Não podiam comprar
o Porsche mais tarde?
Portugal está no fim de um programa de ajustamento fortemente penalizador para a generalidade da população. 660 mil famílias deixaram de pagar os seus créditos à banca. Há mais de 2,5 milhões de concidadãos que vivem no limiar da pobreza. O subsídio de desemprego, o abono de família, as pensões e reformas foram drasticamente reduzidos. Mais de 700 mil pessoas não têm trabalho. Tudo parece correr mal na frente interna.
Tudo? Seguramente que não. A venda de automóveis de luxo em Portugal vai de vento em pôpa, ainda sem a Factura da Sorte do fisco ter começado a oferecer carros topo de gama a quem pedir facturas, criando assim mais excêntricos.
Com efeito, o ano passado houve 300 cidadãos que compraram carros em que um novo jogo de pneus custa mais que o salário mínimo acumulado num ano: três Bentley, um Lamborghini, nove Ferraris, 14 Aston Martin e 273 Porsches.
Se isto aconteceu num ano em que a recessão terá sido de 1,6%, sucedendo a outros dois anos de quebra severa do produto interno bruto do país, o que não se irá passar neste ano em finalmente a economia volta a crescer?
A resposta é óbvia: muito mais carros de luxo vão ser vendidos no mercado português. Para já, nos dois primeiros meses do ano, a Porsche já vendeu 43 carros da marca, mais 53,6% que no mesmo período do ano anterior. A Ferrari vendeu três carros este ano contra nenhum no mesmo período de 2013. E as outras marcas de luxo vão pelo mesmo caminho.
Ora partindo do princípio que todos os compradores são portugueses, a pergunta que se faz é se não podiam esperar um pouco mais para comprar o Porschezinho? Se não conseguiriam viver mais, já não digo uns anos mas uns meses, antes de adquirirem o carrinho? Se não conseguiam circular nem mais um minuto com o anterior modelo? Ou se nunca lhes passou pela cabeça ajudar uma instituição de solidariedade social? Ou investir para criar emprego? Ou ao menos reforçar o capital de empresas?
É que num país dizimado pelo programa de ajustamento um pouco de pudor talvez ajudasse a suportar a dor e passasse a ideia que, apesar de tudo, os sacrifícios estão a ser mais ou menos bem distribuídos. Assim não. Assim fica-se com a ideia que há muitos que estão a pagar com lingua de palmo este ajustamento - mas há uma minoria que continua a escapar. E que não tem discrição nem vergonha. Não é uma elite na miséria. Mas é uma miséria de elite.
IN "EXPRESSO"
17/03/14
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