26/01/2014

JOANA BARRIOS

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Prazo de Validade 
ou O Efeito Kate

Ponhamos a coisa da seguinte forma: a religião é a cultura pop, o espaço de culto são os media e as divindades são celebridades. 

Seguindo esta lógica e com fundamento nos princípios da Igreja Maradoniana, hoje é Natal para os KateMossianos: celebra-se o quadragésimo aniversário daquela que é a divindade máxima deste culto, Kate Moss. Naturalmente. Embora ainda não exista um culto oficializado, com nome, igreja, tradições, orações e dogmas próprios, por exemplo, diria que este aniversário é o acontecimento pop desta semana, o qual ofusca os Golden Globes e a Bola de Ouro do nosso Cristiano. Até porque mais de metade do mundo ocidental está à espera de saber como será a sua festa de aniversário, uma das festas mais importantes do planeta celebridades, a par com o concorridíssimo Halloween da Heidi Klum.

Para quem consome alta cultura pop, Kate Moss é uma referência. Mas também o é para quem consome apenas cosméticos ou se limita a olhar para anúncios enquanto está parado no trânsito. É uma das caras familiares do universo imagético geral. Não marcou apenas uma geração, é inclassificável e impossível de segmentar ou prever. 

Sem ser particularmente bonita ou alta relativamente às várias linhas de exigência do mundo da moda (porque as há), Kate Moss é dona de uma carreira invejável e muito interessante em termos de variedade e longevidade. Faz hoje quarenta anos e segundo os entendidos, está para as curvas. Espera-se que continue mais fresca com a ajuda de São Photoshop.

Por que é que se é fã de uma top model? Não sei. Mas não seria justo referir-nos a ela como uma figura unidimensional, e acho que é por aí que consigo entender o porquê de se ser fã da Kate Moss, a derradeira estrela, o melhor produto do Reino Unido, a grande protagonista de todo o tipo de certames. A única que pode tudo. A intemporal. A alternativa. A mais arrojada. A que fuma na passerelle. 

Sem ser grande fã da figura em questão, admito que a desmultiplicação da imagem desta mulher em tantas áreas de culto para a única religião praticada na era da comunicação, simbolize uma infinidade de coisas para quem encontra todos os significados na estética.
O legado intelectual ou de acção social de Kate Moss é, no entanto, um mistério. E atrevo-me a dizer que acho que talvez seja esse o grande segredo do seu sucesso: a total ignorância do conteúdo daquela que é, então, uma das embalagens mais conhecidas de sempre. 

Sem pudor ou receio de ser objectualizada, e ao contrário de tantas outras celebridades que falam abertamente das suas vidas ou que as vêem involuntariamente expostas nos media, Kate é uma mulher cautelosa e pouco afirmativa. E desconhecida. É a não-mulher total: reserva a sua intimidade para os que lhe são mais próximos. Não se expõe. Não se professa, embora seja uma profissional na área do narcisismo. Os seus gostos capazes de despertar ódios ou fanatismos são completamente desconhecidos do grande público.

É, em última instância, uma figura. Nada mais que uma figura. Uma figura humana absolutamente comum e alcançável, no sentido em que simboliza a possibilidade de se s(t)er tudo médio e ser, ainda assim, um ídolo. É muito provável que a moderação (à excepção do escândalo da cocaína) seja o segredo do seu sucesso. 

Com uma carreira que remonta ao final dos anos oitenta, Kate Moss é a antimodelo de referência depois da lendária Twiggy. É a figura feminina mais transversal, menos incómoda e ainda assim exótica e alternativa dos últimos 25 anos. É um dos grandes bastiões da beleza peculiar, uma das primeiras mulheres da era das super-tudo a abrir espaço para os patinhos-feios-tornados-cisnes.
E de tudo aquilo que já disse aqui, que foi muito, sinto de alguma forma que é possível que se sinta um vazio de conteúdo após a leitura dos parágrafos anteriores, mas é precisamente esse aquilo a que chamo O Efeito Kate: conhece-se sem se conhecer, sabe-se sem se saber, vê-se sem realmente se ver, existe sem na verdade existir... Mas fica. 

IN "SOL"
22/01/14


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