HOJE NO
"PÚBLICO"
Três hospitais podiam ter poupado 1,6 milhões só em cirurgias às cataratas
Os três hospitais alvo de uma auditoria do Tribunal de Contas que
detectou pagamentos em excesso a vários médicos podiam ter poupado mais
de 1,6 milhões de euros só com as cirurgias às cataratas que realizaram
entre 2009 e 2011 no âmbito da redução das listas de espera se os
conselhos de administração tivessem optado por modelos de contratação
semelhantes a outras unidades.
As informações fazem parte da Auditoria às remunerações mais elevadas pagas pelas unidades hospitalares que integram o Serviço Nacional de Saúde, elaborada pelo Tribunal de Contas (TC) e a que o PÚBLICO teve acesso.
No documento, o tribunal analisou as remunerações dos 295 médicos com salários mais elevados
e depois afunilou a investigação para os três hospitais que, no
conjunto, tinham os cinco clínicos com ordenados mais elevados: a
Unidade Local de Saúde (ULS) do Baixo Alentejo, o Centro Hospitalar do
Barlavento Algarvio e o Centro Hospitalar do Médio Tejo. Só a ULS do
Baixo Alentejo gastou 1,9 milhões em 2009 e 1,7 em 2010.
Tendo em
consideração que muitos dos pagamentos considerados irregulares foram na
área da oftalmologia, em que os clínicos faziam consultas e cirurgias
no horário normal mas recebiam como se tivessem feito horas
extraordinárias, o TC decidiu avaliar as opções tomadas pelos conselhos
de administração das três unidades para perceber se “foram as mais
económicas”. Assim, comparou-as com o Hospital Distrital da Figueira da
Foz, que para reduzir as listas de espera para cirurgia às cataratas
contratou um prestador externo, e concluiu que esta unidade conseguiu
fazer o mesmo com menos dinheiro.
“Tendo em conta o número de
cirurgias à catarata realizadas em meios de remuneração alternativos nas
três unidades hospitalares em análise, e se, por hipótese, estas
tivessem contratado serviços médicos externos ao preço que o Hospital
Distrital da Figueira da Foz contratou, teriam conseguido, no triénio,
uma redução de cerca de 1,6 milhões de euros”, lê-se na auditoria.
Isto
porque por cada cirurgia na Figueira da Foz o hospital pagava 384,22
euros, enquanto no Barlavento Algarvio se gastava 502,06 euros, no Médio
Tejo 488,11 euros e no Baixo Alentejo 500 euros (valor que, neste
último caso, baixou para 450 euros em 2011).
Porém, no
contraditório, o Centro Hospitalar do Barlavento Algarvio considerou que
a comparação é falaciosa, visto que nesta unidade a cirurgia contava
com dois cirurgiões e o dinheiro era distribuído por toda a equipa,
incluindo auxiliares de acção médica, quando na Figueira da Foz eram só
para médico e enfermagem. Ainda assim, a este propósito, o Tribunal de
Contas assegura que não se reconhecem reclamações sobre os procedimentos
no Hospital Distrital da Figueira da Foz e que os auxiliares
trabalhavam no horário normal.
Meio milhão a mais só em consultas
O
relatório olha também para as consultas adicionais pagas à peça no
Baixo Alentejo (que variaram entre os 36,4 e os 31,5 euros nos três
anos) por comparação com a Figueira da Foz, que optou por pagar ao
médico 37,5 euros à hora e não por consulta. O Tribunal de Contas diz
que a opção pelo pagamento à hora teria permitido poupar quase meio
milhão de euros.
Na mesma instituição, os oftalmologistas tinham
um sistema de pontos a partir do qual recebiam remuneração
extraordinária. Como os pontos das cirurgias eram atingidos até Maio ou
Junho, os restantes meses eram pagos como produção adicional. Um duplo
problema, visto que no primeiro semestre eram sobretudo feitas cirurgias
simples, em que se operam três a quatro doentes numa hora, o que
permitia superar rapidamente os pontos.
"Em 2009 e 2010, mais de
80% do total das cirurgias realizadas nesses anos e mais de 69% em 2011
foram remuneradas ‘à peça’, de acordo com a tabela do SIGIC [Sistema
Integrado de Gestão de Inscritos para Cirurgia], apesar de algumas terem
sido realizadas durante o período normal de trabalho." O TC relembra
que muitas destas infracções são "susceptíveis de gerar eventual
responsabilidade financeira e sancionatória".
Este é apenas um dos
tópicos analisados na auditoria e que mostra que, apesar das tabelas
salariais, as irregularidades na remuneração dos médicos persistem e
muitas das consultas e cirurgias feitas durante o horário normal em 2009
e 2010 foram pagas como se os clínicos as tivessem realizado em horas
extraordinárias. Aliás, há casos de hospitais que a meio do ano já
tinham atingido o número de cirurgias programadas para determinada área e
que a partir daí faziam os restantes seis meses com pagamentos
suplementares e mais onerosos, mas dentro do horário do clínico.
13 mil euros/mês para quase 300 médicos
De
acordo com o mesmo documento, numa análise aos 295 médicos com
ordenados mais elevados em todo o país, constatou-se que em 2009 e 2010
receberam, em média, 13 mil euros por mês — o que significa que, em cada
ano, custaram ao todo 46 milhões de euros. Em 2011 e 2012, o Ministério
da Saúde conseguiu regularizar, em parte, muitas das situações. O
problema é que isso teve um preço: os médicos começaram a produzir menos
e isso traduziu-se no aumento de listas de espera de algumas áreas que
tinham conseguido reduções na ordem dos 40% entre 2008 e 2010.
“O
agravamento dos tempos de espera que ocorreram entre 2011 e 2012
coincidiu com a redução das remunerações destes mesmos médicos”, diz o
tribunal, que reforça que muita da produção podia ter continuado a ser
feita no horário normal. Por seu lado, os conselhos de administração — que o Sindicato Independente dos Médicos acusa de serem os principais responsáveis pela existência de pagamentos indevidos
— garantiram a este organismo que a carência de recursos humanos fez
com que a única forma de garantir o acesso fosse por pagamentos extra,
mas comprometeram-se a analisar melhor as sobreposições.
Já no
final de Março o PÚBLICO tinha avançado em primeira mão um relatório da
Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) sobre as irregularidades
nos pagamentos a médicos. No caso mais flagrante, o de um
oftalmologista no Algarve, foram pagos mais de 1,3 milhões de euros no
âmbito do SIGIC, sendo que 1,2 milhões diziam respeito a intervenções
feitas durante o horário do médico. As informações apuradas pela IGAS
resultaram em vários processos disciplinares que vão permitir que o
Estado recupere mais de 1,3 milhões de euros. O ministro Paulo Macedo
também se comprometeu a responsabilizar os conselhos de administração
dos hospitais.
Do lado do Ministério da Saúde, o PÚBLICO sabe que
Paulo Macedo já emitiu um despacho em que diz que as recomendações do
Tribunal de Contas vão “ao encontro do trabalho que tem sido realizado
pelo Governo no âmbito da saúde”, mas reconhece que algumas constatações
“continuam a justificar alguma preocupação”. Assim, nesse mesmo
despacho determina que tanto a Administração Central do Sistema de Saúde
como a IGAS continuem a trabalhar no sentido de esclarecer a legislação
em vigor e a realizar mais acções inspectivas às unidades de saúde.
* Acreditamos que Paulo Macedo vai prestar atenção ao relatório do TC
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