O Governo que derrotou Marx
1. A greve geral de quinta-feira repetiu vários dos sinais das
anteriores. Mais uma vez ficou bem visível a pouca implantação dos
sindicatos nos trabalhadores da actividade privada. Muitos anos de erros
na maneira de olhar para a actividade sindical nas empresas, a
pouquíssima atenção dada aos desempregados e aos que tentam entrar no
mercado de trabalho contribuíram decisivamente para a profunda crise do
movimento sindical no sector privado (e não só) e logo num momento em
que eram precisos sindicatos fortes e conscientes dos novos desafios que
a comunidade enfrenta.
Depois, num momento em que se vive sérias
dificuldades, os trabalhadores pensam duas vezes antes de fazer greve
para não agravar os problemas das suas empresas. No sector público, os
despedimentos anunciados são, como é evidente, um forte incentivo ao não
exercício do direito à greve. No entanto, e apesar de tudo isto, a
greve geral fez-se sentir. Mais do que a guerra de números dos
sindicatos e Governo, fica a sensação da expressão dum enorme
descontentamento. Fica a imagem de gente que mesmo com grande sacrifício
pessoal fez greve e de outra gente que não fez mas que concorda com os
seus motivos.
Houve, no entanto, uma enorme novidade nesta greve
geral, algo de que em Portugal não havia memória: às principais centrais
sindicais juntaram-se as associações patronais - o barulho de Marx e
Engels a darem voltas na campa foi tão grande que deve ter chegado a
Lisboa.
Não é que estas associações já não tivessem mostrado, e
não por poucas vezes, a sua profunda oposição ao caminho que o Governo
está a prosseguir. Os empresários sabem o que está a ser feito à
economia portuguesa, vivem-no no dia a dia. Eles sabem onde ficaram as
reformas prometidas, a desburocratização e toda a questão dos custos de
contexto. Eles sabem para onde a carga fiscal está a empurrá-los. Eles
sabem onde pára o crédito. Mas sabem sobretudo que sem clientes não há
empresas que resistam.
Sim, eles sabem isso tudo e também sabem
que muitos dos males que os afligem não são de agora. O que é de agora é
o limite a que estão a ser levados. Se o Governo não percebe o limite a
que estão a ser levados os empresários para, no fundo, apoiarem uma
greve é porque já não percebe nada. Se o Governo não percebe o
significado político e social de patrões e sindicatos se mostrarem
unidos contra as opções do Governo, é porque o autismo é completo.
Na
mesma quinta-feira, os patrões e os sindicatos portugueses tiveram um
apoio, para alguns, inesperado: os partidos que suportam o Governo
aprovaram seis de dez propostas apresentadas pela oposição. E que clima
se viveu na Assembleia da República: digamos que parecia que ia ser
votado um voto de louvor a uma qualquer figura nacional ou internacional
consensual, tal era a afabilidade e a cooperação.
Enquanto o
ministro Marques Guedes afirmava respeitar mais uns trabalhadores do que
outros, no Parlamento, um vice-presidente da bancada social-democrata,
Luís Menezes, dirigindo-se aos socialistas, lembrou que "é muito mais o
que nos une do que o que nos separa" e chegou mesmo a mostrar
compreensão pela proposta para a reposição do valor do IVA da
restauração. As perguntas são inevitáveis: alguém tinha avisado o
Governo de que iam ser votadas favoravelmente estas propostas? Vítor
Gaspar e Passos foram postos ao corrente? Concordam?
Parece que
não. Sábado, a TSF divulgava um documento do Ministério das Finanças no
qual se arrasam por completo as propostas dos socialistas. As tais que
foram aprovadas pelos deputados sociais-democratas e centristas...
Um
dia antes, talvez por nessa altura o primeiro-ministro não se encontrar
a uns milhares de quilómetros de distância, Luís Montenegro desmereceu
as propostas qualificando-as de desilusão. Mas isso seria o menos. Nesse
mesmo dia tínhamos visto um primeiro--ministro inflexível com a
oposição, sem vontade de ouvir o que quer que fosse e mostrando uma
violência no discurso ainda não ouvida. A intolerância com a oposição
foi tanta que o CDS se sentiu incomodado e apelou ao diálogo.
A
greve geral consagrou definitivamente o total isolamento do Governo.
Estes episódios no Parlamento deixaram transparecer o sentimento de
profunda desilusão com a governação que percorre o PSD.
Existe de facto um consenso e não há dia em que não cresça.
IN"DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
29/06/13
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