Prazo de Validade
ou O Efeito Kate
Ponhamos a coisa da seguinte forma: a religião é a cultura pop, o espaço
de culto são os media e as divindades são celebridades.
Seguindo
esta lógica e com fundamento nos princípios da Igreja Maradoniana, hoje é
Natal para os KateMossianos: celebra-se o quadragésimo aniversário
daquela que é a divindade máxima deste culto, Kate Moss. Naturalmente.
Embora ainda não exista um culto oficializado, com nome, igreja,
tradições, orações e dogmas próprios, por exemplo, diria que este
aniversário é o acontecimento pop desta semana, o qual ofusca os Golden
Globes e a Bola de Ouro do nosso Cristiano. Até porque mais de metade do
mundo ocidental está à espera de saber como será a sua festa de
aniversário, uma das festas mais importantes do planeta celebridades, a
par com o concorridíssimo Halloween da Heidi Klum.
Para quem
consome alta cultura pop, Kate Moss é uma referência. Mas também o é
para quem consome apenas cosméticos ou se limita a olhar para anúncios
enquanto está parado no trânsito. É uma das caras familiares do universo
imagético geral. Não marcou apenas uma geração, é inclassificável e
impossível de segmentar ou prever.
Sem ser particularmente bonita
ou alta relativamente às várias linhas de exigência do mundo da moda
(porque as há), Kate Moss é dona de uma carreira invejável e muito
interessante em termos de variedade e longevidade. Faz hoje quarenta
anos e segundo os entendidos, está para as curvas. Espera-se que
continue mais fresca com a ajuda de São Photoshop.
Por que é que
se é fã de uma top model? Não sei. Mas não seria justo referir-nos a ela
como uma figura unidimensional, e acho que é por aí que consigo
entender o porquê de se ser fã da Kate Moss, a derradeira estrela, o
melhor produto do Reino Unido, a grande protagonista de todo o tipo de
certames. A única que pode tudo. A intemporal. A alternativa. A mais
arrojada. A que fuma na passerelle.
Sem ser grande fã da figura
em questão, admito que a desmultiplicação da imagem desta mulher em
tantas áreas de culto para a única religião praticada na era da
comunicação, simbolize uma infinidade de coisas para quem encontra todos
os significados na estética.
O legado intelectual ou de acção
social de Kate Moss é, no entanto, um mistério. E atrevo-me a dizer que
acho que talvez seja esse o grande segredo do seu sucesso: a total
ignorância do conteúdo daquela que é, então, uma das embalagens mais
conhecidas de sempre.
Sem pudor ou receio de ser objectualizada, e
ao contrário de tantas outras celebridades que falam abertamente das
suas vidas ou que as vêem involuntariamente expostas nos media, Kate é
uma mulher cautelosa e pouco afirmativa. E desconhecida. É a não-mulher
total: reserva a sua intimidade para os que lhe são mais próximos. Não
se expõe. Não se professa, embora seja uma profissional na área do
narcisismo. Os seus gostos capazes de despertar ódios ou fanatismos são
completamente desconhecidos do grande público.
É, em última
instância, uma figura. Nada mais que uma figura. Uma figura humana
absolutamente comum e alcançável, no sentido em que simboliza a
possibilidade de se s(t)er tudo médio e ser, ainda assim, um ídolo. É
muito provável que a moderação (à excepção do escândalo da cocaína) seja
o segredo do seu sucesso.
Com uma carreira que remonta ao final
dos anos oitenta, Kate Moss é a antimodelo de referência depois da
lendária Twiggy. É a figura feminina mais transversal, menos incómoda e
ainda assim exótica e alternativa dos últimos 25 anos. É um dos grandes
bastiões da beleza peculiar, uma das primeiras mulheres da era das
super-tudo a abrir espaço para os patinhos-feios-tornados-cisnes.
E
de tudo aquilo que já disse aqui, que foi muito, sinto de alguma forma
que é possível que se sinta um vazio de conteúdo após a leitura dos
parágrafos anteriores, mas é precisamente esse aquilo a que chamo O
Efeito Kate: conhece-se sem se conhecer, sabe-se sem se saber, vê-se sem
realmente se ver, existe sem na verdade existir... Mas fica.
IN "SOL"
22/01/14
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