento alimentar resultante das assimetrias induzidas no lar pelas questões de género e acentuadas pela proliferação do ‘fast-food'. E sobretudo, senhores, a Presidência da República, que me obstino em ocupar, apesar de tantos de vós tão oportunamente me dizerem que a devo deixar, voltará a ser tratada com o respeito republicano que lhe é devido.

Caros senhores, quarenta anos depois do 25 de Abril estamos politicamente no Verão de 1975: a legitimidade das urnas é inferior à da rua e à dos estúdios de televisão?

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
14/04/14


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